17 Abril 2020
"Mesmo no caso de uma situação clínica inevitável de triagem, devem ser considerados e seguidos os aspectos fundamentais da ética e da moral no campo da medicina", escreve Martin M. Lintner, padre servita italiano, professor de Ética Teológica no Estúdio Filosófico-Teológico Acadêmico de Bressanone e autor de, entre outros, “La riscoperta dell’eros” [A redescoberta do Eros] (EDB, 2015) e “Cinquant’anni di Humanæ vitæ” [Cinquenta anos da Humanæ vitæ] (Queriniana, 2018), em artigo publicado por Il Regno, 14-04-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Até pouco tempo atrás, o termo “triagem” era conhecido apenas aos especialistas em medicina e em ética. Agora, de repente, em cada vez mais países, os médicos se deparam com esta decisão: a quem fornecer um respirador e a quem não? Quem recebe um leito na UTI e quem não?
A triagem é um procedimento de alocação de recursos médicos, a fim de ajudar o maior número possível de pacientes do modo mais eficiente possível. Em situações com um número inesperadamente elevado de pacientes e, ao mesmo tempo, com recursos médicos limitados, que não permitem um tratamento adequado para todos os pacientes, é inevitável estabelecer prioridades, decidindo a quem cabem com mais urgência os cuidados intensivos e quem, em vez disso, deve ser submetido a cuidados de nível subordinado.
Deve-se levar em conta que, também para os médicos, as decisões de triagem não fazem parte das suas tarefas habituais e podem ser particularmente exigentes. Para aliviar as pessoas envolvidas de uma parte substancial do ônus pessoal das suas decisões, a triagem deveria ser realizada de acordo com o princípio do controle múltiplo. Portanto, as decisões deveriam ser tomadas por uma equipe de triagem composta por pelo menos dois médicos da UTI e uma enfermeira, se possível com mais especialistas.
A triagem, além disso, deve ser realizada com base em critérios claramente definidos. Estes devem ser expostos, comunicados e discutidos de modo transparente, a fim de alcançar o mais amplo consenso social possível e fornecer segurança aos pacientes e às suas famílias. Ambos os aspectos – o consenso social e a sensação de segurança – são necessários para garantir a confiança no sistema de saúde, que só pode funcionar – especialmente em uma situação tão excepcional – como sistema de solidariedade.
Mesmo no caso de uma situação clínica inevitável de triagem, devem ser considerados e seguidos os aspectos fundamentais da ética e da moral no campo da medicina.
Os princípios de justiça e de equidade requerem que os prognósticos mais individualizados possíveis continuem sendo os fatores decisivos, mesmo em uma situação de triagem. Isso significa que as medidas continuarão sendo adotadas seguindo, em primeiro lugar, critérios médicos e que se deverá levar em conta a vontade e as efetivas condições clínicas de um paciente.
Continuam sendo essenciais a indicação médica e o prognóstico com base em diversos parâmetros de diagnóstico, aos quais pertencem, por exemplo, idade, doenças anteriores, função dos órgãos, valores de laboratório etc.
Nas terapias intensivas, avaliam-se também as probabilidades de sucesso e as porcentagens de risco. O ethos médico veta toda forma de discriminação de determinados grupos de pacientes e de idades. Mesmo que, como dito anteriormente, a idade também deve ser considerada para o prognóstico, ela não representa por si só um critério de exclusão de um tratamento, nem mesmo em vista de maximizar a eficiência dos recursos médicos.
Mas o que se deve fazer se circunstâncias excepcionais não permitem mais que o doente receba a melhor e mais promissora terapia possível? Tal situação de dilema moral pode ocorrer pela necessidade tanto de considerar as exigências terapêuticas dos outros pacientes, quanto de garantir o funcionamento contínuo do sistema de saúde como um todo.
Mesmo nessas situações, como máxima, é preciso aplicar os princípios acima mencionados. Isso significa que qualquer disparidade de tratamento deve ser justificada por critérios médicos, como a urgência e as perspectivas de sucesso.
Como proceder, portanto, em uma situação de extrema urgência, quando – por exemplo, por causa da falta de tempo – não é possível verificar adequadamente em diversos pacientes hospitalizados ao mesmo tempo aspectos essenciais como a urgência, a possibilidade de sucesso das terapias intensivas, a probabilidade de sobrevivência e assim por diante?
Nesse caso, parece-me eticamente legítimo pressupor que a idade avançada tem um efeito desfavorável no sucesso terapêutico.
Estamos diante de outro dilema moral quando nos perguntamos se o tratamento em terapia intensiva de um paciente com um prognóstico desfavorável pode ser interrompido para tratar outro paciente com um prognóstico mais favorável.
Acredito que, nas condições de triagem – sempre de acordo com o princípio da justiça –, a motivação para continuar uma terapia intensiva de um paciente com prognóstico desfavorável deve estar sujeita à obrigação de motivação também em relação às necessidades médicas de outros pacientes.
Nesse caso, a proporcionalidade da continuação do tratamento em terapia intensiva não se baseia apenas em uma atenta avaliação do decurso terapêutico e da indicação médica, mas também deve estar relacionada com as exigências médicas dos pacientes com prognósticos mais favoráveis.
No entanto, é importante que os pacientes aos quais, em tal situação de extrema emergência médica, não se continue ou se inicie uma terapia intensiva recebam os melhores cuidados paliativos e pastorais possíveis e não sejam abandonados a si mesmos.
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O cuidado na emergência: o dilema moral da triagem. Artigo de Martin Lintner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU