03 Agosto 2020
Alimento, um direito esquecido. Por que garantir alimento de forma completa e eficaz "implica um sistema de direitos muito mais amplo que a simples segurança alimentar".
Andrea Stocchiero, gerente de políticas da Focsiv, afirma que vista da "periferia" a pandemia está colocando em risco o direito à alimentação. Descobrimos que não se consegue sobreviver na "economia informal".
A entrevista com Andrea Stocchiero é editada por Luca Geronico, publicada por Avvenire, 02-08-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Onde está o erro de base neste desenvolvimento que cria "invisíveis sem pão"?
Nós, ocidentais, esta é a primeira leitura, pensamos imediatamente que em alguns contextos, devido à sua história, faltam o estado de bem-estar e a rede de serviços no país como saúde e educação. A outra leitura, que vem do hemisfério sul (vamos pensar, por exemplo, no Majid Rahnema iraniano ou na experiência de Dominique Lapierre) é que nesses países havia anteriormente um sistema de proteção social diferente que, graças a uma forte coesão social dava a todas as pessoas a oportunidade de ter uma vida digna: alimento para todos, mas também dignidade em termos de educação e saúde.
A colonização e a invasão do mercado fragmentaram esse sistema das comunidades locais, criando um grande vazio. O que algumas de nossas ONGs estão tentando fazer hoje é reconstruir, partindo de baixo. Nesse vazio, se sustentam as possibilidades de resposta aos choques cada vez mais frequente que vêm de fora, seja uma pandemia ou grandes investimentos que expulsam as comunidades ou impõem monoculturas.
E agora descobrimos que dezenas e dezenas de milhões de pessoas em poucas semanas acabaram em situação de insegurança alimentar. Mas, se conseguíssemos dar comida a todos, teríamos garantido o direito ao alimento?
O direito à alimentação é muito mais profundo do que apenas a segurança alimentar: esta última consiste em criar as condições para a produção de alimentos e sua distribuição. Mas, para ter condições permanentes de acesso e disponibilidade de alimentos, é preciso dar um salto qualitativo. O direito à alimentação pede para conhecer as específicas condições sociais e econômicas das comunidades ameaçadas pela insegurança alimentar. Por exemplo, os povos indígenas não têm um problema de produção e distribuição de alimentos, mas são colocados em risco quando são rompidos seus tradicionais equilíbrios sociais. O direito à alimentação, para a população indígena, significa garantir o direito à terra, não ser obrigados a uma urbanização forçada e não ter que depender de ajudas. O direito à terra, à educação e à saúde prefiguram um sistema de direitos que, consequentemente, garante o direito à alimentação. Caso contrário, tudo é delegado às ajudas estatais, à beneficência em sentido de dependência ou ao mercado.
A Campanha Caritas-Focsiv visa distribuir alimentos em áreas de crise, mas como podemos combater essa pobreza de alimentos na raiz, como podemos dar o "salto qualitativo"?
Quem coopera agora aprendeu que apoiar o direito à alimentação não significa tanto distribuir a comida, o que certamente deve ser feito em uma emergência como essa. Quando o problema é estrutural, cooperar significa apoiar as lutas dessas comunidades locais, dos agricultores, dos indígenas para que seus direitos sejam reconhecidos. As intervenções de nossos organismos fazem sentido quando estão ao lado daquelas das comunidades locais para dar apoio a seus esforços. Os nossos projetos, incluindo a distribuição durante uma emergência, se inserem em comunidades com as quais existe uma relação de várias décadas e, portanto, é apoiada sua emancipação para ter educação, saúde e uma renda digna. Nossos projetos de intervenção contra o Covid estão dentro desses percursos.
E quando, em escala global, poderemos enveredar por um novo modelo de desenvolvimento?
Quando as regras do mercado mudarem e o Estado reativar políticas que equilibram as desigualdades.
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“Segurança alimentar não basta: o alimento exige uma série de direitos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU