25 Janeiro 2016
“Os gays e lésbicas não precisam de misericórdia por se apaixonarem por alguém do mesmo sexo. Os meus amigos transgêneros não precisam da misericórdia da Igreja por buscarem se tornar as pessoas que, acreditam, Deus os fez ser. Os casais LGBTQs não precisam de perdão por estarem em um relacionamento amoroso. Estas coisas não são pecados. Não há nada a perdoar”, escreve Jamie L. Manson, mestre em Teologia pela Yale Divinity School, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 20-01-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Segundo a teóloga “se as pessoas LGBTQs precisam de misericórdia e perdão, o é por razões que não são diferentes das razões que as pessoas heterossexuais precisam de misericórdia, como quando não conseguem ser generosas, pacientes, apoiadoras, respeitosas, legais, compassivas ou fiéis”.
Eis o artigo.
Já faz quase dois anos e meio desde que o Papa Francisco proferiu a sua lendária declaração “Quem sou eu para julgar?” abordo de um avião papal.
Desde aquela significativa coletiva de imprensa em pleno voo de volta do Brasil a Roma, ouvi inúmeras vezes (geralmente de católicos heterossexuais bem-intencionados) que eu encontrasse esperança e conforto no papa porque ele abriu as portas para a misericórdia, para mim e para meus amigos LGBTQs.
Mas misericórdia, me parece, não é a porta que as pessoas LGBTQs precisam que lhes seja aberta. A misericórdia é um ato de amor, compaixão e serviço dado aos que pecam ou que estão errados de alguma maneira. Pessoas LGBTQs, relacionamentos homoafetivos e transgêneros não são pecados em si nem estão errados enquanto tais.
Alguns católicos vêm tentando me convencer de que as portas da misericórdia possuem um corredor que faz ligação direta com as portas da justiça. “Uma mudança no tom pode acabar influenciando uma mudança no ensino”, ouvi mais de uma vez (normalmente de pessoas com um lugar muito mais privilegiado na Igreja do aquele que os meus amigos LGBTQs e eu temos).
Mas a recusa do Papa Francisco em falar abertamente contra as legislações draconianas anti-homossexualidade durante a sua recente visita a três países africanos; as suas condenações das legislações sobre os casamentos do mesmo sexo; a sua glorificação do matrimônio heterossexual (“Obra-prima de Deus”, como ele chama); e as demissões incessantes de empregados LGBTQs das instituições católicas não me convenceram de que as portas da misericórdia e da justiça estão, de alguma forma, ligadas.
O mais recente comentário do papa sobre as “pessoas homossexuais” veio na semana passada em sua entrevista publicada em livro com Andrea Tornielli, intitulado “O nome de Deus é misericórdia”.
Quando Andrea Tornielli pergunta sobre a declaração “Quem sou eu para julgar?”, o papa responde que ele estava “parafraseando o Catecismo da Igreja Católica, o qual afirma que estas pessoas devem ser tratadas com delicadeza e não devem ser marginalizadas”.
“Alegra-me que falemos sobre as pessoas homossexuais, porque antes de mais nada existe a pessoa individual em sua totalidade e dignidade”, continua o papa. “E as pessoas não devem ser definidas somente pelas suas tendências sexuais”.
Francisco então manifesta a esperança de que “as pessoas homossexuais” vão “busquem a confissão, que estejam perto do Senhor e que rezemos todos juntos. Podemos pedir-lhes que rezem, mostrar-lhes boa vontade, mostrar-lhes o caminho e acompanhá-los a partir da sua condição”.
Ainda que estas palavras soem como palavras pastorais, o papa continua sendo vago sobre o que deve ser confessado, o que significa dizer permanecer perto do Senhor e o qual exatamente deve ser “o caminho” das pessoas LGBTQs.
Dado o fato de que o papa reafirma o ensino do catecismo; dadas as suas críticas anteriores à igualdade matrimonial e à paternidade homoafetiva; e dada a sua insistência de que as relações homoafetivas não são sacramentais, pode-se deduzir que ele ainda espera que as pessoas LGBTQs tentem honrar os ensinos católicos tradicionais: ou seja, absterem-se das relações sexuais e não comparar as nossas famílias com o modelo de família heterossexual tradicional.
Em última análise, o papa nos permite pressupor que as pessoas LGBTQs estão necessitadas de algum tipo de misericórdia ou perdão que os heterossexuais, por suas virtudes, não necessitam.
Enquanto for esta a disposição do papa e da Igreja, nós católicos LGBTQs sempre seremos postos a acreditar que, independentemente dos nossos dons ou da qualidade do amor em nossas vidas, aos olhos da Igreja nós jamais seremos iguais aos nossos companheiros católicos heterossexuais. Enquanto este for o caso, iremos continuar sendo marginalizados em nossa Igreja.
Não quero dar a entender que o chamado do papa a uma maior delicadeza e a uma menor marginalização não possui o potencial de aliviar o fardo de algumas pessoas LGBTQs, em particular aquelas que são ignoradas por membros familiares ou por suas comunidades de fé.
Estou sugerindo que “mostrar uma maior misericórdia” para com os católicos LGBTQs não vai chegar à raiz do que dificulta a nossa relação com a Igreja. Por quê? Porque tratar-nos com misericórdia pressupõe que, por nossas virtudes, estamos em um estado de pecado ou erro e que necessitamos de perdão.
A verdade é: os gays e lésbicas não precisam de misericórdia por se apaixonarem por alguém do mesmo sexo. Os meus amigos transgêneros não precisam da misericórdia da Igreja por buscarem se tornar as pessoas que, acreditam, Deus os fez ser. Os casais LGBTQs não precisam de perdão por estarem em um relacionamento amoroso. Estas coisas não são pecados. Não há nada a perdoar.
Se as pessoas LGBTQs precisam de misericórdia e perdão, o é por razões que não são diferentes das razões que as pessoas heterossexuais precisam de misericórdia, como quando não conseguem ser generosas, pacientes, apoiadoras, respeitosas, legais, compassivas ou fiéis.
A ironia aqui é que se alguém precisa pedir por misericórdia, esse alguém é a hierarquia católica. A Igreja institucional deveria buscar o perdão da comunidade LGBTQ por não conseguir falar com franqueza quando somos mortos, espancados ou presos, por tirarem os nossos empregos ou o nosso sustento, por negar-nos acesso à mesa eucarística de Jesus, por tentar frustrar os nossos movimentos pela proteção igualitária perante a lei e por promover ensinamentos que estão nos afastando da fé que temos, das nossas famílias e, em alguns casos, até mesmo dos nossos próprios parceiros queridos.
As pessoas LGBTQs não precisam de misericórdia por parte da Igreja. Precisamos de justiça. Precisamos de uma Igreja institucional que tenha a coragem de admitir que todas as pessoas, independentemente da orientação sexual, do estado civil ou da identidade de gênero, possuem o mesmo potencial para a bondade, para a plenitude e para a vida sacramental. Até que este dia chegue, não iremos alcançar uma verdadeira dignidade e a uma igualdade plena em nossa Igreja.
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LGBTQs precisam de justiça, não de misericórdia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU