04 Mai 2020
O quilômetro 108 da BR-277, rodovia federal que atravessa o Paraná de leste a oeste, foi palco de um massacre cometido contra trabalhadores e trabalhadoras sem terra durante o governo Jaime Lerner (1994 a 2002). O crime ocorreu no dia 2 de maio de 2000, quando a Polícia Militar assassinou com um tiro o agricultor Antônio Tavares Pereira, 38 anos, pai de cinco filhos. A violência policial ainda deixou cerca de 300 feridos.
A reportagem é publicada por Brasil de Fato, 02-05-2020.
Na ocasião, cerca de 50 ônibus com mais de dois mil integrantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) seguia para a capital, rumo à Marcha pela Reforma Agrária, organizada em comemoração ao 1º de Maio - Dia dos Trabalhadores e das Trabalhadoras. Os policiais bloquearam a pista e impediram comboio de seguir viagem, no trecho entre as cidades de Campo Largo e Curitiba. Antes de haver qualquer tipo de negociação, agentes da PM atiraram em direção aos trabalhadores. Antônio Tavares foi atingido pelo policial militar Joel de Lima Santa Ana, e faleceu no mesmo dia.
Somente em 2012, o Tribunal de Justiça do Paraná condenou o Estado do Paraná pelo assassinato de Antônio Tavares. O policial que disparou o tiro, no entanto, não foi responsabilizado. No local do massacre, um monumento criado pelo arquiteto Oscar Niemeyer homenageia o trabalhador e todas as vítimas do latifúndio.
No local do massacre, um monumento criado pelo arquiteto Oscar Niemeyer homenageia o trabalhador e todas as vítimas do latifúndio. (Foto: Wellington Lenon/MST)
A morte e toda violência ocorrida na BR 277 não foram um fato isolado naquele período. As duas gestões de Lerner à frente do governo do Paraná tiveram como característica o elevado índice de violência contra trabalhadores rurais. “Foram os oito anos mais duros no MST no Paraná. Muitos assassinatos, muito sangue, muita agressão, muito despejo, tortura. Foram, realmente, oito anos muito difíceis”, relembra José Damaceno, integrante da direção do MST que fazia parte da linha de frente da organização naquele contexto.
Entre 1994 e 2002 ocorreram 502 prisões de agricultores, 324 lesões corporais, 7 trabalhadores vítimas de tortura, 47 ameaçados de morte, 31 tentativas de homicídio, 16 assassinatos, 134 despejos violentos e 1 sequestro. Os dados fazem parte de uma denúncia enviada pelas entidades Terra de Direitos, Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra (CPT) e pelo próprio MST à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), em 2003. Os números explicam por que o governador ficou conhecido como “Arquiteto da Violência”, alcunha que dá título a um documentário produzido na época.
Investigações apontaram que as inúmeras situações de violência foram cometidas parte pelo braço armado do Estado, parte por milícias privadas de fazendeiros e da União Democrática Ruralista (UDR).
Neste sábado (2), comunidades do MST em todas as regiões do Paraná vão iniciar hortas e agroflorestas comunitárias, que serão batizadas com o nome de Antônio Tavares. Além do cultivo da memória do agricultor, a iniciativa fará parte da continuidade das ações de solidariedade e autossustento durante a pandemia do novo coronavírus. Desde o início da crise, o MST do Paraná doou mais de 84 toneladas de alimentos em todo o estado.
Para José Damaceno, batizar as hortas com o nome do companheiro assassinado será uma homenagem compatível com sua prática: “Ele tinha como marca da sua militância a defesa da produção de alimentos. Por isso é muito forte o sentido das nossas hortas levarem o nome do Antônio Tavares”.
Além de se somar na luta pela terra e pela criação de novos assentamentos, Tavares era assentado da reforma agrária em Candói e fazia parte do Sindicato dos Trabalhadores Rurais da cidade, dedicando-se também à luta pelos direitos dos pequenos agricultores. “São esses elementos que mantêm ele cada vez mais vivo no meio da nossa militância. Uma memória que já passou para a eternidade”, garante Damaceno.
Ângela Gonçalves, integrante da coordenação do acampamento Resistência Camponesa, de Cascavel, apresenta as iniciativas de produção coletiva de alimentos como adubo para a memória de Tavares, e também para reforçar a viabilidade de um modelo que se opõe ao agronegócio: “Existe outra alternativa de agricultura. Uma agricultura que a gente consiga viver com mais tranquilidade, sem agredir o planeta e dela ser sustentável, compreendendo que todos nós fazemos parte dessa natureza. Por isso temos o compromisso e o dever de preservar e conseguir sobreviver”.
A Agrofloresta Antônio Tavares trará os frutos da luta e da resistência em Cascavel. O plantio ocupará uma área de 10 mil metros quadrados ao lado do local onde ocorria a Vigília Resistência Camponesa: por Terra, Vida e Dignidade, que denunciou as ameaças de despejo enfrentadas pelas famílias acampadas na região. A ação será no acampamento Resistência Camponesa, com participação dos acampamentos 1º de Agosto e Dorcelina Folador, e do assentamento Valmir Mota. A criação da agrofloresta vai se somar à campanha nacional do MST para o plantio de 10 milhões de árvores até 2029.
As famílias do Acampamento Sebastião Camargo e do Assentamento Antônio Companheiro Tavares realizam a entrega de mais alimentos livres de veneno na Comunidade Guanabara. São os produtos da reforma agrária saídos diretamente da roça das famílias Sem Terra para cerca de 120 famílias que precisam de apoio neste momento difícil.
O acampamento Maria Rosa do Contestado já tem certificação de produção 100% agroecológica em toda a comunidade, com cultivo de uma diversidade expressiva de alimentos. Neste sábado, a comunidade vai destinar 6 mil metros quadrados da área para a criação da horta Antônio Tavares, para avançar no autossustento das famílias e na doações de alimentos durante a pandemia.
Famílias moradoras do acampamento Fidel Castro farão um mutirão de plantio das mudas e inauguração do Centro de Produção de Alimentos Saudáveis Antônio Tavares. O espaço tem sido preparado há algumas semanas, com o objetivo de garantir a produção coletiva para venda e doação de alimentos agroecológicos.
As famílias moradoras do acampamento Herdeiros da Luta de Porecatu farão a inauguração de um monumento em homenagem a Antônio Tavares, que já leva o nome de um dos bairros da comunidade. O coletivo de juventude também fará o plantio simbólico de uma árvore no monumento, inaugurando assim a campanha de Plantar árvores, produzir alimentos saudáveis no acampamento.
As famílias do acampamento Mãe dos Pobres darão início a uma horta comunitária com cerca de 1000 metros quadrados. A comunidade vai plantar 1.600 mudas e uma diversidade de sementes.
O Acampamento Valdeir Roque iniciará a horta comunitária Antônio Tavares, com 5 mil metros quadrados. O plantio vai para garantir doações de alimentos à população carente da cidade e também para o consumo da própria comunidade. Cerca de 40 famílias vivem na área, ocupada em 2015.
Uma horta comunitária também será criada no acampamento Claudete Vive, formado por 65 famílias. Com dois anos de formada, a comunidade já conseguiu fazer uma doação de 1,5 tonelada de alimentos a famílias que já passam por dificuldades na cidade.
O acampamento Encontro das Águas dará início a uma horta comunitária de 5 mil metros, que será batizada como o nome de Antônio Tavares. A comunidade é formada por 90 famílias e existe há 3 anos, na luta e na produção de alimentos.
O acampamento Nova Aliança vai iniciar a horta comunitária Antônio Tavares, com 5 mil metros. Cerca de 70 famílias vivem e constroem a comunidade há 5 anos.
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Assassinato do camponês Antônio Tavares pela PM do Paraná completa 20 anos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU