29 Junho 2023
A ascensão da ultradireita e do discurso de ódio nas democracias se soma a uma onda de extremismo religioso que visa os avanços da comunidade, que celebra o Dia Internacional do Orgulho.
A reportagem é de Silvia Blanco e Andrea García Baroja, publicada por El País, 28-06-2023.
Onde quer que os direitos das pessoas LGBTI no mundo façam seu caminho, seja com leis que reconhecem o casamento homossexual ou a identidade administrativa de pessoas trans, há uma reação mais ou menos virulenta. A luta histórica do coletivo, que hoje comemora seu dia internacional, é repleta de avanços e retrocessos, mas agora essa dinâmica se volta rapidamente para a involução. E isso acontece em todo o mundo. A ofensiva é clara em vários países da União Europeia, impulsionada por uma ultradireita que tem visto no cerceamento dos direitos da coletividade um explosivo material eleitoral e ideológico, seja na Hungria e na Polônia, cuja força democrática está em causa, ou na Itália, onde o governo de Giorgia Meloni busca bloquear o caminho para qualquer forma de reconhecimento legal de famílias com duas mães ou dois pais. Na Espanha, onde os direitos estão consolidados na sociedade há quase duas décadas, está em vigor há quatro meses uma das regulamentações mais avançadas do mundo para pessoas LGBTI, a chamada lei trans, colocada pela direita, tanto PP quanto Vox, em destaque nesta campanha eleitoral.
Enquanto nas democracias as mensagens de ódio e o uso político dos direitos LGBTI têm uma poderosa carga ideológica que envenena o discurso público e põe em risco a segurança física das pessoas do grupo, em regimes autoritários e ditaduras como a Rússia e a Arábia Saudita, é penalizada — em o último caso, junto com o Irã, com a pena de morte —, invisibiliza e apaga qualquer diversidade sexual. Em 32 dos 54 países de África, a homossexualidade é proibida, atravessada por uma corrente religiosa ultraconservadora que também se aninha, de forma quase contagiosa, em países mais tolerantes, como o Senegal.
O mapa mundial dos direitos LGBTI é imenso e desigual. “O que é realmente novo é que cada vez mais países enfrentam retrocessos legais e cuja situação legal está piorando”, explica Julia Ehrt, diretora executiva da ILGA World, Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Trans e Intersex, composta por mais de de 1.800 organizações de 160 países. “Existem aqueles que avançam e mudam a lei e a política em uma direção positiva quando se trata de proteger as pessoas da discriminação e da violência. Mas cada vez mais territórios estão retrocedendo”, diz Ehrt. “Nosso sentimento é que a hostilidade contra as pessoas LGBTI está aumentando”, diz ele.
O fenômeno do retrocesso, diz o especialista, tem a ver, em primeiro lugar, com os surpreendentes avanços que o grupo obteve na última década, que provocam reações contra ele. O caso espanhol serve de exemplo se olharmos para o quão virulentamente a lei trans foi atacada. Ou o Brasil, onde as pessoas trans têm grande visibilidade, com presença em empresas e instituições e, ao mesmo tempo, é o país que mais registra assassinatos. A isso, segundo a associação, soma-se a ascensão de governos mais de direita em numerosos países —em Israel, por exemplo, que tem o Executivo mais ultra-extremista dos últimos tempos, vários de seus ministros são abertamente homofóbicos— e a expansão da narrativa conservadora no debate político, principalmente nos países ocidentais. Por fim, o uso dos direitos LGBTI como arma política por esses governos mais conservadores para ganhar o apoio de seu eleitorado. O El País fez uma análise da situação das pessoas LGBTI no mundo, apontando os focos dessa ofensiva por região. “A onda reacionária, que já temos aqui, é global”, diz Gracia Trujillo, socióloga especializada na área. “Há um sentimento de que não podemos nos retirar agora; você tem que defender o que você ganhou. São as nossas vidas, as das nossas famílias, dos nossos alunos, dos nossos vizinhos…“.
A íntegra da reportagem pode ser lida, em espanhol, aqui.
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Uma ofensiva mundial contra os direitos das pessoas LGBTI - Instituto Humanitas Unisinos - IHU