28 Setembro 2021
O Papa reitera que o aborto é "um hábito péssimo, um homicídio". Polônia, Texas e China pressionam contra o direito das mulheres de fazerem abortos. Enquanto em San Marino, república com forte tradição católica, um referendo com 77,28% dos votos a favor torna legal a interrupção voluntária da gravidez. O tema do aborto nos últimos meses voltou a ser particularmente controverso. Em um clima em que até os números da Itália sobre as interrupções da gravidez fazem refletir. Em 2020, de acordo com os dados do Ministério da Saúde contidos no novo Relatório ao Parlamento sobre o estado de implementação da lei 194 - a lei de 22 de maio de 1978, n. 194 que descriminalizou e regulamentou as modalidades de acesso ao aborto - houve menos de 68 mil procedimentos, uma redução de 7,6% em relação a 2019. Segundo os mesmos dados, 67% dos ginecologistas italianos continuam objetores, ainda que o número esteja diminuindo em relação a 2018. E não é tudo, porque o relatório do Ministério da Saúde destacou que as interrupções voluntárias da gravidez estão em contínua diminuição desde 1983.
A reportagem é de Nadia Boffa, publicada por Huffington Post, 27-09-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
“Somos vítimas de uma cultura do descarte ... O descarte das crianças que não queremos receber e com aquela lei do aborto os manda de volta ao remetente. Hoje isso virou um jeito normal, um hábito péssimo, é um homicídio”. As palavras do Papa Francisco sobre a interrupção voluntária da gravidez costumam ser duras. “Palavras ofensivas para com as mulheres”: este é o comentário entregue ao Huffpost pela jornalista e historiadora Lucetta Scaraffia, diretora durante sete anos do mensal feminino do jornal do Papa. “O Papa Francisco usou uma linguagem ofensiva para com as mulheres, como se abortar fosse um passeio. Dizer que para as mulheres realizar esse ato é um hábito é realmente ofensivo, tanto em relação à sua dor física quanto à sua dor psíquica, e é horrível” explica a professora ao Huffpost.
Segundo Scaraffia, a hierarquia eclesiástica do Vaticano não escuta as mulheres e, dessa forma, se coloca ao lado dos partidos políticos que as querem punir. “Acho que o Papa voltou a falar sobre este tema porque mais tarde ele vai querer fazer algo que agrade aos partidos políticos de esquerda. O Papa geralmente tende a proferir frases que agradam à direita e depois à esquerda. O que eu não aprecio é que utilize as mulheres como instrumento de uma posição política e, acima de tudo, as avilte com a linguagem”, comenta ainda Scaraffia. A historiadora destaca como o Vaticano, não ouvindo as mulheres, está disposto a aceitar as ditaduras. “Foi o que aconteceu na Polônia, assim como na América Latina. E o papa deveria saber disso muito bem”, conclui.
Sobre o aborto, principalmente nos últimos meses, tem havido fortes discórdias entre os países. Por um lado, aqueles que fizeram fortes pressão contra esse direito. Pelo outro, aqueles que optaram, após anos de fechamentos, por propor uma abertura. Em suma, o tema voltou ao centro das discussões atuais, ainda que, como destaca a historiadora Scaraffia, “sempre tenha causado na história fortes conflitos”. “O aborto sempre foi um instrumento político dos estados, que queriam seguir seus interesses. As mulheres eram apenas um instrumento para aderir a estes últimos. Um exemplo disso é a primeira lei contra o aborto do estado promulgada por Napoleão, porque naquela época precisava de muito soldados e, portanto, punia as mulheres que abortavam. Quando a punição contra o aborto foi abolida na Itália, isso aconteceu porque os exércitos não precisavam mais de soldados”, observa Scaraffia.
É notícia de ontem de que a China decidiu reduzir o número de abortos realizados não para "fins terapêuticos". Na realidade, a manobra do governo não é tão surpreendente: faz parte das novas linhas que, segundo Pequim, visam melhorar a “saúde reprodutiva das mulheres” e que fazem parte das políticas para incentivar as famílias a terem mais filhos. O pacote de medidas amadureceu em meio a temores sobre a queda na taxa de natalidade nacional, que continua desde 2011. Não é a primeira vez que a China adota medidas contra a interrupção voluntária da gravidez.
Em 2018, a província de Jiangxi promulgou algumas diretrizes que estipulavam que as mulheres grávidas há mais de 14 semanas, para fazer um aborto, deveriam receber a aprovação de três profissionais médicos aptos confirmar que o aborto era necessário do ponto de visão médico. Além disso, desde 2018, as autoridades de saúde chinesas continuaram a difundir uma propaganda negativa sobre a interrupção voluntária de gestações indesejadas, que, de acordo com o governo, são "prejudiciais às mulheres" e "podem causar infertilidade". “Na China, nos últimos anos, as mulheres eram obrigadas com a violência a abortar, mas agora estão sendo forçadas a não abortar. Tem tudo a ver com a política. São leis contra as mulheres e não há nenhuma liberdade”, comenta Scaraffia.
A China é apenas o último país a tomar medidas contra o direito ao aborto. Em janeiro de 2021, o governo polonês anunciou a publicação e simultânea entrada em vigor com valor de lei da sentença do Tribunal Constitucional que proíbe o aborto, exceto em caso de incesto, estupro ou perigo para a vida da mãe. A interrupção da gravidez também é ilegal em caso de malformações graves e letais do feto e de problemas de saúde que impliquem a inevitável morte pós-parto do recém-nascido. No Texas, uma nova lei de aborto aprovada em setembro pelos republicanos impede a interrupção voluntária se o batimento do feto puder ser ouvido, ou seja, por volta de seis semanas de gravidez. Portanto, quando a maioria das mulheres nem sabe que está grávida. A lei texana, ao contrário da polonesa, proíbe o aborto mesmo em caso de estupro e incesto. Além disso, autoriza os cidadãos a denunciar casos de aborto de que tenham conhecimento, para que possam impedir o que é considerado um crime. E, de fato, um médico que declarou ter realizado um aborto em violação à nova lei foi denunciado por dois cidadãos.
Nos últimos dias, a lei no Texas tornou-se ainda mais rígida. De fato, o governador Greg Abbott introduziu outra nova lei sobre os medicamentos que induzem o aborto. As novas normas, que entrarão em vigor em dezembro, restringem a janela em que médicos e clínicas do país podem administrar esses medicamentos de 10 a 7 semanas. Mas são muitos os Estados que aprovaram nos últimos anos leis ou emendas que limitam o direito ao aborto. Entre eles Kentucky, Mississippi, Ohio e Georgia e depois Alabama, Missouri, Louisiana. O Mississippi impôs a proibição sobre quase todas as interrupções de gravidez a partir da 15ª semana. O caso será apresentado à Suprema Corte, de maioria conservadora, no próximo dia 1º de dezembro, naquela que poderia ser uma sentença histórica para o Mississipi e para todos os Estados Unidos.
Para entender o quanto o tema do direito ao aborto é polêmico e divisivo, basta pensar que o governo de Joe Biden decidiu processar o Texas por causa da lei sobre o aborto aprovada no Texas. O departamento de justiça da administração central enfatizou que a lei "interfere ilegalmente com os assuntos federais" e é "anticonstitucional". A verdade é que no mesmo momento que muitos países declaram seu fechamento em relação à interrupção voluntária da gravidez, outros, inclusive com forte tradição católica, se abrem a este direito. É o caso de San Marino, onde poucos dias atrás um referendo histórico estabeleceu a descriminalização do aborto. O sim venceu com 77,28% dos votos contra 22,72%.
Resultado histórico para a República de San Marino, que, 43 anos depois da lei italiana, admite o aborto. Um resultado importante sobretudo porque San Marino continua a ser um estado de forte tradição católica. É de fato um Estado católico confessional que na tradição política e social se define como fundado por São Marinho, justamente, no ano 301. Aqui o aborto, até agora, era um crime punível com pena de prisão de até 6 anos. Agora, com a vitória do sim, o Congresso de Estado será convocado para redigir, em seis meses, um projeto de lei para regulamentar a interrupção voluntária da gravidez no território da República. “No Referendo, contou muito o voto das novas gerações, têm uma mentalidade diferente da anterior e entenderam que proibir legalmente o aborto não é a forma correta de garantir que seja menos praticado”, relata Scaraffia.
O mesmo caminho em San Marino também foi seguido em setembro pelo México, onde uma decisão da Suprema Corte considerada histórica abriu o caminho para a plena descriminalização do aborto. A Suprema Corte aprovou por unanimidade a aplicação dos requisitos da lei para a interrupção voluntária que antes eram seguidos em 4 dos 32 estados. Agora todos os estados terão que cumprir essa decisão. A decisão representa uma virada em um país profundamente católico que contrasta fortemente com as restrições mais severas introduzidas além fronteira, no Texas. Anteriormente, no país, para uma mulher que praticava voluntariamente o aborto ou para a pessoa que a fazia abortar com seu consenso, a pena era de um a três anos de prisão. Nos últimos dias, a suprema corte também eliminou uma parte da lei sanitária do país que permitia ao pessoal médico se recusar a realizar abortos por motivos de objeção de consciência.
E depois há a Espanha, onde o governo de Pedro Sánchez anunciou que até dezembro estará pronto um projeto de reforma da lei do aborto que visa regular a objeção de consciência na saúde pública. Segundo a ministra da Igualdade Irene Montero “na Espanha a objeção de consciência é o principal obstáculo para garantir o direito ao aborto e, portanto, deve ser reformada”. O governo também quer eliminar a necessidade de consenso dos pais para as jovens de 16 e 17 anos, conforme decidido pelos Populares em 2015.
Na Itália, o número de abortos continua diminuindo. As interrupções voluntárias da gravidez em 2019 foram 73.207, -4,1% em comparação com 2018. O dado provisório para 2020 é de 67.638 interrupções, (-7,6% em relação a 2019).
A taxa de aborto confirma a tendência de queda: é igual a 5,8 por 1.000 em 2019 (-2,7% em 2018) e igual a 5,5 como valor preliminar em 2020. O dado italiano está entre os mais baixos. O Relatório mostra que em 2019 o número de interrupções diminuiu em todas as áreas geográficas e em todas as faixas etárias em relação a 2018, exceto entre 35 e 39 anos. A tendência de recorrer ao aborto na Itália está diminuindo constantemente, mesmo entre as cidadãs estrangeiras, ainda que continuem a ser uma população com maior risco de abortar do que as italianas: para todas as faixas etárias, elas têm taxas de aborto mais altas do que as italianas em duas ou três vezes.
O número de abortos varia por região. As maiores reduções percentuais foram registradas no Molise, Umbria, Marche, Calabria e Lazio. Já no Vale de Aosta e na Basilicata, houve um ligeiro aumento nas intervenções e nas taxas de aborto. Além disso, no Molise, segundo dados do ministério, apenas 1,5 por cento das interrupções são feitas com o uso de medicamentos, enquanto no Piemonte chega a 47,6%. O número de médicos objetores também varia de região para região. Em geral, de acordo com os dados, 67% dos ginecologistas italianos continuam sendo objetores, mesmo que o número esteja diminuindo em relação a 2018. Sobre a objeção de consciência entre ginecologistas, entretanto, há picos de 85,8%, na Sicília, e entre pessoal não médico, chega-se a 90% no Molise.
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China, Texas, San Marino e as palavras do Papa. O aborto volta a ser um tema controverso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU