15 Março 2024
Ao completar seis anos da execução de Marielle e Anderson por milicianos, ONG apresenta erros e medidas para que as mesmas falhas não se repitam em outros casos.
A reportagem é publicada por ExtraClasse, 14-03-2024.
Nesta quinta-feira, 14, a Anistia Internacional (AI) apresentou o documento Marielle e Anderson – 6 erros no caminho da Justiça, 6 medidas para que nunca mais se repita. No dossiê, a ONG enumera o que considera serem os seis principais erros cometidos pelas autoridades brasileiras “por ação ou omissão” e que contribuíram para a não elucidação do assassinato de Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes.
No mesmo documento, a AI elenca recomendações consideradas urgentes e que “visam apontar caminhos para o enfrentamento a padrões sistêmicos de violações de direitos humanos no país, para que crimes brutais como os assassinatos de Marielle e Anderson não mais se repitam”. A iniciativa integra as atividades que acontecem em todo o país para marcar o sexto ano do assassinato da vereadora do Rio de Janeiro e seu motorista.
Segundo a Anistia Internacional, os erros são: a demora para a solução do caso; o controle frágil de armas e munições de uso exclusivo do Estado brasileiro; denúncias de interferências para levar as investigações a equívocos; trocas constantes de agentes responsáveis pela solução do crime; falha na garantia do direito à participação dos familiares das vítimas nas investigações; e falha na proteção de defensoras e defensores de direitos humanos.
As medidas sugeridas para que não se repitam erros como estes são: responsabilização em julgamentos justos; controle de armas e munições; mecanismos eficientes de controle externo da atividade policial e combate à corrupção; acompanhamento de especialistas internacionais para investigações independentes; transparência e participação de vítimas nas investigações, em atenção ao Direito Internacional de Direitos Humanos; reformulação e implementação efetiva dos programas de proteção
a defensores de direitos humanos, comunicadores e ambientalistas.
O dossiê esmiúça cada um dos tópicos destacados e detalha alguns acontecimentos. Chama a atenção no item Interferências para levar investigações a erros e a forma didática com que os fatos sabidos até agora são elencados.
De acordo com o relatório da Anistia, as informações apuradas pelas autoridades apontam até o momento a participação de agentes e ex-agentes do Estado em diversas práticas ilícitas, seja no envolvimento direto com os assassinatos, (com a identificação de dois ex-PMs e um bombeiro como executores), seja em tentativas de interferências e obstrução das investigações.
Outro ponto é que, durante os primeiros meses, o ex-PM Rodrigo Jorge Ferreira, conhecido como Ferreirinha, foi considerado a principal testemunha do caso. Em delação premiada, o ex-PM prestou depoimentos falsos, indicando o vereador Marcello Siciliano (PHS) e o ex-policial militar conhecido como Orlando Curicica como mandantes. Curicica, por sua vez, prestou depoimento ao Ministério Público Federal, em setembro de 2018, afirmando que a Polícia Civil do Rio o pressionou a assumir a autoria intelectual dos assassinatos. Ele também revelou um suposto esquema de corrupção na Divisão de Homicídios, com o objetivo de obstruir investigações sobre homicídios ligados ao jogo do bicho e às milícias.
Em setembro de 2019, a então procuradora Geral da República, Raquel Dodge, apresentou denúncia ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra cinco pessoas, por interferência nas investigações dos assassinatos, solicitando a abertura de um novo inquérito para apurar os mandantes do crime. Foram denunciados: Domingos Brazão, à época, conselheiro afastado do Tribunal de Contas do Estado do Rio (TCE-RJ); Gilberto Ferreira, funcionário do gabinete de Domingos Brazão no TCE-RJ; Rodrigo Jorge Ferreira (Ferreirinha), ex-policial militar no Rio de Janeiro; Camila Moreira Nogueira, advogada de Rodrigo Jorge Ferreira; e Hélio Khristian, delegado da Polícia Federal.
Segundo Dodge, Brazão, valendo-se do seu cargo e da estrutura de seu gabinete, teria acionado Gilberto Ferreira para “engendrar uma simulação que consistia em prestar informalmente depoimentos perante o delegado Hélio Khristian e, a partir daí, levar uma versão dos fatos a Polícia Civil do Rio de Janeiro, o que acabou paralisando a investigação ou conduzindo-a para um rumo desvirtuado por mais de um ano”. Em julho de 2020, o STJ decidiu encaminhar o processo ao TJRJ. Em março de 2023, a Justiça do Rio decidiu rejeitar a denúncia contra Brazão.
Em maio de 2023, investigações conduzidas pela Polícia Federal revelaram possíveis indícios de manipulação de agentes da polícia civil do Rio, que teriam feito manobras no inquérito no sentido de conduzir a caminhos sem saída e induzir ao erro.
De acordo com a entidade, o Brasil é um país particularmente perigoso para os defensores de direitos humanos, com crescimento nos casos de homicídio contra eles nos últimos 6 anos. Entre 2019 e 2022, em média, 3 defensores foram assassinados a cada mês. A marca faz do Brasil o segundo país que mais matou defensores e ambientalistas, de acordo com relatório da Global Witness.
“A morosidade das autoridades brasileiras para chegar aos mandantes e à motivação dos assassinatos e levar todos os responsáveis à justiça mostra a sociedade e a nós, defensores e defensoras de direitos humanos, que nossas vidas permanecem sob risco. É estarrecedor atravessar 6 anos sem solução. Além de perguntar quem mandou matar Marielle e Anderson e por que, também temos que nos perguntar: por que 6 anos? Tem muita coisa errada e muitas autoridades erraram para chegarmos até aqui. O Brasil deve às famílias das vítimas e a toda comunidade global uma resposta que aponte que crimes como esse não serão mais tolerados”, observa Jurema Werneck, diretora executiva da Anistia Internacional Brasil.
Nos últimos 5 anos, a Anistia Internacional Brasil monitorou pelo menos 12 casos de assassinatos de defensores de direitos humanos, todos ainda em impunidade. Apesar das tentativas de estabelecer um programa para a proteção dos defensores dos direitos humanos em risco no país, as autoridades não implementaram políticas públicas nesse sentido. O atual Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, Comunicadores e Ambientalistas (PPDDH), instituído pelos Decretos 6.044/07 e 9.937/19, não é amparado por uma lei que garanta a sua institucionalização.
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Anistia Internacional apresenta dossiê de erros nas investigações do caso Marielle - Instituto Humanitas Unisinos - IHU