Discutir a carreira e as inspirações não é nada fácil. Com mais de 60 anos de carreira, o artista baiano e ex-ministro da Cultura transitou por diversas fases e estilos durante sua trajetória musical. Mesmo assim, algo que ressoa ainda nos seus ouvintes e fãs mais fervorosos é sua ligação com a religiosidade e, pode-se dizer, com a espiritualidade e a mística. E foi a partir desta lente que o Instituto Humanitas Unisinos - IHU realizou, na última quinta-feira, 16-09-2021, a primeira aula do curso livre “Mística e Espiritualidade”.
A reportagem é de André Cardoso, estagiário e aluno do curso de Jornalismo da Unisinos, com colaboração de Guilherme Tenher Rodrigues, economista, mestrando em Geografia - UFRGS e colaborador do Instituto Humanitas Unisinos - IHU.
Ministrado pelo professor e doutor em Teologia, Faustino Teixeira, o curso busca oferecer discussões e aprofundamentos entre Mística e Canção e Mística Cristã a partir da obra de músicos, escritores e outros pensadores. Nesta primeira aula, sobre Gilberto Gil, Teixeira logo deixou claro sua admiração pelo artista baiano. “[Gil] é o meu grande guia. Inclusive, fiquei muito alegre quando soube que ele é um forte candidato para a Academia Brasileira de Letras. Gil é uma referência ética fundamental para o nosso país hoje”.
Segundo Faustino, a espiritualidade de Gilberto Gil tem, em alguma medida, raízes no Candomblé. “A descoberta do Candomblé vai ser fundamental para a abertura de Gil à natureza. O Candomblé tem uma intensa ligação com a natureza, talvez seja a religião brasileira com mais forte traço relacional com a natureza”. Ela também se aproxima da visão de Dalai-Lama no sentido de falar sobre a diferença entre espiritualidade e religião. A espiritualidade tem a ver com qualidades da vida, por exemplo, a cortesia, a delicadeza, a hospitalidade, a nobreza da alma, a pureza de coração. “Neste sentido, Gil tem esta visão mais ampla. A palavra que ele fala na postagem do Facebook (13/09), diz o seguinte: ‘a fé está na maré, na cobra-coral, no sim e o no não, no nisso, no aquilo. Está na própria ultrapassagem desta dimensão exígua e pequena da fé. É a saída da Pequena Fé, para a Grande Fé, é aquela que abraça tudo. Como diz Gandhi, Deus não tem religião’. Esta é a visão de espiritualidade para Gil”, explica.
Há, ainda, o viés da alegria, da Bahia dentro da espiritualidade de Gil. “Ela não cabe nos pequenos territórios, ela é ampla, vasta e ela encanta todas as gerações, pois tem um colorido especial. Ela tem um gosto de todas as cores, todos os sabores; este viés está ligado à Tropicália também. Isto é, esta capacidade de reunir as diferenças, respeitando suas singularidades”, sublinha.
Sobre mística, o teólogo pontua que o baiano incorpora a Mística do cotidiano, da imanência. Percebe-se, na sinceridade em que é colocada em suas músicas, uma atenção ao presente, “o presente é a gente”, pensamento este que resigna com a mística zen budista. “Os temas de Gil são marcados pelas diversas cores das religiões, entre as quais o Budismo está presente, mas também Taoísmo; e este toque do cotidiano, o toque do instante. Esta é uma dimensão bem presente da interioridade de Gil”.
Houve dois momentos que mudaram a visão de Gil acerca de sua arte e da vida, de acordo com Teixeira. Primeiro, as suas prisões, tanto em 1968 quanto em 1976, que foram o momento de interiorização de Gil. “E é curioso, pois também foi na prisão que São João da Cruz fez um dos poemas mais lindos de todos os tempos que será comentado mais à frente no Curso (Cântico Espiritual)”, compara.
A abertura de Gilberto Gil à natureza também se mostra como um resultado de suas experiências e práticas espirituais na prisão, mas não somente. As músicas se revelam como pedaços harmônicos de alumbramentos, meditação, contemplação e deslumbramentos. “O cd Quanta tem uma dimensão cósmica fantástica. Esse carinho de Gil com a natureza vai num ‘crescendum’, vai aparecendo como em Clarice Lispector: as flores, as folhas, os animais, as montanhas... isso tudo estará na respiração de Gil. Começou na prisão, mas também na Tropicália este rompimento dos preconceitos, desapegos. A relação de Gil com os Mutantes também é uma experiência relevante, aqueles meninos desastrados, bagunceiros e alegres por excelência”.
Outro episódio que marcou profundamente o músico baiano foi a morte do seu filho Pedro Gil, em 1990, após um acidente de carro. “A experiência que Gil teve da morte de seu filho tem uma dimensão de profundidade impressionante. Acredito que ele se tornou marcado por uma profundidade singular depois desta perda”, relata.
A aula completa do curso livre “Mística e Espiritualidade” sobre Gilberto pode ser conferida abaixo:
O curso seguirá discutindo o mistério da tessitura da vida e a espiritualidade de Gilberto Gil nesta quinta-feira, 23-09-2021, das 14h às 16h, na página eletrônica do IHU, no canal do IHU no YouTube e nas redes sociais.
De 16 de setembro a 16 de dezembro de 2021, o IHU realiza o Curso Livre Mística e Espiritualidade, ministrado pelo Prof. Dr. Faustino Teixeira – UFJF.
Curso Livre Mística e Espiritualidade