Os desafios do antropoceno

Foto: Robur.q | Wikimedia Commons

10 Agosto 2021

 

Há duas coisas de que eu gostei particularmente no livro de Simone Morandini, intituladoCambiare rotta. Il futuro nell’Antropocene [Mudar de rota. O futuro no Antropoceno, em tradução livre]. Em primeiro lugar, apreciei a grande quantidade de dados, citações, referências, notas que fazem deste volume, apesar da sua brevidade e concisão, um pequeno tratado de ética ambiental que, pela sua clareza e concretude, pode ser considerado um verdadeiro manual de instruções para o uso e a manutenção do nosso planeta. Um breviário desprovido daqueles voos ao empíreo da filosofia ou ao vazio de tantos slogans que, muitas vezes, nos aborrecem quando nos deparamos com a leitura de um texto dedicado à ecologia.

 

O comentário é de Giuseppe Trentin, publicado por Settimana News, 07-08-2021. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

 

O segundo motivo de prazer é o interesse que o livro despertou em mim por todas aquelas formas de vida forçadas por um destino inclemente a compartilhar o ambiente em que vivem com o Homo sapiens. Assim, às habituais opressões causadas pelo efeito estufa, o buraco do ozônio, a inundação de resíduos, a destruição das florestas tropicais, a superpopulação, o livro acrescenta, ainda que um pouco de passagem, uma referência também à biodiversidade e, portanto, a milhões de espécies de plantas e de animais que a evolução e a seleção natural produziram e certamente não devem ser consideradas simples adornos, mas verdadeiras companheiras de viagem que interagem conosco e remetem ao grande problema que temos em comum com elas, isto é, a sobrevivência neste planeta.

 

Dramático e epocal

 

Trata-se de um problema que não é mais – no máximo foi no passado – apenas uma moda cultural, mas se torna cada vez mais uma urgência dramática e epocal que nos interpela sobre os riscos de uma vida ameaçada por uma catástrofe ecológica.

 

Daí a força de um título, “Mudar de rota”, que se configura como um verdadeiro imperativo que não admite atrasos. Daí a também a pertinência de um subtítulo, “O futuro no Antropoceno”, que deixa clara a imprudência de uma geração que olha para o presente, mas pouco para o futuro, ignorante como é do fato de que há décadas já entramos em uma nova era biológica e geológica, da qual, para o bem ou para o mal, é a própria humanidade quem determina a evolução e o destino.

 

Certamente, no nosso tempo, não faltam sobressaltos de consciência provocados por eventos meteorológicos excepcionais. Não é por acaso que a investigação de Morandini, físico e teólogo, professor de Teologia da Criação no Instituto de Estudos Ecumênicos San Bernardino de Veneza e na Faculdade Teológica do Triveneto, parte precisamente de um desses eventos, a água alta em Veneza.

 

Uma pesquisa nua, essencial, até mesmo impiedosa, introduzida com autoridade e recomendada no prefácio por um grande especialista em desenvolvimento sustentável, Enrico Giovannini, professor de Estatística Econômica na Universidade Tor Vergata e professor de Desenvolvimento Sustentável na Universidade Luiss de Roma, que não só nos adverte que seria um grave erro subestimar o poder da transformação em curso, mas também coloca debaixo dos nossos olhos a tarefa incontornável que nos espera, pois “cabe a nós decidir se essa transformação ocorrerá para o melhor ou para o pior” (p. 10).

 

Essa é também a razão pela qual Morandini imediatamente põe as cartas sobre a mesa e, depois dos três primeiros capítulos de caráter predominantemente informativo, “Ouverture: cartão-postal de Veneza” (pp. 11-17), “O clima do Antropoceno” (pp. 12-36), “Antropoceno: compreender a novidade” (pp. 37-52), no quarto, “Guardar a terra, cultivar o humano: ética da sustentabilidade” (pp. 53-83), ele identifica o núcleo ético da questão, abrindo-se, depois, ao caminho para os dois últimos: o quinto, “Que o Espírito renove a face da terra” (pp. 85-127), que põe em sintonia dialógica e inter-religiosa a ética com as contribuições mais recentes de várias religiões, e o sexto, “Mudar de rota” (pp. 129-169), que recupera os problemas ambientais ilustrados e denunciados nos três primeiros capítulos e os encaminha a uma solução por meio de uma série de propostas pontuais que põem novamente em campo não só a ética em termos gerais, mas também a exigência de formular normas concretas de comportamento, que correspondam, por um lado, aos dados eticamente relevantes recolhidos nos primeiros capítulos e, por outro, respondam à questão fundamental de uma ética da sustentabilidade à altura dos desafios: “Justiça e direitos: de quem é a terra?”.

 

Simone Morandini. Cambiare rotta. Il futuro nell’Antropocene. Bolonha: EDB, 2020, 176 páginas. (Foto: Divulgação)

 

Sim, de quem é a terra? E, sobretudo, como desvendar a complexidade da relação entre justiça e direitos? Normalmente, quando temos um problema, infelizmente esquecemos que as respostas quase sempre dependem do tipo de pergunta que nos fazemos ou nos é feita. Essa anotação é de carácter geral, mas também se adapta muito bem à ética no sentido de que, muitas vezes, no que se refere à procura de um desenvolvimento sustentável, muitos se fazem perguntas principalmente, senão exclusivamente, econômicas ou tecnológicas. Com o resultado de considerar as políticas públicas para o ambiente como questões meramente executivas, em que a abordagem ética parece supérflua, senão até frívola.

 

Obviamente, Morandini não pensa assim: o problema da sustentabilidade ambiental na sua perspectiva não é, em primeiro lugar, uma questão econômica, nem apenas tecnológica, mas ética ou, melhor, ético-política.

 

A tarefa (urgente) das religiões

 

Desse ponto de vista, o seu discurso visa a provocar uma reação nas pessoas que se declaram religiosas, lembrando a todos, particularmente aos cristãos, que se o ser humano faz estragos no planeta em que vive e não se preocupa com a dramática realidade que deixará para as gerações futuras, isso não se deve apenas a um vazio de valores, como muitas vezes se repete, mas também a uma carência de reflexão ética que, por sua vez, reflete a urgência de desenvolver a montante uma teologia da criação que esteja à altura não apenas de uma ética da responsabilidade, mas também esteja disposta e disponível a reelaborar em termos ético-políticos a contribuição e os estímulos que provêm de alguns importantes documentos e posições das principais religiões do mundo.

 

Que fique claro: a busca e a realização de um desenvolvimento sustentável não têm apenas uma dimensão ético-política, mas também econômica e tecnológica. Mas isso não basta, escreve Morandini nas suas “Conclusões: uma rota diferente é possível”: “É preciso ‘buscar’ de novo, traçando uma sustentabilidade possível, no diálogo entre tradições morais, culturais e religiosas diferentes, com inteligente criatividade – política, técnica e econômica – a ser desdobrada nas nossas cidades, nos âmbitos da pesquisa e da formação. A tarefa é árdua, e o sucesso não está garantido, mas quem sustenta a confiança nas potencialidades humanas é, mais uma vez, uma poderosa palavra da encíclica do Papa Francisco Laudato si’: ‘Caminhemos na esperança!’” (p. 172).

 

Esperança que não é apenas espera, mas também um compromisso de reflexão ético-política, que o autor, pessoalmente, assume, indicando a rota a seguir no grande mar dos modelos éticos que a nossa cultura nos oferece. Para alguns, o problema deveria ser enquadrado no âmbito de uma “ética da vida”, cuja evolução mais recente é o bem-estar dos indivíduos vivos. E isso está certo. Mas ai de nós se esquecermos que não se chega ao bem-estar dos indivíduos vivos apenas por meio de um progresso econômico radical, porque, se é isso o que se quer, então é inevitável que também suportemos as consequências que estamos sofrendo.

 

Para outros, o problema deveria ser enquadrado no âmbito de uma “ética da terra”, cuja última evolução é a integridade do ecossistema. E isso também está certo. Mas, mais uma vez, ai de nós se esquecermos que não se chega a garantir a integridade do ecossistema apenas por meio de um progresso tecnológico radical, porque, se é isso o que se quer, é inevitável suportar as consequências que justamente denunciamos.

 

Não é preciso muito, entretanto, para compreender que nem um nem outro ajudam muito na causa daqueles que, por sua vez, se preocupam em encontrar um justo equilíbrio entre o valor da vida nesta terra e o valor da terra para esta vida.

 

Esse equilíbrio deve ser totalmente reconstruído sob a insígnia de uma ética política da responsabilidade que se configura atualmente de formas e modos bem mais complexos e articulados que remetem, em última instância, no que diz respeito ao compromisso dos cristãos, a duas interrogações fundamentais.

 

A primeira: como se portar em relação à convicção de muitos pesquisadores e estudiosos da ética que consideram que o cristianismo é intrinsecamente hostil ao respeito pela natureza? Para essa primeira interrogação, o autor responde apelando para a encíclica Laudato si’, na qual o Papa Francisco esclarece definitivamente, espera-se, que o senhorio do ser humano sobre a natureza ou, como diz a Bíblia, sobre a criação não deve ser entendido no sentido da dominação, do poder absoluto, mas sim da custódia e da responsabilidade.

 

Como cristãos

 

Por outro lado, uma segunda interrogação é mais intrincada e espinhosa: o que significa hoje, como cristãos, ser protetores e responsáveis por uma natureza ou uma criação que é cada vez mais percebida e interpretada como uma comunidade biótica dentro da qual os seres vivos se condicionam inevitavelmente uns aos outros?

 

A essa interrogação, se compreendi bem, o autor responde delineando uma perspectiva ético-política em que não se vê tanto a necessidade de postular novos direitos para as plantas e os animais, mas é suficiente insistir nos deveres dos sujeitos humanos, estendendo o âmbito da ética até incluir no dever fundamental da custódia e da responsabilidade o planeta e quem nele habita.

 

Essa tese talvez não agradará muito aos ambientalistas e animalistas mais ardorosos, defensores de uma espécie de revolução metafísica, de transvalorização, senão até de inversão radical dos valores morais consolidados.

 

No entanto, não se pode deixar de reconhecer que ela é sustentada não só pelas várias confissões cristãs, mas também pelo consenso daqueles que, entre os pesquisadores envolvidos na reflexão ético-política, convidam a distinguir mais precisamente entre direitos/deveres prima facie, à primeira vista, e direitos/deveres existentes em termos gerais, mas que, em situações de conflito e dentro de circunstâncias bem específicas, não podem ser realizados por meio de outros direitos/deveres prioritários.

 

Leia mais