03 Mai 2021
Dois decretos (tecnicamente Motu proprio) em dois dias, pelo Papa Francisco, para garantir a transparência financeira e a justiça da Santa Sé e da Cidade de o Vaticano.
A reportagem é de Maria Antonietta Calabrò, publicada por Huffington Post, 30-04-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.
Ontem foi publicado o primeiro Motu Proprio, assinado em 26 de abril, precisamente nas mesmas horas em que o Comitê Moneyval, o comité de peritos em avaliação de medidas de combate à lavagem de capitais e financiamento do terrorismo do Conselho de Europa, adotou seu Relatório (ainda secreto) sobre o Vaticano.
O segundo Motu Proprio leva a data de 30 de abril de 2021. Com toda evidência trata-se de uma medida legislativa decidida nas últimas horas, após a conclusão do trabalho do Moneyval e visto que as avaliações internacionais para o Vaticano ainda não terminaram. O Relatório do Moneyval estará, de fato, sujeito a uma revisão adicional de sua qualidade e coerência pela rede global de Combate à Lavagem de Dinheiro / Financiamento de Terrorismo (AML/CFT) liderada pela Força-Tarefa de Ação Financeira (FATF/GAFI) e será possivelmente publicado em meados junho. O âmbito da avaliação inclui a conformidade técnica e a eficácia das medidas implementadas. Em relação à conformidade técnica, o Moneyval avaliou se as leis, regulamentos ou outras medidas exigidas estão em vigor no Vaticano e se o quadro de apoio institucional AML/CFT existe.
Evidentemente o que se fez até ontem não foi considerado suficiente em relação à eficácia das medidas, uma vez que o último Motu proprio se refere justamente a "mudanças na área de competência dos órgãos judiciais do Estado da Cidade do Vaticano", que permitirão ao Tribunal vaticano julgar também cardeais e bispos acusados de crimes. Em suma, ao Moneyval não bastou o que o próprio Papa anunciou na abertura do ano judicial do Vaticano em 27 de março de 2021, ou seja, que todos no Vaticano devem ser iguais perante a lei e que não há príncipes (os cardeais que até agora eram julgados pela Suprema Corte do Vaticano, após a autorização papal) e vassalos (todos os demais).
O fato de ter demorado mais de um mês desde aquele discurso para chegar ao novo decreto talvez seja uma indicação de mais do que uma pressão interna a favor e contra. Mas, ao mesmo tempo, da necessidade de proceder para obter uma avaliação positiva em nível internacional.
Desde o escândalo da compra do Prédio de Londres pela Secretaria de Estado (meados de 2019), aliás, mais dois outros "decretos" foram promulgados pelo Papa. A redação atual modifica novamente o ordenamento judiciário que remonta a pouco mais de um ano atrás, ou seja, em março de 2020. Enquanto em maio de 2020 havia sido publicado o novo código das licitações públicas. E mais recentemente, em fevereiro deste ano (2021), Francisco mudou o código penal do Vaticano, tornando mais fácil processar os crimes financeiros.
Em suma, esta medida dos últimos dois dias foi mais uma aceleração. Um sinal claro de que o Vaticano corria o risco de ainda ser considerado de alguma forma em risco quanto à transparência financeira.
Afinal, as demissões do cardeal Angelo Becciu (que decidiu a compra do Prédio de Londres quando era substituto da Secretaria de Estado) ocorreu poucos dias antes da chegada ao Vaticano dos inspetores do Moneyval (que também foram recebidos pelo Papa) para a segunda visita in loco após aquela de 2011 que antecedeu a primeira superação dos critérios de transparência internacional em 2012.
Neste ponto, se houver um reenvio a juízo nas próximas semanas em relação ao caso de Londres, em tese Becciu também poderia ser julgado pelo mesmo Tribunal dos demais enviados a juízo, o Tribunal presidido por Giuseppe Pignatone.
Por fim, depois do Motu proprio de ontem "sobre as finanças públicas", é expressamente proibido a cardeais e leigos possuir bens em países offshore, ou seja, com risco de lavagem de dinheiro, e todos poderão ser submetidos a investigações criminais e financeiras preventivas, graças também aos poderes de investigação da Secretaria da Economia que foram ampliados. Nele, o Papa proibiu, entre outras coisas, cardeais e funcionários dos diversos dicastérios de receber presentes acima de 40 euros. Uma disposição que corta pela raiz não só qualquer possível corrupção por atos contrários aos deveres do cargo, mas acima de tudo acaba com a cultura difundida da "mala" de presente, cuja prática no Vaticano tem sido muito mais ampla do que a da comum "maleta".
Envelopes, presentes de Natal, talvez de dezenas, senão centenas de milhares de dólares, que de alguma forma propiciaram coberturas não só para escândalos financeiros, mas também para aqueles de abusos sexuais. A prática emergiu em todo seu imenso potencial de corrupção nos escândalos do fundador dos Legionários de Cristo, Marcial Maciel, e mais recentemente na atividade do agora expulso ex-cardeal Theodore McCarrick (mesmo que o relatório do Vaticano sobre o caso negue qualquer ligação direta entre os dois: a generosidade do cardeal e sua capacidade de galgar todos os níveis da hierarquia, apesar dos rumores a seu respeito).
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Papa Francisco e as grandes “limpezas” no Vaticano por decreto - Instituto Humanitas Unisinos - IHU