14 Janeiro 2011
O centro de Túnis, capital da Tunísia, descobriu ontem o que é buzinaço.
Fez barulho de madrugada, para festejar a queda do preço de pão, leite e açúcar -derradeira promessa de Ben Ali na tentativa de se segurar na Presidência.
E, no final da tarde, para celebrar o relato de que o ditador decidira fugir do país depois de 23 anos no poder.
A reportagem é de Renata Lo Prete e Melchiades Filho e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 15-01-2011.
Pouco antes, milhares de pessoas marchavam pela Habib Bourguiba, principal avenida de Túnis, decorada com um gigantesco cartaz de Ben Ali - a fotografia que (ainda) se vê por todo o país, em praças, monumentos e comércio.
Chegamos ao local no momento em que a polícia procurava, sem sucesso, dispersar o protesto com gás lacrimogêneo.
Vínhamos de Cartago, subúrbio de Túnis, depois de uma malsucedida visita a ruínas históricas - as ruas tinham sido bloqueadas por fogueiras de pneus.
Ao contrário dos dias anteriores, blindados do Exército não ocupavam mais o viaduto que cruza a via.
Em vez deles, fileiras de carros "civis" - a despeito do tráfego escasso, pois ontem houve greve geral na cidade. Eram motoristas que pararam para observar o confronto e incentivar os manifestantes. Lá embaixo, empunhando cartazes, só homens e sobretudo jovens.
A inflação e o desemprego assolam os países do norte da África e do Oriente Médio. Há especialmente na Tunísia uma geração de jovens sem perspectiva.
Foi o ato desesperado de um deles que, há cerca de um mês, serviu de estopim para o levante -o rapaz, com formação universitária, ateou fogo ao corpo quando lhe tiraram a licença da banca de frutas com a qual sustentava a família.
E foi a rede de jovens que ajudou a organizar os protestos pelo país e garantiu que estes fossem divulgados - a despeito da repressão policial, do controle estatal da imprensa (o editor do principal jornal "independente" é genro de Ben Ali) e da censura à internet (Facebook, Twitter e Youtube foram bloqueados).
Durante esta semana, grupos de jovens eram vistos o tempo todo no centro de Túnis trocando mensagens pelo celular.
A insistência do presidente em caracterizar a insatisfação como obra de "terroristas" só fez apressar os gritos de "fora, Ben Ali".
Pão barato e Youtube livre não bastavam. Os jovens não recuaram de exigir a renúncia do ditador -exposto como "corrupto" e "incompetente" nos despachos recém-vazados da diplomacia dos EUA e replicados pelos insurgentes. Ainda que o futuro seja incerto, pareciam empolgados com sua "wikirevolution".
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Capital promove buzinaço pela "wikirevolution" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU