02 Janeiro 2011
"Olhar o tempo como história só é possível se já estamos hospedados na perspectiva escatológica, em que o primado do fim sobre o fim irradia sobre o tempo a figura do sentido."
A análise é de Umberto Galimberti, filósofo, psicólogo e psicanalista italiano, professor da Universidade Ca` Foscari, de Veneza. O texto foi publicado na revista Oreundici, de dezembro de 2010, originalmente publicado em seu livro "Da Orme del sacro", Ed. Feltrinelli, p. 102-105. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Vir à luz em uma gruta – esse evento que o cristianismo celebra no dia 25 de dezembro – já era conhecido no mundo oriental e depois grego-romano, que naquela data festejava o nascimento de Mitra, o Deus indo-europeu da luz celeste, garantidor dos juramentos, protetor da verdade, adversário da mentira.
Da escuridão da terra à luminosidade do céu. Esse é o símbolo de Mitra e o símbolo de Jesus. Mas, provavelmente, é o símbolo de todo ser humano que, para nascer, deve "vir à luz" daquele "fundo escuro" que é o ventre da mãe, a caverna onde somos concebidos para um nascimento, aquele nascimento que sozinho não basta e que invoca um renascimento para encontrar o seu sentido. A festa de Mitra e de Jesus reforça essa vertigem simbólica em que todos devem se torna caverna de si mesmos, gruta de geração, noite escura que tem em vista o novo dia, o "dies natalis".
Os símbolos martelam a nossa depressão, não nos deixam na serena amizade que muitas vezes entrelaçamos com a renúncia. Os símbolos nos obrigam a viver, organizam festas alegres para levar-nos novamente à vida, quando a nossa participação na existência não tem mais os tons fortes do entusiasmo, ou aqueles sedutores da vontade. Os símbolos são uma máquina coletiva de vida, à qual interessa só a vida, a vida de todos, a vida do grupo, do gênero, da humanidade.
Mitra, amigo do Sol, é representado pelos baixos relevos como aquele que acolhe o Sol, ajoelhado diante dele, para que ele conheça o seu próprio curso e o siga com regularidade e sem perturbações. Jesus se despede do ciclo e da sua regularidade para anunciar um novo tempo: novos céus e novas terras. A história tem um salto e se divide entre antes e depois de Cristo.
No ciclo, toda época não tem uma finalidade, mas simplesmente um fim. Quem o define é a morte, a juíza implacável que administra o ciclo, não no sentido de o destinar a alguma coisa, mas no sentido de o reforçar como eterno retorno. No ciclo, não há remorso e não há espera. A trama que o percorre não tem expectativas nem arrependimentos. A temporalidade que se expressa é a pura e simples regularidade do ciclo, em que não há futuro que não seja o medo e simples retomada do passado que o presente reforça. Não há nada a se esperar, senão aquilo que deve retornar. Essa é a cadência do tempo antes de Cristo.
Depois de Cristo, abre espaço uma palavra impetuosa que despedaça a ciclicidade do tempo e a sua regularidade. É uma palavra que, na direção do espaço, significa distante e, na direção do tempo, significa último. O seu som é eschaton, a forma superlativa de ek que significa "fora". O eschaton é, portanto, um tempo fora de alcance, em que só no fim pode aparecer o Fim de tudo o que aconteceu no tempo, que, nesse ponto, cessa de ser puro devir para se traduzir em história. Olhar o tempo como história só é possível se já estamos hospedados na perspectiva escatológica, em que o primado do fim sobre o fim irradia sobre o tempo a figura do sentido. O Ocidente foi seduzido por esse novo modelo de temporalidade e, em versão cristã, utópica ou revolucionária, celebra no Natal não o ritmo do retorno, mas a atmosfera do renascimento, o entusiasmo daquilo que ainda é capaz de prometer o futuro: a promessa do tempo.
Não olhemos o Natal com olhos inocentes. Não escondamo-nos atrás do olhar as crianças. No seu encanto, sabemos que há provisoriedade e um pouco de engano. Uma festa pode ser assim universal só se reúne todos os temas do homem e não só a simplicidade e a inocência.
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Natal, símbolo "vertiginoso" para todos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU