14 Setembro 2022
Jardim Ângela e Itaim Bibi abrigam as zonas eleitorais que deram os maiores percentuais a Fernando Haddad e Jair Bolsonaro na capital paulista em 2018. A DW perguntou a moradores quem eles apoiarão neste ano.
A reportagem é de Bruno Lupion, publicada por Deustche Welle, 13-09-2022.
Cerca de 15 quilômetros separam os bairros Jardim Ângela e Itaim Bibi, ambos na zona sul de São Paulo, e a distância entre a preferência política de seus moradores foi a maior registrada na cidade na eleição presidencial de 2018.
No Jardim Ângela fica a zona eleitoral número 372, onde o então candidato do PT, Fernando Haddad, teve o seu melhor desempenho na cidade, com 57% dos votos válidos. No Itaim Bibi está a zona eleitoral 258, onde Jair Bolsonaro se saiu melhor, com 76% dos votos válidos.
Jardim Ângela é um bairro da periferia e empobrecido, com um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 0,750, o quarto pior entre os 96 distritos paulistanos. Tem moradias irregulares em área de manancial, trânsito caótico e infraestrutura urbana deficiente. Em 1996, chegou a ser considerado pela ONU o distrito mais violento do planeta – na década seguinte deixou esse título para trás, e hoje tem índices de criminalidade equivalentes aos de outros bairros da periferia de São Paulo.
Itaim Bibi, por sua vez, tem um IDH de 0,953, o sexto melhor da capital paulista. Por ali passa a Avenida Faria Lima, um dos centros empresariais da cidade, com arranhas-céus espelhados, shoppings de luxo e restaurantes premiados. A região tem ruas organizadas, calçadas planas e vagas de trabalho bem remuneradas.
A reportagem da DW perguntou a alguns eleitores de ambos os bairros como eles avaliavam o governo Bolsonaro e em quem pretendem votar neste ano, e encontrou diversidade dentro desses dois extremos. Como um morador de Jardim Ângela bolsonarista, mas contrário à ampliação do acesso a armas de fogo, e uma eleitora de Luiz Inácio Lula da Silva para quem ele seria corrupto, mas pelo menos "deixa um pouquinho para nós" – adaptação do tradicional bordão paulistano "rouba, mas faz" criado para Ademar de Barros e usado também com Paulo Maluf.
No Itaim Bibi, a reportagem encontrou um casal de jovens que votará em Lula, contra a preferência de seus familiares, e um operador do setor financeiro entusiasta do voto nulo.
A atendente Bruna Lopes, de 34 anos, votou em Haddad em 2018 e afirma que sua condição de vida e de seus familiares piorou durante o governo Bolsonaro. Ela não se considera petista, e ecoa o discurso de que todos os políticos seriam corruptos. Lula, porém, em quem ela votará neste ano, teria melhorado a vida dos mais pobres, ao passo que Bolsonaro "governa com os ricos".
"Todo mundo rouba, só que tem gente que lembra da gente. Na época do Lula a gente tinha direito a faculdade, direito a cursos, a gente podia comer carne", diz, afirmando em seguida que o petista "roubou, mas foi inocentado".
"Você se lembra da Marielle [Franco]? Ela estava defendendo a gente, e o que aconteceu com ela? Se você entrar lá e não roubar, você é morta", diz. Ela afirma se sentir ameaçada por bolsonaristas, e avalia que o discurso armamentista do presidente aumentou o risco de ela sofrer violência nas ruas.
Se Bolsonaro se reeleger, ela diz ter vontade de emigrar para os Estados Unidos. "Vai ter muito brasileiro morto, porque todo mundo vai tentar atravessar o deserto. Isso não é justo", diz.
Outro morador do Jardim Ângela que diz pretender emigrar dependendo do resultado das eleições é Vanderlei da Cunha, de 55 anos, vendedor ambulante. No caso dele, porém, é uma vitória de Lula que motivaria essa decisão, e o país desejado é Portugal, onde tem amigos.
