24 Novembro 2021
Lançando a obra Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, jornalista narra a luta contra a devastação e as consequências da exploração. ‘Os defensores da floresta são tratados como criminosos’, denuncia em entrevista à Ponte.
Eliane Brum vive em Altamira (PA) há quatro anos. Foto: divulgação
A reportagem é de Elisa Fontes, publicada por Ponte, 23-11-2021.
Desde que se mudou para Altamira, no Pará, em 2017, Eliane Brum viu de perto os impactos da devastação e abraçou de vez a luta pela defesa da Floresta Amazônica. A urgência do problema guiou seu trabalho como repórter, escritora e transformou sua perspectiva sobre seu lugar no mundo. Passados quatro anos de uma intensa relação com a natureza e a cultura de diversos povos, a jornalista lança Banzeiro òkòtó: Uma viagem à Amazônia Centro do Mundo, pela editora Companhia das Letras. A obra foi o tema do Da Ponte pra Cá da última quinta-feira (18/11) que recebeu a autora. A live foi conduzida pelo diretor de redação da Ponte, Fausto Salvadori, e está disponível na íntegra no Instagram.
Atualmente colunista do El País, Eliane é uma das grandes referências do jornalismo brasileiro. Nascida na cidade de Ijuí, no Rio Grande do Sul, tornou-se repórter do jornal Zero Hora no estado. Mudou-se para São Paulo e trabalhou na Revista Época escrevendo crônicas e reportagens sobre violações de direitos humanos e desigualdade. A jornalista também produziu documentários e é autora de outros sete livros, incluindo O olho da rua (2008).
Na busca por mudança, Eliane se deu conta que não podia mais continuar em São Paulo, onde morava. “É imperativo deslocar nosso conceito do que é centro e do que é periferia. Nesse momento, os suportes naturais de vida, os enclaves de natureza como os oceanos, as florestas tropicais, a Amazônia, têm que ser obrigatoriamente o centro do mundo. Isso não é retórica nem metáfora. Isso é a única maneira da gente enfrentar o superaquecimento global e evitar que esse mundo, que já está pior para gente, se torne hostil”, explica sobre a decisão.
No livro, a jornalista faz um relato pessoal, compartilha suas angústias e inspirações, e traz uma investigação jornalística que denuncia os efeitos das mudanças climáticas e as queimadas na região. Para ela, é fundamental repensar quem são os aliados desta luta e aprender com quem está na linha de frente. “A emergência climática não precisa mais de um relatório para ler, basta abrir a janela. Isso tudo é para ontem. Estamos vivendo um momento muito limite”.
Eliane também lista os responsáveis por esta situação e nota que, apesar de ser um desafio para todos nós, a culpa da crise é restrita a alguns: “quem provocou a emergência climática foi uma minoria composta por super milionários e bilionários, foi o capitalismo”. Pensadores indígenas avaliam, segundo ela, que o modo de vida neste sistema é insustentável e não conseguirá salvar o planeta.
Durante a conversa, a jornalista pontua que há um projeto em vigor que permite a devastação de territórios indígenas e ocasiona os recordes de desmatamento. Segundo ela, a aliança entre o governo do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e a bancada ruralista produz políticas que sustentam esta realidade e os interesses das grandes corporações.“A violência tem aumentado ano a ano. Os defensores da floresta são tratados como criminosos, são eles que têm que fugir, que precisam achar refúgios para as suas famílias, para não serem mortos. As leis são dos criminosos da Amazônia. Não é que aqui é uma terra sem lei. Não. A lei é essa”, denuncia.
No entanto, estas ações não começaram neste século. Eliane recorda que, mesmo no período da ditadura militar, a Amazônia sempre foi alvo de políticas de exploração. “Os ruralistas nunca saíram do poder. Eles nunca tiveram tanto poder quanto esse governo”, pontua.
Uma das marcas mais recentes da degradação ambiental, as obras da usina hidrelétrica de Belo Monte, na bacia do Rio Xingu, mudaram drasticamente a vida de milhares de pessoas que vivem na região. Na obra, Eliane relata a transformação do território e a experiência de ter testemunhado a destruição e a desumanização.
“Altamira se transformou, em alguns anos, na cidade mais violenta do Brasil. [Belo Monte] fez com que Altamira tenha um cotidiano de morte, fez com que Altamira tenha sido palco do segundo maior massacre carcerário da história do Brasil”, denuncia.
“Uma grande obra na Amazônia é uma conversão de pessoas-natureza em pobres urbanos. Belo Monte converteu milhares de pessoas em pessoas desflorestadas”, prossegue. De acordo com a jornalista, para a população indígena e ribeirinha a riqueza está na natureza, nos costumes e na ancestralidade – apagadas no massacre. Transformar o modo de vida destas pessoas, convertendo-as em pessoas pobres, é parte do projeto de tornar terras públicas em privadas, comercializáveis, relata.
Na visão da jornalista, a eleição de 2022 representa um passo importante para que este projeto de degradação comece a ser barrado. “Bolsonaro é criatura, não criador”, afirma. “Basta ver o cenário de candidatos que a gente tem e imaginar em qual daqueles governos o ruralismo não vai estar presente e atuando”.
Ela também lamenta a falta de envolvimento da população em uma causa tão urgente. “Eu escrevi esse livro para compartilhar o percurso que eu fiz. Eu ainda estou em processo. Estou buscando me tornar um outro tipo de gente. Nós todos temos que buscar ser um outro tipo de gente com outra forma de habitar esse planeta, de viver, de se relacionar com todos os outros. Essa luta é atravessada por questões de gênero, raça e de espécies”.
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‘A emergência climática não precisa mais de um relatório, basta abrir a janela’, afirma Eliane Brum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU