19 Janeiro 2011
A partir do dia 27 de janeiro, uma avalanche de atos, congressos, escolas, oficinas e exposições com o denominador comum da química irão se desenvolver em todo o mundo, com o objetivo central de celebrar essa disciplina e colocá-la no contexto que ela realmente tem por direito próprio. Nesse dia, começará oficialmente o Ano Internacional da Química, com o ato de abertura em Paris, organizado pela Unesco e pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.
A análise é de Nazario Martín León, publicada no jornal El País, 19-01-2011. León é professor de química da Universidade Complutense, da Espanha, e presidente da Real Sociedade Espanhola de Química. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na Espanha, o ato oficial de lançamento será em fevereiro, na sede central do CSIC, em Madri, um dos centros que mais e melhor química desenvolvem em nosso país.
Hoje em dia, a maior parte dos nossos cidadãos sabe que a química é a ciência que estuda a matéria que nos rodeia e que a transforma mediante as chamadas reações químicas. No entanto, a química é muito mais do que essa definição formal. Ela faz parte do nosso universo cotidiano, e tudo o que somos e tudo o que nos rodeia é química.
Este Ano Internacional da Química é uma magnífica oportunidade para que nós, os químicos, mudemos nosso discurso cotidiano de que "a química tem uma má imagem na nossa sociedade" por outro discurso em que anunciemos as enormes expectativas que a nossa ciência tem para melhorar substancialmente a qualidade da nossa vida e tornar o nosso futuro muito melhor. Os problemas mais importantes que a nossa civilização enfrenta requerem o envolvimento de todas as ciências de um modo coordenado, especialmente da química, que é chamada de ciência central. É, portanto, o momento de utilizar a celebração como recurso para impulsionar seu conhecimento e, também, para assinalar aqueles problemas cuja solução final não poderá ser alcançada sem o seu envolvimento.
A prestigiosa revista Nature, em seu primeiro número deste ano, incide nesse aspecto, assinalando o que, na opinião de certos químicos prestigiosos, encontraremos em nosso futuro próximo. No entanto, os problemas fundamentais a resolver no futuro e onde a nossa civilização, entendida como tal, define o seu ser ou não ser já haviam sido assinalados anteriormente por químicos como George M. Whitesides (MIT), que afirma que nunca como agora a química havia tido melhores oportunidades e uma investigação mais importante para realizar para resolver problemas em ciência fundamental e em ciência aplicada, que são os que realmente importam para a sociedade.
Nesse sentido, apesar de alguns cientistas (não químicos) considerarem a química como uma ciência já feita, sem grandes problemas a serem abordados, é preciso assinalar com grande contundência que questões fundamentais no ser humano tais como a compreensão da célula e a natureza da vida, a origem da vida, o reconhecimento molecular em água ou as bases moleculares do sentido da percepção e da inteligência são algumas das perguntas ainda sem respostas que preocupam o humano e que será preciso responder para chegar realmente a saber e entender o que somos.
Mas, além disso, há questões não menos importantes que afetam o desenvolvimento do bem-estar social e manutenção do meio em que vivemos, que, embora consideradas como questões práticas, requerem, inclusive, ser abordadas com maior urgência a partir do âmbito da ciência. Refiro-me ao problema central da energia e seus derivados, como a conservação do entorno, aquecimento global, contaminação, falta e qualidade da água e de alimentos etc.
Tudo isso sem descuidar da necessidade do avanço da química em aspectos tão importantes como o desenho e a preparação de novos fármacos que permitam atalhar enfermidades atuais ainda não controladas e enfrentar as que estão por vir. E, por exemplo, o desenvolvimento de catalizadores novos e mais eficazes que otimizem os processos de produção (economia atômica e eliminação de subprodutos e dissolventes contaminantes) da imensa quantidade de produtos químicos que nossa sociedade demanda. Isto é, o desafio será chegar a uma química verde, que exigirá reprojetar novos processos químicos, trabalhando em condições menos extremas, isto é, fazer uma química melhor e mais criativa.
A química enfrenta, assim, numerosos desafios transcendentais para a nossa sociedade, como, seguramente, nunca antes havia feito. No entanto, o alto grau de conhecimento gerado tanto na manipulação e na modificação das moléculas (síntese), assim como na determinação estrutural dos novos compostos obtidos (técnicas instrumentais e espectroscópicas) e os novos materiais criados com propriedades não convencionais fazem com que, nunca como agora, possam ser enfrentados esses desafios com maiores garantias.
A ciência e, portanto, a química, é uma das criações mais sublimes do homem, mas também da mulher. Neste ano, celebra-se o centenário da concessão do Prêmio Nobel de Química a Marie Curie em 1911, pela descoberta de dois elementos químicos radioativos, o polônio e o rádio, fato ocorrido em 1898. Não há dúvida de que nenhuma outra mulher teve uma transcendência para a ciência e para o avanço social da mulher como ela, que, além de ter recebido previamente em 1903 o Prêmio Nobel de Física (compartilhado com seu esposo, Pierre Curie, e com Henri Becquerel) por suas contribuições para a descoberta da radioatividade espontânea, foi, também, a primeira mulher que deu aula na universidade, quando, em 1906, aceitou a cátedra de Física da Sorbonne de Paris.
A presença da mulher na ciência é um fato relativamente recente. Basta lembrar que, na Espanha, a primeira mulher que se matriculou em uma universidade foi María Elena Maseras em 1872, graças a uma permissão especial do rei Amadeo de Saboya, e que, há apenas 100 anos, foi aprovado o decreto pelo qual se permitia a matrícula de mulheres na universidade.
Embora, afortunadamente, essa situação pode ser considerada normalizada, segundo um relatório do CSIC não existem diferenças entre a produção científica de homens e mulheres, mas sim diferenças substanciais no acesso a postos de maior responsabilidade e salário e, portanto, no reconhecimento profissional. É tarefa urgente e responsabilidade de todos, tanto no âmbito institucional público e privado como no pessoal, terminar com essa diferença que, hoje em dia, nada mais é do que uma discriminação inaceitável.
Diante de tal quantidade de desafios importantes, não seria casual que os anos vindouros assistam a uma autêntica "revolução química". 2011 poderia ser o ano zero.
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Química repensa seu futuro ao celebrar seu ano internacional - Instituto Humanitas Unisinos - IHU