02 Dezembro 2020
Conquistas globais da malária estão ameaçadas por lacunas de acesso, COVID-19 e falta de financiamento.
A reportagem é publicada por Organização Pan-Americana da Saúde - OPAS, 30-11-2020.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) está chamando os países e parceiros globais de saúde a intensificarem a luta contra a malária, uma doença evitável e tratável que continua causando centenas de milhares de mortes a cada ano. Um melhor direcionamento das intervenções, novas ferramentas e maior financiamento são necessários para mudar a trajetória global da doença e atingir as metas acordadas internacionalmente.
De acordo com o último relatório mundial da OMS sobre a malária, o progresso contra a doença continua estagnado, particularmente em países com alto índice de incidência na África. Lacunas no acesso a ferramentas que salvam vidas estão minando os esforços globais para conter a doença e se espera que a pandemia de COVID-19 atrase essa luta ainda mais.
“É hora de os líderes de toda a África - e do mundo - enfrentarem mais uma vez o desafio da malária, assim como fizeram quando lançaram as bases para o progresso feito desde o início deste século”, disse o diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus. “Por meio da ação conjunta e do compromisso de não deixar ninguém para trás, podemos alcançar nossa visão compartilhada de um mundo livre da malária”.
Em 2000, os líderes africanos assinaram a Declaração de Abuja, prometendo reduzir as mortes por malária no continente em 50% ao longo de um período de 10 anos. Um compromisso político robusto, juntamente com inovações em novas ferramentas e um aumento acentuado no financiamento, catalisou um período sem precedentes de sucesso no controle global da malária. De acordo com o relatório, 1,5 bilhão de casos de malária e 7,6 milhões de mortes foram evitados desde o ano 2000.
Em 2019, a contagem global de casos de malária foi de 229 milhões, uma estimativa anual que permaneceu praticamente inalterada nos últimos 4 anos. A doença ceifou cerca de 409 mil vidas em 2019, em comparação com 411 mil em 2018.
Tal como nos anos anteriores, a Região Africana suportou mais de 90% da carga geral da doença. Desde 2000, a região reduziu seu número de mortes por malária em 44% - de 680 mil para 384.000 anualmente. No entanto, o progresso diminuiu nos últimos anos, particularmente em países com uma alta carga da doença.
Um déficit no financiamento, tanto em nível internacional quanto doméstico, representa uma ameaça significativa para as conquistas futuras. Em 2019, o financiamento total para enfrentamento da malária atingiu US$ 3 bilhões, contra uma meta global de US$ 5,6 bilhões. A escassez de fundos levou a lacunas críticas no acesso a ferramentas comprovadas de controle da malária.
Em 2020, a COVID-19 surgiu como um desafio adicional para a prestação de serviços essenciais de saúde em todo o mundo. De acordo com o relatório, a maioria das campanhas de prevenção da malária conseguiu avançar este ano sem grandes atrasos. Garantir o acesso à prevenção da malária - como mosquiteiros tratados com inseticida e medicamentos preventivos para crianças – apoia a estratégia de resposta à COVID-19 ao reduzir o número de infecções por malária e, por sua vez, aliviar a pressão sobre os sistemas de saúde. A OMS trabalhou rapidamente para fornecer aos países orientação para adaptar suas respostas e garantir a prestação segura de serviços de malária durante a pandemia.
No entanto, a OMS está preocupada com o fato de que mesmo interrupções moderadas no acesso ao tratamento podem levar a uma perda considerável de vidas. O relatório conclui, por exemplo, que uma interrupção de 10% no acesso ao tratamento antimalárico eficaz na África Subsaariana pode levar a 19 mil mortes a mais. Interrupções de 25% e 50% na região podem resultar em 46 mil e 100 mil mortes adicionais, respectivamente.
“Embora a África tenha mostrado ao mundo o que pode ser alcançado se nos unirmos para erradicar a malária como uma ameaça à saúde pública, o progresso estagnou”, disse Matshidiso Moeti, diretor regional da OMS para a África. “A COVID-19 ameaça prejudicar ainda mais nossos esforços para superar a malária, particularmente tratando pessoas com a doença. Apesar do impacto devastador que a COVID-19 teve nas economias africanas, os parceiros internacionais e os países precisam fazer mais para garantir que os recursos estejam disponíveis para expandir os programas de malária que estão fazendo diferença na vida das pessoas.”
Uma estratégia chave para retomar o progresso é a resposta “Alta carga para alto impacto” (HBHI, sigla em inglês), catalisada em 2018 pela OMS e pela Parceria RBM para acabar com a malária. A resposta é liderada por 11 países - incluindo 10 na África Subsaariana - que respondem por aproximadamente 70% da carga mundial da malária.
Nos últimos 2 anos, os países que fazem parte da resposta HBHI têm se afastado de uma abordagem “padrão” para o controle da malária - optando, em vez disso, por respostas personalizadas com base em dados e inteligências locais. Uma análise recente da Nigéria, por exemplo, descobriu que, por meio de uma combinação otimizada de intervenções, o país poderia evitar dezenas de milhões de casos a mais e milhares de mortes adicionais até o ano de 2023, em comparação com uma abordagem usual.
Embora seja muito cedo para medir o impacto da abordagem HBHI, o relatório conclui que as mortes nos 11 países foram reduzidas de 263 mil para 226 mil entre 2018 e 2019. A Índia continuou a ter ganhos impressionantes, com reduções nos casos e mortes de 18% e 20%, respectivamente, nos últimos 2 anos. Houve, no entanto, um ligeiro aumento no número total de casos entre os países da resposta HBHI – uma estimativa de 155 milhões em 2018 para 156 milhões em 2019.
O relatório deste ano destaca os principais marcos e eventos que ajudaram a moldar a resposta global à doença nas últimas décadas. Começando na década de 1990, líderes de países afetados pela malária, cientistas e outros parceiros estabeleceram as bases para uma resposta renovada à malária que contribuiu para um dos maiores retornos sobre o investimento na saúde global.
De acordo com o relatório, 21 países eliminaram a malária nas últimas 2 décadas; destes, 10 países foram oficialmente certificados como livres da malária pela OMS. Diante da ameaça contínua de resistência aos medicamentos antimaláricos, os seis países da sub-região do Grande Mekong continuam a obter grandes ganhos em direção ao seu objetivo de eliminação da malária até 2030.
Mas muitos países com alto índice de malária estão perdendo terreno. De acordo com as projeções globais da OMS, a meta de 2020 para reduções na incidência de casos de malária será perdida em 37% e a meta de redução de mortalidade em 22%.
O trabalho da OMS em relação a malária é orientado pela Estratégia técnica global para a malária 2016-2030 (GTS), aprovada pela Assembleia Mundial da Saúde em maio de 2015. A estratégia inclui quatro metas globais para 2030, com marcos ao longo do caminho para acompanhar o progresso. As metas para 2030 são:
1) reduzir a incidência de casos de malária em pelo menos 90%;
2) reduzir as taxas de mortalidade por malária em pelo menos 90%;
3) eliminação da malária em pelo menos 35 países; e
4) prevenir o ressurgimento da malária em todos os países livres da doença.
Os marcos de curto prazo da estratégia, para 2020, incluem reduções globais na incidência de casos de malária e taxas de mortalidade de pelo menos 40% e a eliminação da malária em pelo menos 10 países. De acordo com o relatório, os marcos de 2020 para a incidência de casos de malária e taxas de mortalidade serão perdidos:
Desde 2014, a taxa de progresso em casos e mortes na região diminuiu, o que é atribuído principalmente à estagnação do progresso em vários países com transmissão moderada ou alta. Em 2019, seis países africanos foram responsáveis por 50% de todos os casos de malária: Nigéria (23%), República Democrática do Congo (11%), República Unida da Tanzânia (5%), Níger (4%), Moçambique (4%) e Burkina Faso (4%). Levando em consideração as tendências recentes, a Região Africana perderá os marcos da estratégias 2020 para incidência de casos e mortalidade em 37% e 25%, respetivamente.
Lançado em novembro de 2018, a HBHI se baseia no princípio de que ninguém deve morrer devido a uma doença que pode ser prevenida e tratada. É liderado por 11 países que, juntos, foram responsáveis por aproximadamente 70% da carga mundial de malária em 2017: Burkina Faso, Camarões, República Democrática do Congo, Gana, Índia, Mali, Moçambique, Níger, Nigéria, Uganda e República Unida da Tanzânia. Nos últimos dois anos, todos os 11 países da HBHI implementaram atividades em quatro elementos de resposta: 1) vontade política para reduzir a taxa da malária; 2) informações estratégicas para impulsionar o impacto; 3) melhor orientação, políticas e estratégias; e 4) uma resposta nacional coordenada à malária.
Entre 2000 e 2019, 10 países receberam a certificação oficial da OMS de eliminação da malária: Emirados Árabes Unidos (2007), Marrocos (2010), Turcomenistão (2010), Armênia (2011), Quirguistão (2016), Sri Lanka (2016), Uzbequistão (2018), Paraguai (2018), Argentina (2019) e Argélia (2019). Em 2019, a China notificou zero casos indígenas de malária pelo terceiro ano consecutivo; o país solicitou recentemente a certificação oficial da OMS para eliminação da malária. Em 2020, El Salvador se tornou o primeiro país da América Central a se inscrever para a certificação de livre de malária da OMS.
Nos seis países da sub-região do Grande Mekong - Camboja, China (Província de Yunnan), República Democrática Popular do Laos, Mianmar, Tailândia e Vietnã - o número relatado de casos de malária caiu 90% de 2000 a 2019, enquanto os casos P. falciparum diminuíram 97% no mesmo período. Esta diminuição acelerada da malária por P. falciparum é notável em vista da ameaça representada pela resistência aos medicamentos antimaláricos na sub-região.
Um apelo à inovação - a eliminação da malária em todos os países, especialmente aqueles com uma elevada carga de doenças - provavelmente exigirá ferramentas que não estão disponíveis hoje. Em setembro de 2019, o diretor-geral da OMS emitiu um “desafio da malária”, chamando a comunidade global de saúde a aumentar o investimento em pesquisa e desenvolvimento de novas ferramentas e abordagens de combate à malária. Esta mensagem foi ainda mais reforçada no relatório de abril de 2020 do grupo consultivo estratégico da OMS sobre a erradicação da malária.
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OMS pede ação revigorada para combater a malária - Instituto Humanitas Unisinos - IHU