25 Outubro 2016
Passaram-se cinco séculos desde que o monge alemão apresentou as suas teses. Hoje, o papa participa das celebrações, mas, na época, o confronto entre católicos e protestantes foi terrível.
A reportagem é de Antonio Carioti, publicada no caderno La Lettura, do jornal Corriere della Sera, 23-10-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
1. Outra ideia de cristianismo
Passaram-se 499 anos desde que o pregador alemão Martinho Lutero iniciou uma profunda reformulação da fé cristã, apresentando e divulgando 95 teses contra o mercado das indulgências praticado pela Igreja de Roma. A partir da sua pregação, iniciou o culto protestante. No próximo dia 31 de outubro, em Lund, na Suécia, serão abertas as celebrações do quinto centenário da Reforma (1517), das quais o Papa Francisco também participará.
Embora na permanente discordância teológica, o clima se acalmou entre católicos e luteranos. Mas, quando o pai do protestantismo lançou o seu desafio inovador, ele abriu uma era de conflitos até mesmo muito cruéis, em que a dimensão espiritual e a política se entrelaçaram estreitamente.
2. Inspirado em São Paulo
Nascido em 1483, em Eisleben, na Saxônia, de uma família de origem camponesa, mas não desprovida de meios, Martin Luther (no Brasil, chamado de Lutero), desde jovem, mostrou inteligência e estudou na Universidade de Erfurt. Desenvolveu um grande interesse pela religião e, em uma circunstância de perigo (um raio tinha caído a poucos metros dele), fez um voto a Santa Ana de se entregar à vida monástica. Em 1505, entrou no convento agostiniano de Erfurt, onde continuou o estudo da Bíblia. Entre 1512 e 1514, refletindo sobre a carta de São Paulo aos Romanos, chegou à conclusão de que a salvação vem apenas pela fé por soberana graça de Deus, e o ser humano não pode obtê-la com as boas obras e as práticas devocionais.
3. O desafio das 95 teses
As convicções amadurecidas por Lutero estavam em claro contraste com a prática da Igreja Católica, que permitia que os fiéis obtivessem a remissão dos pecados até mesmo mediante o pagamento de dinheiro. É o chamado "tráfico das indulgências", que o monge alemão considerava um escândalo. Segundo a tradição, no dia 31 de outubro de 1517, Lutero afixou pessoalmente 95 teses em latim contra o mercado das indulgências na porta da igreja do castelo de Wittenberg. Na realidade, não há testemunhos diretos desse gesto, mas, certamente, as teses foram divulgadas e abriram um conflito destinado a incendiar a Europa.
4. Roma reage a Lutero
O Papa Leão X (Giovanni de' Medici) examinou as posições de Lutero e autorizou um processo contra ele. Convocado a Roma, o reformador não se apresentou, por medo de ser preso: graças à intercessão do príncipe Frederico da Saxônia, chamado de o Sábio, ele obteve o direito de ser interrogado em Augsburg, durante a Dieta Imperial (assembleia dos príncipes alemães) de outubro de 1518. Aqui, o cardeal Tomás De Vio, chamado de Caetano, pediu-lhe para se retratar das suas teorias, mas Lutero se recusou, negando ser herege.
5. Uma breve trégua
Lutero foi favorecido pelo fato de que o papa não quis entrar em conflito com Frederico da Saxônia, que era seu candidato ao trono imperial, que ficou vago depois da morte de Maximiliano I de Habsburgo (janeiro de 1519). Leão X temia a ascensão de Carlos de Habsburgo, rei da Espanha, que, com o cetro imperial, adquiriria um poder imenso. Mas Frederico recuou e, em junho de 1519, o Habsburgo se torna imperador com o nome de Carlos V. Enquanto isso, Lutero radicalizou as suas posições, pondo em discussão a autoridade da hierarquia eclesiástica.
6. "Aqui estou. Não posso fazer diferente"
Em janeiro de 1520, reuniu-se em Roma um consistório que condenou Lutero e o intimou a abjurar. O reformador respondeu duramente, contestando a própria instituição do papado e os sacramentos administrados pelo clero. No dia 3 de janeiro de 1521, Leão X excomungou Lutero, e Carlos V ordenou-lhe a se apresentar na Dieta de Worms, onde, em abril, o monge defende as suas ideias, concluindo o discurso com palavras que ficaram famosas: "Aqui estou. Não posso fazer diferente. Que Deus me ajude". Lutero evitou a prisão apenas graças ao salvo-conduto que lhe foi possibilitado por Frederico da Saxônia, enquanto, na Alemanha, acendiam-se focos de revolta contra a Igreja Católica. Carlos V promulgou, no dia 8 de maio de 1521, o Édito de Worms, com o qual as teses de Lutero foram banidas, e ele mesmo era declarado inimigo público.
7. Pai de família e homem de ordem
Depois de Worms, Lutero iniciou a tradução da Bíblia para o alemão. Em 1525, abandonou o hábito religioso e se casou com Catarina de Bora, ela também ex-freira: tiveram seis filhos. Ainda em 1525, ele se alinhou ao lado dos príncipes alemães, seus protetores, que reprimiram com sangue a violenta revolta dos camponeses, à frente da qual tinha se colocado outro reformador religioso muito mais radical, Thomas Müntzer. Lutero se opôs ao poder eclesiástico católico, mas não colocou em discussão o sistema social da época.
8. A doutrina se consolida
A partir de 1525, Lutero e os seus seguidores se empenham para dar uma veste orgânica à nova doutrina religiosa. O reformador publica o rito da missa em alemão e rompe com o filósofo Erasmo de Rotterdam, rejeitando a sua visão do livre arbítrio. Em 1530, foi apresentada na Dieta Imperial de Augsburg a Confessio augustana, inspirada por Lutero e redigida pelo seu estreito colaborador, Felipe Melâncton, que expunha sistematicamente os artigos de fé da Confissão protestante. Mas continuava aberto o conflito entre Carlos V e as cidades e príncipes luteranos. Estes últimos constituíram em 1531 a Liga de Esmalcalda para defender o culto evangélico.
9. Contra o papa e os judeus
Em 1534, Lutero publicou a tradução alemã da Bíblia, que se revelaria como fundamental para a definição da língua germânica. Com o tempo, as suas posições se enrijeceram: ele defendia que o papado foi instituído não por Jesus, mas pelo diabo, e atacava violentamente os judeus que se recusavam a se converter ao cristianismo reformado. Quatro séculos depois, aqueles seus escritos antissemitas seriam usados instrumentalmente pelos nazistas. Lutero morreu no dia 18 de fevereiro de 1546 na sua cidade natal, Eisleben, para onde havia voltado a viver nos últimos tempos.
10. A legitimação póstuma
Justamente no ano da morte de Lutero, chegou-se ao confronto aberto entre Carlos V, apoiado pelo Papa Paulo III, e a Liga de Esmalcalda. O imperador venceu a importante batalha de Mühlberg no dia 24 de abril de 1547, mas não conseguiu debelar a resistência da Liga. Depois de eventos sangrentos e repetidos, o conflito armado concluiu com a Paz de Augsburg de 25 de setembro de 1555, na qual foi sancionada a divisão da Alemanha entre os principados católicos e protestantes, de acordo com o princípio cuius regio eius religio: os súditos seriam obrigados a professar a religião dos seus senhores. Para o luteranismo, foi um sucesso histórico, que sancionava a sua legitimação por parte do império.
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Lutero contra a Igreja de Roma: 10 passos da Reforma que incendiou a Europa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU