17 Mai 2021
Ele visivelmente gosta de títulos em forma de pergunta, que permitem ao leitor seguir seu próprio caminho e fornecer respostas pessoais. Depois de Onde aterrar? Como se orientar politicamente no Antropoceno (Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2020), o sociólogo Bruno Latour acaba de publicar Où suis-je? Leçons du confinement à l’usage des terrestres (La Découverte, 2021) (Onde estou? Lições do confinamento para uso dos terrestres), que imediatamente ganhou destaque entre os livros mais vendidos. Sucesso merecido para aquele que, aos 73 anos, se consagrou como um dos pensadores mais aguçados da crise ecológica.
A reportagem é de Olivier Nouaillas, publicada por La Vie, 09-02-2021. A tradução é de André Langer.
Esse sucesso demorou a chegar porque, durante muito tempo, Bruno Latour foi reconhecido principalmente no exterior, de modo especial nos Estados Unidos. Mas, aos poucos, sua curiosidade, suas dúvidas, seu sentido da fórmula acabaram indo ao encontro do grande público [francês], particularmente da geração jovem ecologista e militante.
Como os “zadistas” de Notre-Dame-des-Landes ou aqueles que se mobilizam contra “os grandes projetos inúteis” e que se identificam com essa recomendação formulada por Bruno Latour em Onde aterrar?: “É absolutamente necessário transformar todas as questões atribuídas à ecologia em questões de território, de ocupação e defesa do solo”.
Bruno Latour (Foto: Ulysse Bellier | Flickr CC)
Foto: Reprodução da capa do livro
O que o leva a estabelecer uma oposição fundamental entre “os Terrestres” e “os Fora-deste-mundo”, sem, no entanto, cair, graças ao seu manifesto universalismo, nas teses reacionárias de Barrès e de Maurras “sobre a terra que não mente”. E é ainda Bruno Latour quem, durante o primeiro confinamento, publicou, em 30 de março de 2020, na revista on-line AOC, um dos textos mais marcantes sobre o tão sonhado mundo pós-pandemia.
Intitulado “Imaginar gestos que barrem o retorno da produção pré-crise”, Bruno Latour nos convidava para sermos “interruptores da globalização”. Com uma lista de várias perguntas (de novo!), a primeira das quais é, sem dúvida, a mais concreta e a mais vertiginosa por suas consequências econômicas e sociais: “Quais são as atividades agora suspensas que gostaria que não fossem retomadas?”.
Ao mesmo tempo sociólogo, filósofo e antropólogo, Bruno Latour interessou-se tanto pelas ciências (um dos seus primeiros livros, publicado em 1984, tinha por título Pasteur: guerre et paix des microbes – Pasteur: guerra e paz dos micróbios, um assunto particularmente ressonante hoje) como pela religião.
Católico praticante, ele é, de fato, um grande admirador da encíclica Laudato Si’ do Papa Francisco. Participou também, no início de 2020, de uma conferência no Collège des Bernardins sobre o tema “A teologia diante de Gaia. A questão religiosa das mudanças climáticas”.
Quando L'Obs lhe dedicou a capa do n° 2933 de 14 de janeiro de 2021, sob o título “Bruno Latour, o pensador que inspira o planeta”, a foto que o mostra com o rosto emagrecido e com uma boina na cabeça exibe uma incrível semelhança física com... o Abbé Pierre [fundador do Movimento Emaús]!
Em entrevista concedida ao site do jornal Libération, de 23 de janeiro de 2021, ele insiste na contribuição da religião: “O texto mais avançado sobre a questão da relação geossocial entre pobreza e ecologia é a encíclica Laudato Si’ escrita pelo Papa Francisco em 2015. Dizer que o grito da Terra e o grito dos pobres são um único e mesmo grito é um dos acontecimentos intelectuais fundamentais da época. Este texto incomoda os católicos, pouco habituados que estão a ver que a Igreja se interesse pela ecologia e, sobretudo, por envolvê-la na questão da caridade. Não podemos, portanto, dizer que os católicos são mais avançados do que outros nessas questões. Por outro lado, existe uma tomada de consciência”.
Bruno Latour contribui para essa consciência, à sua maneira, em cada página de Onde estou? Certamente, algumas passagens são mais difíceis do que outras e requerem a atenção redobrada do leitor. Mas há muitos clarões, como esta distinção agora a ser feita entre “os Extratores” (que querem explorar os recursos da Terra) e “os Reparadores” (que tentam repará-la).
Com passagens poéticas ou mesmo metafísicas – “só a lua consola”, porque o sol, as árvores, a água e as paisagens se tornaram muito frágeis pela ação destrutiva do homem –, mas também comoventes e pessoais, como quando o autor fala da sua própria doença no capítulo “Multiplicação dos corpos mortais”.
Deixemos para ele o que não será, assim esperamos, sua última palavra e que ressoa estranhamente nestes tempos de pandemia: “Seria inútil acostumar-se a nunca mais deixar a Terra, enquanto continuamos a fingir que, de maneira ideal, seria tão bom, e vagamente possível, deixar meu corpo “biológico” para ser, não sei, “verdadeiramente eu” em outro lugar...”.
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Bruno Latour, o pensador (crente) da crise ecológica - Instituto Humanitas Unisinos - IHU