17 Março 2020
Como as mulheres podem convencer uma cultura clerical a promulgar reformas que diminuam o status e acabem com a exclusividade dos próprios clérigos?
O texto é publicado por National Catholic Reporter, 16-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Quando declarou que havia vivido uma conversão e agora era um defensor das mulheres que buscavam papéis de liderança na Igreja global, o cardeal indiano Oswald Gracias devia saber que essas palavras não seriam as últimas sobre o assunto.
Gracias fez esses comentários durante uma entrevista do dia 21 de fevereiro com o correspondente do NCR no Vaticano, Joshua McElwee. Gracias não é qualquer cardeal. Arcebispo de Mumbai, ele também é presidente da Conferência dos Bispos da Índia e membro do Conselho de Cardeais do Papa Francisco.
Razoavelmente, pode-se concluir que a sua conversão à causa é mais um passo na caminhada muitas vezes dolorosamente lenta rumo à inevitabilidade de que as mulheres no mundo católico possam, em algum momento, ser restauradas ao status apropriado daquelas que foram as primeiras a testemunhar o túmulo vazio.
Mas a assustadora pergunta – como ir daqui até lá? – paira sobre as melhores intenções.
E há muito a superar. Afinal, foi da imaginação de uma cultura totalmente masculina, celibatária, sigilosa que surgiram tais ideias sobre as mulheres como homens malformados, sedutoras, o equivalente a contêineres férteis, incubadoras ambulantes, o sexo inferior frágil e tolo. As mulheres eram definidas antigamente por um antigo lema clerical masculino: “Aut maritus, aut murus” (ou um marido ou os muros do claustro).
Tentativas mais recentes de entendimento descobriram que os celibatários masculinos extasiavam-se sobre os esplendores da virgindade, expondo teorias tortuosas sobre o “gênio feminino” e explicando, com tom paternalista, nos tons mais sinceros que conseguiam, como a ordenação nada tem a ver, na realidade, com o poder, mas tudo a ver com o serviço.
A realidade, facilmente observável, é que a maior parte do serviço na Igreja, especialmente na forma de ministério e ensino, é realizada por mulheres. O poder de decidir reside quase exclusivamente (existem raras exceções) nos homens ordenados.
As lideranças leigas da Igreja, cuja maioria são mulheres, assumiram uma responsabilidade abundante, mas têm pouca autoridade para decidir o modo como exercê-la.
Gracias estava falando principalmente sobre o fato de dar reconhecimento às mulheres que assumiram a maior parte da liderança nas paróquias e dioceses. Ele admitiu que a hierarquia da Igreja tem um preconceito contra a atribuição de papéis de liderança às mulheres na Igreja e disse que ele e outros devem “abandonar esse preconceito”.
“Agora, eu sou um defensor dos direitos das mulheres na Igreja”, disse ele. “Eu simpatizo com o porquê pelo qual as mulheres estão pedindo mais direitos.”
Não demorou muito para que as mulheres na Índia aderissem ao cardeal e se oferecessem para ajudá-lo em sua nova causa. Ele recebeu um memorando de três páginas assinado por cerca de 150 mulheres católicas na Índia, uma Igreja que, em 2010, aprovou uma política de gênero considerada a primeira de seu tipo na Igreja global, que “rejeita todos os tipos de discriminação contra as mulheres por ser contrária às intenções e aos propósitos de Deus”.
O memorando das mulheres pede “mudanças nas políticas, nas práticas e nas estruturas da Igreja, para que as mulheres possam participar plenamente da liderança”.
O trabalho pesado, é claro, será encontrar apoiadores que pensem da mesma forma na cultura clerical masculina, que reconheçam que “discriminação” é o termo que descreve o tratamento dado às mulheres na Igreja.
Essa é a premissa fundamental do memorando: “As mulheres continuam sendo discriminadas, mantendo-as fora dos órgãos decisórios da Igreja, que são controlados por clérigos. As mulheres não têm voz na formulação de políticas que moldam a liturgia, o culto, a teologia e as práticas da Igreja, incluindo aquelas que afetam suas próprias vidas”.
Essa é uma descrição muito clara do desacordo essencial. E o antigo dilema permanece: como as mulheres podem convencer uma cultura clerical cujos membros afirmam que a sua ordenação, disponível apenas para homens, concede-lhes um status separado dos outros seres humanos a promulgar reformas que diminuam esse status e acabem com essa exclusividade?
Gracias assumiu uma tarefa formidável.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Como as mulheres podem convencer uma cultura clerical e machista a mudar? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU