No julgamento desta quarta-feira (30 de novembro de 2022), o assassino de Aline Pâmela Machado foi condenado a 28 anos de reclusão pelo Tribunal de Justiça do Amazonas.
A reportagem é de Edda Ribeiro, publicada por Amazônia Real, 30-11-2022.
Mulheres de diferentes profissões e vivências do Amazonas seguem sendo vítimas da violência de gênero em níveis alarmantes. O crime de feminicídio é o mais preocupante de todos: entre o período de janeiro a novembro de 2022, o número de julgamentos realizados pelo Tribunal de Justiça do Amazonas foi de 122 casos, um aumento de 97% em relação ao mesmo período de 2021, com 62 casos julgados.
O assassino de Aline Pâmela Machado foi condenado a 28 anos de reclusão pelo Tribunal de Justiça do Amazonas
Foto: Marcus Phillipe/Tribunal de Justiça do Amazonas
Nos 11 primeiros meses deste ano, em Manaus, foram julgados 72 casos de feminicídio contra 30 casos registrados no ano passado, uma alta de 140%.
O TJ não informa as datas dos crimes nem os nomes das vítimas e dos réus. Há mortes, por exemplo, que aconteceram antes de 2019. Leia aqui.
É o caso do feminicídio de Aline Pâmela Teixeira Machado, que foi assassinada a pauladas pelo marido, em 2019. O réu Douglas da Silva Costa foi julgado nesta quarta-feira (30) e condenado a 28 anos, um 1 mês e 15 dias de reclusão em regime fechado. Essa sentença ainda não consta da estatística do sistema SAJ e Projudi do Tribunal de Justiça.
O julgamento de Douglas foi acompanhado por familiares de Aline, que tinha 26 anos e dois filhos e trabalhava em um supermercado. Ela foi morta na casa onde morava com a família, no bairro Cidade Nova, zona norte de Manaus.
Segundo familiares da vítima, ao longo dos últimos dois anos Aline já havia registrado quatro boletins de ocorrência contra o marido, que foi preso. Entre as acusações feitas pela jovem estavam ameaças, injúria e lesão corporal. O julgamento no Fórum Henoch Reis foi acompanhado por ativistas feministas que combatem a violência contra a mulher.
“Ele [Douglas Costa] foi julgado por crime de feminicídio, acrescentado por lesão corporal. Foi mais uma vitória. Infelizmente não traz a vida dela de volta, mas vencemos juntas. Ele pegou quase a pena máxima, 28 anos”, disse Luzarina Varela, coordenadora do Fórum Permanentes das Mulheres de Manaus (FPMM), que fez uma vigília na porta do tribunal pedindo justiça.
Entre os meses de março a dezembro de 2020, durante a primeira fase da pandemia da Covid-19, os casos de violência contra as mulheres aumentaram no Amazonas: foram 16 registros, segundo a Secretaria de Segurança Pública (SSP-AM). Em 2021 foram 23 feminicídios contabilizados. Em 2022, o estado registrou, até junho, seis crimes, sendo um em cada um dos seguintes municípios: Manaus, Benjamin Constant, Borba, Maués, Novo Aripuanã e Tabatinga.
Durante a pandemia, a Amazônia Real se uniu a seis mídias independentes (AzMina; #Colabora; EcoNordeste, Marco Zero, Portal Catarinas e Ponte Jornalismo) para realizar três monitoramentos para a série Um vírus e duas guerras.
A partir da constatação de que as necessidades de isolamento social forçavam o convívio entre vítimas e algozes, os veículos jornalísticos produziram o mais extenso acompanhamento da violência doméstica no período. Na Amazônia, com uma radiografia sobre todos os estados da região, a agência ouviu também histórias de vítimas e familiares para entender como esse fenômeno silencioso da violência contra a mulher se expandiu nos últimos anos.
O feminicídio é tipificado pela misoginia (ódio), pelo menosprezo da condição feminina ou pela discriminação de gênero. No Amazonas, esse crime tem um componente cruel: as vítimas, em sua maioria, são mortas a golpes de facas e terçados.
Familiares e amigos de Aline Pâmela assassinada pelo marido em 2019 aguardam o julgamento de Douglas Ricardo Silva Costa na 1ª Vara do Tribunal do Júri, presidido pelo juiz George Hamilton Lins Barroso
Foto: FPMM
A ausência de políticas de enfrentamento à violência contra a mulher segue sendo um problema social. “Esses dados só ampliam e isso poderia ser solucionado por meio de ações mais severas, como atendimento humanizado e acolhedor nas delegacias, orientação às mulheres vítimas de violência sobre os caminhos a tomar, ampliação da rede de acolhimento, fortalecimento da Secretária de Políticas para Mulheres e criação de cotas de emprego nas prestadoras de serviços do Estado e municípios para mulheres vítimas de violência”, avalia Francy Junior, feminista do Movimento de Mulheres Negras da Floresta Dandara.
A advogada amazonense e ativista pelos direitos da mulher Alessandrine Silva comenta a respeito da morosidade na solução dos casos pelo judiciário estadual e a consequente impunidade resultante. “Ao acompanhar as histórias das famílias em busca pela solução dos feminicídios, percebo que o problema, para além do acesso, são outros, como o tempo de duração dos processos. Existem crimes aguardando há anos por uma solução, falta investimento em equipamentos periciais e há uma capacitação precária dos órgãos envolvidos na questão de gênero”, explica.
Para Alessandrine, o judiciário brasileiro possui um excesso de demandas, tornando a tramitação dos processos arrastada. “Há um número de servidores e magistrados insuficiente, além de legislação processual que julgo inadequada. Para dar celeridade nesses processos é fundamental que se criem novos mecanismos de controle, transparência e também gestões mais eficientes”, completa a advogada.
Segundo a delegada Marília Campello, coordenadora do Núcleo de Combate ao Feminicídio (NCF), as investigações avançam de forma célere. “São crimes de rápida resolução. O núcleo de combate ao feminicídio inicia imediatamente as investigações, após o fato, tendo muitas vezes o mandado de prisão do autor já decretado em 48 horas após o crime”, explica.
Para a feminista Francy Júnior, a investigação não é totalmente eficaz. Ela pondera que há casos e casos quando a vítima ou a família buscam acesso à Justiça e cita a questão da desigualdade “As mulheres negras muitas vezes não têm coragem de buscar seus direitos, pois já levaram tantos ‘nãos’, tantas portas fechadas, que não há forças para tentar mais uma vez”, explica.
No Brasil, dados do 15º Anuário Brasileiro de Segurança Pública apontam que duas em cada três vítimas de feminicídio em 2020 são mulheres negras (61,8%). Das demais vítimas, 36,5% são brancas, 0,9% amarelas e 0,9% indígenas.
Francy Júnior cita que há políticas públicas que precisam ser melhor implementadas para reduzir a violência. “Temos algumas, porém são deixadas nas gavetas de quem tem a caneta certa para implementá-las”, destaca a historiadora. Entre essas políticas públicas, ela cita a rede de proteção a vítimas de violência doméstica e todas as ferramentas utilizadas para orientar ou libertar as mulheres; o processo de formação contínua e humanizada dos agentes das delegacias para melhor atender as vítimas; e um projeto de lei da Assembléia Legislativa do Amazonas, que nunca saiu da gaveta, prevendo que nas delegacias haja uma policial (mulher) para atender as vítimas de violência doméstica.
Protesto do Fórum Permanente de Mulheres em frente ao Fórum Enoch Reis
Foto: Raphael Alves/Tjam
Alguns casos de violência contra mulheres ficaram marcados na capital amazonense. Conforme pesquisa realizada pelo especialista Jesem Orellana, da Fiocruz/Amazônia, embora o número total de homicídios contra mulheres seja muito menor do que o observado em relação aos homens, cerca de metade dos homicídios de mulheres é cometido por um parceiro (namorado, ex-namorado, companheiro e ex-companheiro, principalmente).
Uma dessas vítimas foi a policial militar Deusiane da Silva Pinheiro, morta em 1º de abril de 2015. Segundo denúncia do Ministério Público do Amazonas, o assassinato ocorreu na base flutuante do Batalhão Ambiental, no bairro Tarumã, zona oeste de Manaus. Na denúncia oferecida pelo MP-AM, o cabo PM Elson dos Santos Brito foi apontado como o autor do disparo que matou a soldada. Elson era então companheiro de Deusiane. O julgamento do acusado ainda não foi realizado.
Em 2021, na semana de Carnaval, a atriz, produtora, empresária do ramo de animação de festas infantis e ativista do movimento trans Manuella Otto, de 25 anos, foi assassinada com dois tiros: um disparo atingiu as costas e atravessou o tórax; o outro o braço esquerdo, segundo o laudo do Instituto Médico Legal (IML). Segundo o TJ-AM, o caso tramita na 2ª Vara do Tribunal do Júri sob segredo de Justiça (em fase de diligências).