Em 2018, Cunha votou em Ciro Gomes (PDT) no primeiro turno e em Bolsonaro no segundo. Neste ano, votará em Bolsonaro já no primeiro turno. Ele afirma que nunca votou no PT, diz que Lula "nunca trabalhou" e é um "oportunista", e acusa os governos do partido de terem "acabado com os empresários". "Os empreendedores foram tudo embora, ficou só o comércio."
Em sua família, diz, todos votarão em Bolsonaro neste ano. Ele considera que o governo do atual presidente foi "ótimo" e que a economia "estava melhorando bastante antes da pandemia", que forçou o fechamento do comércio. "Ele [Bolsonaro] ainda ajudou o povo com o auxílio emergencial de R$ 600, foi muito digno da parte dele."
Cunha, porém, desaprova o discurso armamentista do presidente. Ele diz que "armar um cidadão que não tem preparo nenhum" acaba colocando em risco a própria pessoa, na hipótese de uma tentativa de assalto. Mas faz referências positivas à ditadura militar, quando, segundo ele, havia mais "respeito às leis".
Lohana Jesus, de 20 anos, vendedora, votará neste ano pela primeira vez para presidente, e seu voto será de Lula. "Desde novinha, minha mãe sempre falou muito dele. Ele ajudou bastante a minha família com o Bolsa Família", diz.
Ela é crítica do governo Bolsonaro. "Não vi nenhuma melhora, ele só fica ameaçando as pessoas. Muitas famílias passaram necessidade, e a vacina [contra a covid] demorou bastante, morreu muita gente, perdi familiares, amigos, conhecidos", diz.
"Ninguém gosta dele [Bolsonaro] lá em casa. Ele é um pouco preconceituoso em relação à cor de pele", afirma Jesus. Se Lula ganhar, a prioridade, segundo ela, deveria ser a criação de mais empregos.
O empresário da construção civil José Lincoln de Magalhães, de 80 anos, morador do Itaim Bibi, conhece a política de perto. Já foi prefeito de Rio Claro, no interior paulista, de 1983 a 1987, e é proprietário de um jornal local, Cidade de Rio Claro, e de uma rádio afiliada à Jovem Pan no município. Em 2018, votou no primeiro turno em Geraldo Alckmin, então no PSDB, e no segundo turno em Bolsonaro. Neste ano, votará no presidente já no primeiro turno.
Magalhães afirma que "detestou" a decisão de Alckmin de se lançar como vice de Lula, agora filiado ao PSB. "Conheci o Alckmin pessoalmente e não entendi a atitude dele. Do jeito que o conheci, nunca conseguiria entender que ele pudesse tomar o partido que tomou", diz.
Ele considera a gestão Bolsonaro "aceitável", mas é crítico à postura do presidente com os jornalistas. "Com relação à imprensa, ele foi totalmente errado. Ele critica os jornalistas de uma forma geral, é um erro, falta de cultura dele."
Indagado sobre por que votará em Bolsonaro, ele dispara contra o PT. "Não podemos mais ser vítimas daquilo que o PT fez", afirma, mencionando os escândalos de corrupção revelados pela Operação Lava Jato. A vantagem de manter Bolsonaro no Palácio do Planalto, diz, "é a segurança de que nós não teremos uma corrupção tão desbragada como tivemos". Ele também afirma que a gestão econômica do PT, em especial no governo Dilma Rousseff, foi "terrível".
Magalhães diz que "todo mundo sonhou com a possibilidade de uma terceira via", mas ela não se viabilizou e a disputa atual reedita a polarização entre Lula e Bolsonaro. "E eu sou Bolsonaro."
Em um cenário ideal, ele gostaria que o ex-presidente Michel Temer tivesse se lançado candidato. "Temer foi queimado por um maluco, o [ex-procurador-geral de Justiça Rodrigo] Janot, que achou que poderia ser senador por Minas Gerais e arrumou uma acusação para o Temer – que não vou dizer que não fosse válida, mas era absolutamente desnecessária naquele momento político que a gente estava vivendo (...) E infelizmente perdemos um candidato politicamente bem preparado, que teria sido um bom presidente pela segunda vez."
Magalhães tem como vizinhos de bairro a gerente de marketing Marina Albuquerque e o cozinheiro Pedro Vieira, ambos de 33 anos. O casal votou em Ciro no primeiro turno de 2018 e, no segundo, em Haddad. Neste ano, vão de Lula no primeiro turno.
Eles dizem que esperavam que o governo Bolsonaro fosse ser "ruim", mas foram surpreendidos negativamente. Albuquerque cita a gestão do presidente durante a pandemia – em especial o "atraso [na compra] da vacina" – e aponta perda do poder de consumo no país durante seu governo.
"Trabalho com bens de consumo e senti um impacto muito grande. E para a gente também ficou mais apertado do que antes. Mesmo sendo de uma classe mais alta a gente sentiu isso, fico pensando como outras pessoas [de classes mais baixas] sentiram", diz.
Ela afirma que um eventual terceiro governo Lula não será "igual aos dois primeiros", pois a situação econômica e política no mundo "está diferente". "Mas ele com certeza fará um governo melhor que o Bolsonaro. Por mais que seja do PT, ele trabalha muito bem com o mercado, com a economia, com os outros países", diz.
Vieira também menciona que Lula "vai ter que desatar muitos nós", em especial na relação com o Congresso, que ampliou seu poder sobre o controle do Orçamento durante a gestão Bolsonaro. "Esse Orçamento secreto armou uma bomba. Se tem alguém para desarmar é ele [Lula], mas quero ver como vai fazer."
O casal diz ter comprado muitas brigas políticas com seus familiares bolsonaristas em 2018, mas neste ano seus pais têm evitado discutir o tema com eles. "Nos últimos dois anos, eles se mostraram não digo arrependidos, mas decepcionados, falando que havia sido um erro, mas que era importante para tirar o PT. Falavam também em terceira via, mas agora já estão armando a cama para votar de novo nele [Bolsonaro]", diz Vieira. "A gente mora aqui no bairro e conhece muita gente que vai votar no Bolsonaro. A sensação é de incerteza, não é de [que Lula] já ganhou", afirma Albuquerque.
Nem Bolsonaro, nem Lula, nem terceira via. O equity trader Sérgio Ferreira, de 31 anos, que negocia ações na bolsa de valores, votou nulo em 2018 e votará nulo novamente neste ano. "Não me sinto representado por nenhum candidato que está disputando", diz.
Ele afirma ser de direita e apoiar o liberalismo econômico e um Estado mais enxuto. Bolsonaro, diz, defendeu esses valores na sua campanha passada, mas depois de eleito "se mostrou um político padrão do que temos no Brasil, principalmente no que tange ao populismo".
Segundo Ferreira, Lula também é um populista, "além de toda a questão dos crimes", citando as condenações do petista no âmbito da Lava Jato, posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. "Os crimes dele não foram anulados, ele não é inocente, a soltura foi porque ele foi julgado em uma instância que não era válida", diz. "Jamais votaria em um político como Lula."
Ele projeta que um eventual terceiro governo petista repetirá as políticas sociais e de indução ao desenvolvimento de suas gestões anteriores, que envolvem aumento do gasto público, mas afirma que o mundo hoje "é muito diferente" e que o "país vai quebrar".
Ferreira diz que o governo Bolsonaro "não é tão ruim como alguns veículos de mídia e analistas falam", e afirma que houve avanços em infraestrutura, desenvolvimento econômico e geração de empregos. "O Brasil não estava bem depois do governo Dilma [Rousseff], tinha um rombo fiscal gigantesco, e o país estava começando a voltar aos trilhos. E durante a pandemia o governo Bolsonaro se perdeu."
Ao falar da chamada terceira via, ele menciona os nomes de Ciro, Soraya Thronicke (União Brasil) e o candidato do Partido Novo, Felipe D'Ávila, mas diz que o poder do presidente sozinho "é muito pequeno" no país, e que uma mudança significativa dependeria do Senado e da Câmara dos Deputados.
"O fato de eu votar nulo é o meu protesto. A gente só vai ter mudança no país se o povo parar de acreditar num político x ou y, e entender que nosso sistema existe para não funcionar – é ineficiente, inchado e serve para valorizar os próprios políticos", diz.
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O clima no bairro mais petista e no mais bolsonarista de SP - Instituto Humanitas Unisinos - IHU