24 Janeiro 2011
"Alta dos preços de grãos, de metais e de combustíveis provoca inflação e temor de crises como as de 2008", escreve Vinícius Torres Freire, jornalista, em artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, 25-01-2011.
Eis o artigo.
Está de volta a conversa sobre o risco de tumulto devido ao preço das commodities. Risco de a comida cara provocar convulsões em países pobres, inflação precoce em países ricos ainda deprimidos e altas de juros nos "emergentes" que agora carregam o crescimento mundial (China, Índia e até Brasil).
A situação ainda não se assemelha à de meados de 2008, quando a economia mundial superaquecida e o dinheiro barato na especulação com commodities inflacionaram arroz, milho e trigo do Egito ao México (lembra-se da crise da tortilla?).
Os tumultos na Tunísia e na Argélia têm sido em parte atribuídos ao preço da comida. A nova inflação dos alimentos seria devida à retomada forte do consumo no mundo dito emergente e, mais uma vez, à ação de especuladores no mercado futuro de commodities. A oferta de dinheiro barato no mundo rico, a juro zero, estimularia a especulação.
Ontem, Nicolas Sarkozy voltou a sugerir a regulamentação dos derivativos de recursos naturais (comida, minérios, combustíveis). A França ocupa a presidência do G20 e apresentou um esboço de seu plano de ação. As ideias do presidente francês sobre regulação financeira, câmbio e "reequilíbrio do poder econômico e político" mundial vêm sendo ignoradas por quem importa (EUA, China), mas seu discurso se soma à onda recente de alertas sobre a escassez de recursos naturais.
O tema está na pauta do Fórum Econômico Mundial, o de Davos. A OCDE acaba de soltar um estudo sobre os problemas de segurança alimentar nas próximas quatro décadas. O Banco Central Europeu entrou nessa dança, ao dizer na semana passada que o preço das commodities fez a inflação da eurolândia ultrapassar a meta implícita da região. Até a autorização para que se misture mais etanol de milho na gasolina, nos EUA, entrou nas listinhas recentes de perigos.
A multiplicidade de catástrofes naturais em grandes produtores de matérias-primas chamou a atenção para o risco de uma crise climática crônica afetar a oferta desses bens. Neste ano, pela primeira vez desde 2008 deve haver redução do estoque mundial de grãos, segundo estimativa do International Grains Council divulgada na sexta-feira passada. A FAO (burocracia da comida da ONU) e cúpulas de ministros de agricultura têm feito alertas sobre a nova crise da comida.
"Se não fizermos nada, há o risco de tumultos por causa de comida nos países mais pobres e um efeito muito negativo para o crescimento econômico global", disse Sarkozy.
Um tanto como em 2008, a discussão cheira a farisaísmo. Primeiro, porque há preocupação com o aumento marginal da fome e de outras necessidades, mas não com a fome "regular", "normal". Segundo e mais importante, porque nem mesmo após 2008 houve qualquer iniciativa de lidar com os empecilhos à oferta de comida em país pobre.
Além dos problemas causados por selvagerias políticas autóctones de África e sul da Ásia em particular, há os danos causados pelas políticas do mundo rico e da falta de assistência aos miseráveis. Em suma: 1) subsídios e barreiras comerciais em países ricos; 2) falta de infraestrutura e mercados agrícolas nos pobres; 3) falta de condições tecnológicas (se o Brasil fez agricultura tropical, a África pode ter a sua também). Disso, pouco se fala.
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A volta da "crise da comida" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU