23 Dezembro 2022
"Cosentino alarga a questão e transforma a fronteira num trampolim a partir do qual o cristianismo e a vida dos crentes podem recuperar o seu ímpeto: 'Trata-se de iniciar pensamentos e práticas de um cristianismo desinteressado em si mesmo e em manter as suas instituições de poder, que promove encontros, exercita a ternura e anima a vida'", escreve Luigi Maria Epicoco, presbítero da arquidiocese de L'Aquila, Itália, que estudou filosofia e teologia na Pontifícia Universidade Lateranense e que se formou em filosofia na Universidade Estadual de Roma, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 17-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Fazer teologia pode realmente parecer um esporte radical, especialmente em um mundo como o nosso que marginalizou a questão da fé e a questão de Deus em um canto escuro da interioridade do indivíduo. Parece ser o fruto mais maduro daquela revolução iluminista que, onde não conseguiu subverter um sentimento religioso radical difundido nas sociedades, ainda assim ofereceu um espaço de existência nas meras experiências intimistas da pessoa. "Você pode acreditar - a cultura atual parece nos dizer - mas é apenas um problema seu e da sua psique!" (seria demais ouvir a palavra pneuma/espírito).
O teólogo Francesco Cosentino, com uma abordagem provavelmente menos polêmica que a minha, foi exatamente aos "confins" do pensamento contemporâneo para nos oferecer uma reflexão teológica que, em vez de lamentar o passado, ou simplesmente culpar o presente, oferece uma consideração articulada para nos mostrar que "nos confins" a questão de Deus encontra sua verdadeira possibilidade.
O título dessa obra é Dio ai confini: la rivelazione di Dio nel tempo dell’irrilevanza cristiana (Deus nos confins. A revelação de Deus no tempo da irrelevância cristã, em tradução livre, Edizioni San Paolo, Cinisello Balsamo, 2022, p. 272). Cosentino parece estar se movendo na direção oposta à apologética. A sua reflexão teológica não é a tentativa extrema de recolocar o evento cristão no centro da história, mas de mostrar que a centralidade do cristianismo não coincide com a centralidade mundana, e que desde os inícios Deus parece ter escolhido como ponto central da sua obra o que o mundo considera margem, periferia, fronteira extrema.
Percebe-se uma profunda sintonia com o ensinamento do Papa Francisco: a margem não como um muro, mas como um lugar poroso onde linguagens e urgências emprestam ao evento cristão o alfabeto certo para poder novamente ser falado, e assim voltar a ser carne no presente. “O contexto ocidental - escreve Cosentino - marcado pelo secularismo e pelas coordenadas pós-modernas, apela de fato a uma nova criatividade do pensar e da práxis do crer. Trata-se também de perguntar se secularização, indiferença religiosa e pluralismo não seriam, na realidade, finalmente para serem lidos e integrados dentro da própria tradição cristã e se, ao mesmo tempo, não representam de algum modo uma palavra profética sobre o cristianismo, por serem capazes de iluminar a própria fé, permitindo-nos ver aspectos até agora pouco considerados” (p. 246).
Dio ai confini: la rivelazione di Dio nel tempo dell'irrilevanza cristiana
Seguindo o fio do discurso de Francesco Cosentino podemos chegar a dizer de forma extremada que a crise que estamos vivendo é uma grande oportunidade, e que o que nos parece o fim é na realidade apenas o ocaso de uma modalidade, mas não o fim do evento que Cristo veio inaugurar. Porém, se a crise é uma ocasião, então a grande questão é se estamos na atitude eclesial de nos deixarmos evangelizar por ela, e se temos condições de assumir realmente a postura de discernimento.
Precisamente sobre esta consideração ouve-se, na sua reflexão, o eco do Cardeal Martini, que ele cita diretamente: “O tempo de crise é um tempo do Espírito, no qual os nossos olhos veem um fim, mas nesse fim se manifesta um novo começo: de fato, em todas as crises existe sempre uma justa exigência de atualização” (p. 245).
A teologia de Cosentino tem a audácia e também o ardor de querer libertar o cristianismo. "Fazei-vos ao largo!", ordena Jesus aos seus discípulos no início daquele encontro que lhes mudaria suas vidas, e essas páginas parecem fiéis a esse mandamento. Cosentino alarga a questão e transforma a fronteira num trampolim a partir do qual o cristianismo e a vida dos crentes podem recuperar o seu ímpeto: “Trata-se de iniciar pensamentos e práticas de um cristianismo desinteressado em si mesmo e em manter as suas instituições de poder, que promove encontros, exercita a ternura e anima a vida".
A sensação é que essas páginas não ficarão letra morta, mas animarão os canteiros daquela mudança que não deverá ser uma mera substituição do passado, mas o testemunho de que o Evangelho é algo vivo e justamente por isso preserva a si mesmo empurrando a Igreja a mudar continuamente para não o desmentir por nenhuma práxis. Na verdade, a Tradição é algo vivo, caso contrário seria ideologia, como todo tradicionalismo e todo progressismo.
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Deus nos confins. Artigo de Luigi Maria Epicoco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU