05 Janeiro 2011
"Fechar acordo para segundo escalão da estrutura estatal central do Brasil é o pior dos mundos em todos os sentidos", avalia Bruno Lima Rocha, cientista político.
Bruno Lima Rocha, é doutor e mestre em ciência política pela UFRGS e jornalista graduado na UFRJ; é docente de comunicação social e pesquisador 1 da Unisinos, vinculado ao Grupo Cepos/PPG Com; concentra seus trabalhos analíticos no portal Estratégia & Análise o qual é o editor.
Eis o artigo.
Nem bem a economista Dilma Rousseff assumiu e o que era tácito e latente torna-se evidência. PMDB e PT disputam entre si, e com voracidade, várias capacidades simultâneas. Sim, porque para além do senso comum midiatizado, disputar orçamentos implica em poder ou não executar políticas, e não ficar abrindo cunha discursiva diante de holofotes ávidos por críticas na interna. Na figura do policial mau, a equipe econômica, agora capitaneada pela própria presidenta, aponta a redução de gastos e o previsível aumento do contingenciamento. Diante destes dias mais cinzentos dos meses que virão, ter orçamento em caixa é garantia de visibilidade, cabides de emprego, contatos com fornecedores, projeção da máquina ou das sublegendas (como é o caso do PMDB adjetivado como sendo do estado tal, do grupo aquele, do cacique fulano) e até mesmo, a tentativa de fazer política de governo e projeção de Estado – que seria, em tese, a atividade-fim pouco exercida diante do mosaico "heterodoxo" das alianças de ocasião.
Agora o impasse está na base da coalizão. Explica-se a fórmula brasileira pós-1985 com o "equilíbrio" entre o Executivo com maioria no Congresso e as taxas de barganha e capacidade de criação de emendas (na prática, destinando orçamento para as bases e/ou currais eleitorais) do Legislativo nacional. Neste "mui nobre poder, sempre dotado de moral republicana", existe a conta básica de que a maioria regular de deputados (300 votos em 513) é composta essencialmente de fisiológicos, clientelistas e sustentáculos do patrimonialismo. Esta camada de poder mais baixa no parlamento é o terreno movediço e natural das oligarquias estaduais, por onde trafega e chafurda a trupe de José Sarney, Romero Jucá, Renan Calheiros, Garibaldi Alves, Fernando Collor, Valdir Raupp e outros governistas aderidos através do acórdão pós-crise do Mensalão e sustentadores de Lula e base ativa de Michel Temer.
Este é o PMDB "característico", a coalizão de sublegendas que pode beirar a irresponsabilidade política (pelo paradigma elitista por suposto) a ponto de bravatear o aumento do salário mínimo não levando em consideração as contas da Fazenda, alardeadas publicamente pelo ministro mantido Guido Mantega. Percebam leitores que sou a favor de um aumento superior do mínimo, passando R$ 540,00, entendo ser um absurdo a ancoragem do financiamento do Estado no endividamento de curto prazo, sou mais do que crítico dos criminosos spreads bancários, sou ainda mais crítico com as metas de superávit primário e entendo que poderia ser buscada a superação do dólar como moeda cambial se houvesse uma agressividade maior do Brasil na construção de uma moeda alfandegária latino-americana concomitante a consolidação do Banco do Sul (Bando Del Sur) como possibilidade de empréstimo para governos. Mas, tudo o que narrei acima é inimaginável para o(s) PMDB(s) em termos programáticos – e para o PT também. Contudo, para o PMDB como ele é (vendo a política brasileira através de um prisma pessimista e rodrigueano), é possível supor uma pirraça para com seu governo, porque esta(s) legenda(s) governa com o corpo (a presença transversal visando à execução orçamentária) e não necessariamente com a cabeça. Se assim não fosse, os peemedebistas teriam reivindicado ao ex-ministro da Saúde de Lula, José Gomes Temporão (e não o fazem).
FHC comeu pão amassado por esta mesma base aliada, no quesito reforma da Previdência, depois executada por Luiz Inácio em seu oitavo mês de governo. Esta base não é leal, é ocasional e dependendo do tamanho da avidez pelo corpo (segundos e terceiros escalões, execuções orçamentárias de distintas grandezas), até cria constrangimentos para o Executivo de turno como a derrubada da CPMF em fins de 2007. Voltando ao embate atual, o projeto de poder imediato passa justamente pela aprovação do mínimo do governo manifesto pela opção preferencial pelos bancos e também da costura para pôr o gaúcho Marco Maia na presidência da mui leal e valorosa câmara baixa do país (Câmara dos Deputados). A medida aparenta a prudência antes do bote. Se a aliança capitaneada por Michel Temer não conseguir concretizar movimentos básicos como a tomada de uma mesa diretora e a definição da base salarial do país, eis um anúncio real (e previsível) do altíssimo custo da tal da governabilidade no mandato de Dilma.
O congelamento de negociações em pleno verão de um governo recém assumido – e com o PMDB de Temer e Cia. em suas vísceras – é mais do que um sinal de alerta, é uma evidência irrefutável de que governar junto ao PMDB implica em abrir mão do controle parcial ou total de braços e pernas da máquina do governo central. Do contrário, o lado estatal do balcão vira uma praça de guerra e diante das hienas famintas caberia pouco diálogo e ainda menores chances de "convencimento".
Enfim, do ponto de vista da execução de acordos políticos, esta parada foi mais do que providencial. Já pela ótica da política para além do patrimonialismo e da crítica das práticas oligárquicas (que justiça seja feita não são exclusivas do PMDB), fechar acordo para segundo escalão da estrutura estatal central do Brasil é o pior dos mundos em todos os sentidos.
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A cabeça, o corpo e a "aliança" pela tal da governabilidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU