20 Novembro 2020
Encontrar soluções para a pandemia da Covid-19 é um desafio para todos, mas especialmente em cenários já complicados pela pobreza e marginalização, como é o caso na América Latina. Nesta conjuntura, a Pontifícia Comissão para a América Latina (CAL), a Pontifícia Academia de Ciências Sociais (PASS) e o Conselho Episcopal Latino-Americano (CELAM) organizaram um seminário virtual que, durante dois dias, 19 e 20 de novembro, está refletindo sobre "América Latina: Igreja, Papa Francisco e Cenários da Pandemia".
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Sabendo que não existem receitas a médio prazo, a Igreja Católica, com o Papa Francisco à frente, enfatizou que estamos todos no mesmo barco e a partir daí devemos buscar em solidariedade e amor pelo próximo, essa proximidade e essas forças para sobreviver a esse infortúnio global. Por esta razão, do continente de esperança, onde a pandemia aprofundou as assimetrias e a marginalidade, queremos fazer uma chamada para sobreviver e retomar um caminho em um cenário de mudança estrutural.
Seminário virtual. (Foto enviada por Luis Miguel Modino)
Como seu presidente declarou em suas palavras de boas-vindas, "a CAL acompanha com profunda preocupação a situação que nosso continente, duramente atingido pela pandemia, está passando", o que motivou a organização do seminário virtual, "com o objetivo de propor soluções para os problemas que estão surgindo a partir de seus efeitos devastadores". Em suas palavras, o cardeal Oullet destacou a palavra firme e corajosa do Papa Francisco, que "mostra que a Covid-19 ampliou a brecha social em que o povo vive, devido à injustiça, a discriminação, que somada às condições dos serviços de saúde, provoca os sentimentos de incerteza que permanecem entre a população mais pobre".
O cardeal endossou a preocupação do Santo Padre "com os povos afetadas pela mudança climática, o que aumenta os efeitos da pandemia em áreas como a Amazônia, com uma população urbana e rural que em muitos casos é privada de serviços básicos indispensáveis". Ele também destacou os aspectos negativos da corrupção e dos aspectos denigratórios que têm estado presentes na gestão da crise, que não é apenas sanitária, mas também social e econômica.
Como bênção, Dom Marcelo Sánchez Sorondo lembrou o texto do cântico de Isaías (Is. 2:2-5), no qual uma sociedade mundial de paz, justiça e verdade pode ser vislumbrada. Em suas palavras, o Chanceler da Pontifícia Academia de Ciências Sociais salientou que, no momento atual, marcado por diferentes conflitos, o texto é válido se quisermos aplicá-lo e, para caminhar no caminho do profeta, temos que buscar a paz com tudo o que o homem tem à sua disposição, sem esquecer a necessidade da oração de petição e reconhecimento do Senhor.
O seminário também teve a contribuição do Papa Francisco que, através de uma mensagem em vídeo, mostrou seu desejo de que "possa inspirar caminhos, despertar processos, criar alianças e promover todos os mecanismos necessários para garantir uma vida digna para nossos povos, especialmente os mais excluídos, através da experiência da fraternidade e da construção da amizade social". O Papa enfatizou que "a pandemia da Covid ampliou e tornou mais evidentes os problemas socioeconômicos e as injustiças que já estavam afetando seriamente a América Latina como um todo, e ainda mais para os mais pobres".
Vídeo mensagem do Papa Francisco. (Foto enviada por Luis Miguel Modino)
Segundo Francisco, "o vírus nos lembra que a melhor maneira de cuidar de nós mesmos é aprender a cuidar e proteger aqueles que nos rodeiam", ressaltando que "os povos latino-americanos nos ensinam que são pessoas com almas que souberam enfrentar as crises com coragem". É por isso que ele pede para sair "em busca daqueles que clamam por ajuda, do jeito do Bom Samaritano, abraçando os mais fracos".
A ação pastoral da Igreja tem sido a contribuição de Dom Miguel Cabrejos que partiu da ideia de que a Covid-19 mostrou "as fraturas, as desigualdades e o fracasso do modelo predominante de desenvolvimento", uma postura defendida pelo Papa Francisco. Para o presidente do CELAM é necessário "garantir a saúde como um bem público social de alcance universal, como um direito humano legítimo", para superar "o paradigma baseado unicamente no desejo de lucro".
Dom Miguel Cabrejos. (Foto enviada por Luis Miguel Modino)
Em suas palavras, Dom Cabrejos retomou ideias do Papa Bento XVI, que em Aparecida afirmou que "a opção preferencial pelos pobres está implícita na fé cristológica" e de Fratelli Tutti, que nos chama para promover "amizade social" e "fraternidade universal", assim como de Evagelii Gaudium e Laudato Si'. O que ele considera "três grandes documentos magisteriais" é algo que está sendo tratado no Processo de Renovação e Reestruturação do CELAM, e também está presente na Conferência Eclesial da Amazônia - CEAMA, considerada uma estrutura sem precedentes na Igreja, sendo temas que serão tratados na próxima Primeira Assembleia Eclesial sobre Aparecida "Memória e Desafios", programada para novembro de 2021 no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, México.
A pandemia na América Latina teve graves consequências, com 10 milhões de infectados e mais de 400 mil mortos, o que mostra "inúmeras vulnerabilidades em toda a região", segundo o Arcebispo de Trujillo, Peru, afetando sobretudo "os mais pobres e as comunidades que já se encontravam em situação crítica", que sofrem com a falta de alimentos e remédios. A pandemia trouxe desemprego, falta de recursos econômicos, algo que a Igreja tem tentado mitigar com diferentes iniciativas. O desafio é a fraternidade, promovendo uma aliança entre ciência, ética e política, cuja base é um novo pacto pela vida, uma vida com um "gosto do Evangelho".
O presidente do CELAM relacionou a ação pastoral que está sendo realizada neste momento de pandemia, em colaboração com as igrejas dos diferentes países, concentrando-se na vacina para todos, segura e comprovada eticamente. Neste sentido, em vista da fraqueza dos sistemas de saúde em alguns países, ele propôs a necessidade de "uma plataforma colaborativa de ação e coordenação logística da ação territorial através das Conferências Episcopais". Não podemos esquecer a responsabilidade de todos, das famílias, das comunidades locais, sem perder de vista o global, buscando sempre "ações concretas por parte dos países e comunidades para acolher, proteger, promover e integrar a todos, especialmente os mais vulneráveis".
Do mundo político, Alicia Bárcena, secretária executiva da CEPAL, destacou desde o início os esforços do Santo Padre e do Vaticano para "salvaguardar o direito internacional, o multilateralismo, a cooperação internacional e civilizar a relevância da solidariedade", enfatizando a necessidade de "superar o desinteresse pelo bem comum que nos foi imposto pelo neoliberalismo", algo que foi deixado claro por uma crise que revelou as desigualdades pré-existentes na América Latina. Estamos em uma região extremamente frágil diante dos desastres naturais, onde "os efeitos da mudança climática estão nos atingindo", segundo Bárcena, que insistiu na necessidade de justiça climática.
Alicia Bárcena, secretária executiva da CEPAL. (Foto enviada por Luis Miguel Modino)
Estamos enfrentando uma crise, que será muito mais longa do que esperamos, que afeta especialmente as mulheres, que viram a violência doméstica aumentar, segundo a secretária executiva da CEPAL. Em vista desta situação, ela fez uma série de propostas concretas para ajudar a superar este momento, na região mais desigual do mundo e a mais afetada pela pandemia. Para isso, é necessário mudar os caminhos diante de uma crise sistêmica, na qual a ação pública é fundamental para a transformação, apesar do fato de que, como ela denunciou, a resposta pública foi insuficiente.
Por esta razão, ela vê a necessidade de uma sinergia entre políticas que se tornam a base de um processo de desenvolvimento, igualdade para o crescimento, substituindo a cultura do privilégio por uma cultura de igualdade, defendendo a necessidade de uma mudança de rumo, de ações redistributivas decisivas. Neste sentido, ela destacou que "a austeridade castiga sempre os mais pobres" e defendeu o papel de liderança dos jovens, assim como a necessidade de buscar a verdade da ciência, da ética e da política, promovendo tudo o que favorece os acordos.
A importância da Amazônia é decisiva no futuro do planeta, algo que se manifesta, segundo Carlos Nobre, no fato de ser um depósito de carbono, uma fonte de água e biodiversidade, e nas centenas de grupos étnicos com línguas e culturas diferentes. Uma região que décadas atrás era vista como um inferno verde, agora passou a ser considerada um paraíso verde, de acordo com o cientista brasileiro. Ele adverte sobre o risco de savanização, resultado do desmatamento, sob um modelo de governo que está destruindo grande parte da região.
Na verdade, estamos próximos do que os cientistas chamam de ponto de não retorno, que afetaria todo o planeta, algo que já estamos vendo com o derretimento dos polos e das geleiras, secas cada vez mais frequentes e prolongadas, chuvas cada vez mais torrenciais, aquecimento global, exemplos de eventos extremos cada vez mais frequentes, causando, segundo o perito do Sínodo da Amazônia, um aumento da taxa de mortalidade das espécies, ou desertificação, entre outros fenômenos.
Isto poderia levar a novas pandemias da Amazônia. De fato, como afirma o Prêmio Nobel de 2007, existem vírus conhecidos do mundo científico que estão presentes na Amazônia, que poderiam custar muitas vidas, mas que poderiam ser corrigidos cuidando da crise climática. Estes são vírus que são atualmente hospedados por alguns animais, mas que podem ser transmitidos aos humanos à medida que a degradação dos habitats naturais continua. Diante disso, é necessário pensar em soluções contra o desmatamento, descobrir as vantagens de uma biodiversidade protegida, promover a sustentabilidade, a bio-industrialização, a sócio-bio-economia, um acordo ecológico para a Amazônia, insiste Nobre.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A pandemia nos desafia a "acolher, proteger, promover e integrar a todos e todas, especialmente os mais vulneráveis”, afirma Dom Miguel Cabrejos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU