07 Setembro 2022
"Primo Levi foi testemunha, e eu também tenho falado em escolas por cerca de trinta anos. Foi um dever imprescindível, ainda que muito doloroso. E em um ponto eu sempre disse palavras parecidas com as dele: não esqueço, não perdoo, mas não odeio. Não esqueço nada, procuro lembrar dos rostos, das cores, das atmosferas; eu não perdoo, porque não posso perdoar tal crime. Mas se eu tivesse odiado, teria me tornado como meus algozes, enquanto sou diferente deles: escolho o amor", escreve Liliana Segre, senadora vitalícia italiana e sobrevivente do campo de concentração de Auschwitz, em artigo publicado por Corriere della Sera, 03-09-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Já duas vezes vencedor (em 1963, primeira edição do prêmio, com “A Trégua” e em 1982 com “Se não agora, quando?”), o escritor foi homenageado durante a noite final da edição 2022 do Prêmio, aquele de 60 anos. Aqui a senadora vitalícia relembra Primo Levi.
Primeiro conheci o escritor, depois o homem. Aconteceu enquanto lia a obra-prima de Primo Levi, É isto um homem?, que originalmente teve dificuldade para encontrar uma editora. Já no poema de abertura, quase um grito, aquele que contém o verso: "Pensem que isto aconteceu", eu me reconheci: "Sem cabelos e sem nome / sem mais forças para lembrar / vazios os olhos, frio o ventre / Como um sapo no inverno". Eu devorei aquele livro. Sofri enormemente ao lê-lo e ao mesmo tempo me deu a sensação de que fosse quase uma invenção: não porque não correspondesse ao que eu tinha visto, longe disso, mas pela capacidade do autor de colocar por escrito o indizível.
É isto um homem?
Enviei uma carta a Primo Levi, uma carta de uma garota desconhecida, como afinal seria por toda a minha vida. Eu fiz isso porque o Alberto de quem ele falava em Se isto é um homem, seu companheiro de prisão, seu amigo, eu me iludi pensando que poderia ser meu pai, que também se chamava Alberto e se tornou cinzas ao vento de Auschwitz. Primo Levi me respondeu e então conheci o homem. Ele respondeu quase friamente, talvez perturbado pelo impacto inesperado de sua obra-prima, ele ainda não percebia o quanto era.
"O Alberto de quem estou falando não é aquele que você está procurando", ele me informou. Fiquei chateada com o tom, mas nos anos seguintes fiquei faminta por seus livros. Para mim, que tinha sido "um sapo de inverno", embora meus cabelos tivessem crescido novamente, seus escritos serviram tremendamente. Eles me ajudaram a entender a fundo o que eu havia vivenciado, a encontrar as palavras para expressá-lo.
Primo Levi foi testemunha, e eu também tenho falado em escolas por cerca de trinta anos. Foi um dever imprescindível, ainda que muito doloroso. E em um ponto eu sempre disse palavras parecidas com as dele: não esqueço, não perdoo, mas não odeio. Não esqueço nada, procuro lembrar dos rostos, das cores, das atmosferas; eu não perdoo, porque não posso perdoar tal crime. Mas se eu tivesse odiado, teria me tornado como meus algozes, enquanto sou diferente deles: escolho o amor.
Com certeza nosso relacionamento foi para Primo Levi um entre muitos em sua vida, enquanto para mim sua figura – o escritor acima de tudo, e depois o homem – foi um marco. A trégua também foi fundamental. Compreendi profundamente aquele título, aquela trégua absolutamente necessária para os sobreviventes. Fosse uma volta por metade da Europa para retornar para casa, um tempo para curar as feridas em uma clínica ou ficar no topo de uma montanha antes de voltar para baixo. Porque você não pode sair daqueles portões e voltar para sua casa. Você não pode fazê-lo, mesmo que lhe esperem os afetos familiares que Primo Levi reencontrou, e que eu não encontrei. Voltar para casa depois do campo de concentração é como um desembarque, como chegar de Marte à Terra onde ninguém entende o que você está dizendo. É por isso que é preciso uma trégua. Serve para lhe devolver o senso de humanidade, o pouco que restou depois do que você viu; dá-te força para compreender aqueles não te entendem porque você é difícil, porque você é selvagem, porque você é alguém que conta histórias que ninguém quer acreditar...
A trégua
Mais adiante na vida, tive outra troca de cartas com Primo Levi. Dessa vez depois de ter lido Os afogados e os sobreviventes. Eu, que era muito mais simples, menos profunda que ele, sempre me considerei uma sobrevivente. Assim, naquele momento, escrevi-lhe novamente e perguntei-lhe: "Mas se mesmo que os sobreviventes são afogados, como você diz, onde está a diferença?" E ele me escreveu que não havia. Compreendi então por que havia passado por momentos ao longo dos anos em que ninguém me entendia, porque havia sido tão difícil responder aos meus filhos quando me perguntavam sobre o número no meu braço. Acreditávamos que éramos sobreviventes, mas o que eles fizeram conosco foi tal que nos haviam condenado a ser afogados.
Os afogados e os sobreviventes: os delitos, os castigos, as penas, as impunidades
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Os escritos de Primo Levi ajudaram-me a compreender a dor que sofri. Artigo de Liliana Segre - Instituto Humanitas Unisinos - IHU