18 Março 2023
O novo livro de Francesco Cosentino desafia a habitar o nosso tempo para elaborar uma teologia que saiba “libertar Deus” e restituir a força do Evangelho na atualidade pós-moderna.
O comentário é de Sergio Di Benedetto, professor de Literatura Italiana na Universidade da Suíça Italiana, em Lugano. O artigo foi publicado por Vino Nuovo, 15-03-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
“Precisamos de uma teologia que, com hospitalidade e espírito crítico, estabeleça o próprio domicílio na crise de fé do nosso tempo”: bastaria essa tomada de consciência e essa coragem como “ingresso” no século XXI teológico, social e cultural. Porque temos sede de um cristianismo que tente ler a “crise de fé” habitando-a, sobretudo pelas suas repercussões pastorais, eclesiais, hermenêuticas e, em última instância, humanas.
E é nessa direção que se move “Dio ai confini. La rivelazione di Dio nel tempo dell’irrilevanza cristiana” [Deus nas fronteiras. A revelação de Deus no tempo da irrelevância cristã], um livro documentado e precioso de Francesco Cosentino, publicado recentemente pelas Edizioni San Paolo (Milão, 2022, 268 páginas).
O título já é eloquente por si só: se hoje vivemos, pelo menos no Ocidente, o tempo do eclipse do cristianismo, quase como se Deus fosse relegado “às margens da história”, ainda faz sentido falar de Deus? É possível?
A resposta de Cosentino é obviamente positiva, mas é necessário, a seu ver, mudar os paradigmas de fundo do próprio discurso sobre Deus: “Trata-se, acima de mais, de superar as estreitas fronteiras de uma metafísica que cataloga Deus nas categorias dogmatistas do ser, para chegar à especificidade do Deus cristão que, como amor e relação, se configura como ‘excessivamente transgressivo’, um dom que supera e surpreende”.
Portanto, tendo a audácia de passar da metafísica à relação, o cristianismo trinitário tem muito a dizer, tem muito a oferecer à atualidade: a palavra cristão ainda pode ser relevante, desde que tal adjetivo seja entendido, no entanto, não em sua semântica histórica (ocupação de posições), mas em uma semântica evangélica, para a qual “falar de relevância hoje” significa reivindicar “a capacidade do cristianismo de libertar e desprender na existência dos nossos contemporâneos a vida que o Evangelho transmite”.
O princípio básico sobre o qual repousa a proposta de Cosentino é o de uma “teologia da revelação, no contexto de um mundo pós-moderno e plural”: ambos os termos da questão devem ser abraçados, com franqueza: de um lado, um mundo não mais naturaliter cristão, por outro, um profundo enraizamento evangélico e cristológico, capaz de contar o verdadeiro rosto de Deus mostrado por Jesus de Nazaré.
O autor chega a esse “princípio” reunindo os elementos fundamentais da reflexão de grandes teólogos e filósofos do século XX – aos quais ele dedica a primeira parte do volume –, todos “convocados” por suas felizes intuições, configurando assim o livro também como um compêndio eficaz de história da teologia: Bonhoeffer, Metz, Barth, Rahner (que retorna frequentemente), von Balthasar principalmente, aos quais se somam os mais contemporâneos Ratzinger, Moltmann, Molari, Sequeri, Salmann, Repole, Schilllebeeckx, Lorizio, Taylor, Gallagher e outros.
Tudo isso mantendo às vezes em segundo plano, às vezes em destaque, as felizes conclusões do Vaticano II e sua herança, no qual se enxerta o pontificado de Francisco com suas diretrizes fundamentais: a valorização da marginalidade, a sinodalidade, a coragem da reforma.
Na segunda parte do livro, o autor elabora, argumenta e propõe sua leitura do hoje espiritual, segundo, como já mencionado, uma honesta interpretação do contexto pós-moderno em que já estamos inseridos e no qual já vivemos.
Aqui se situa a “teologia da fronteira”, estruturada em algumas grandes e fecundas imagens hermenêuticas, a partir da do caminho, que “hoje leva a melhor sobre a meta”, razão pela qual “ser viajante é uma metáfora do nosso estar no mundo”.
É um retorno desejado ao “nomadismo” bíblico: “Trata-se [...] de despedir-se serenamente do absolutismo dogmático, não só nos conteúdos, mas também no estilo, despojando-se do rigidismo que nasce da pretensão de possuir a verdade: na realidade, o caminho da fé pretende apenas nos pôr a caminho”, no qual a teologia não se deixa levar “pela pressa de definir”, mas ousa propor um “atravessamento dos lugares”, um relato do Deus próximo, uma teologia da fronteira, justamente, onde aparecem as “rachaduras das crises de Deus”.
Mas isso é verdadeiramente cristão, porque “é a própria Revelação que nos situa na fronteira. Esse Deus invocado pelo cristianismo, por ele reconhecido, celebrado e reapresentado, é Aquele que deixou os céus para cruzar o limiar da história, vindo Ele mesmo e Ele primeiro a habitar a fronteira entre divino e humano, e as fronteiras mais frágeis e efêmeras da nossa existência”.
Daí o convite a “habitar a distância”, a “habitar a ausência” e a diversidade, captando o que no tempo em que vivemos se oferece como porta de entrada para compreender Deus e para anunciar o Evangelho, segundo uma teologia hermenêutica que hoje tem uma tarefa grande e urgente: ao reavaliar a encarnação de Cristo, imergir na história: “Isso só é possível na medida em que a verdade que serve de pano de fundo interpretativo é a verdade de Deus, que se manifesta no evento histórico Jesus Cristo e, por isso, uma verdade que ‘se faz’ dentro da história, avança na história e gera uma compreensão gradual de si mesma”.
Assim preparadas e argumentadas, adquirem sentido as propostas pastorais, que saibam reavaliar a imaginação e o sentimento da pessoa, e igualmente saibam regenerar novas imagens de Deus que a era secular oportunamente contribuiu para desmantelar em seus aspectos menos bíblicos, a partir das representações opressivas e punitivas do divino, que reforçavam modos mais humanos do que evangélicos. A esse propósito, Cosentino recorda com razão que uma das tarefas da teologia é “libertar” Deus das sobreposições históricas e humanas que se depositaram ao longo dos séculos e que é necessário abandonar, porque não são verdadeiras.
O contexto atual nos impele a ler a crise como kairós e, portanto, a usar a profecia: a sinodalidade, vista como categoria eclesial e teológica, é uma forma de reviver o cristianismo, passando de “um cristianismo de resistência a um cristianismo em movimento: o primeiro resiste, seja negando a crise, seja edulcorando suas consequências, seja refugiando-se em formas e práticas de fé tradicionais; o segundo põe-se a caminho, mesmo não possuindo antecipadamente os mapas e as respostas”.
Redescobrir a vitalidade do anúncio cristão torna-se a tarefa do século XXI, relançando uma visão em que todos são “sujeitos de fé” e não meros objetos, em diálogo com as outras confissões cristãs e as outras religiões, “para uma nova imagem da Deus, de Igreja, de cristianismo”, que realmente e não só com palavras ponha-se em discussão e repense as energias, as estruturas, as formas para viver a fé hoje e para caminhar com os outros homens e mulheres, sejam eles de outras fés ou de fé nenhuma.
Isso sem nunca esquecer a humanidade do cristianismo, tantas vezes negada: “Anunciamos uma salvação contraposta à vida e uma relação com Deus fundada nos critérios religiosos do cumprimento de deveres morais e da observância externa, a ponto de instilar no imaginário coletivo a ideia de que o cristianismo era fundamentalmente anti-humano”.
O livro de Francesco Cosentino ajuda a nos lembrar também disso, chamando a teologia e as disciplinas irmãs a uma nova assunção de responsabilidade em relação à humanidade a caminho, com seus fardos e suas bênçãos.
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Deus nas fronteiras. Artigo de Sergio Di Benedetto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU