30 Janeiro 2020
Francisco está lentamente preenchendo a hierarquia estadunidense com bispos que refletem seus valores e prioridades.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 29-01-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Como arcebispo da Filadélfia, Charles Chaput não tinha medo de seguir uma linha diferente do papa sobre questões enfrentadas pela Igreja. Em 2016, depois que o Papa Francisco abriu a possibilidade de Comunhão para católicos divorciados e em segunda união, Chaput acrescentou uma condição: em sua diocese, tais casais que desejassem receber a Eucaristia teriam que se abster do sexo.
Mais recentemente, ele criticou o Pe. James Martin, um sacerdote jesuíta com quem o papa se encontrou e incentivou em seu ministério aos católicos LGBTQ.
Um bispo católico, mesmo que discorde de um novo papa, não pode ser simplesmente demitido e substituído. O papa deve esperar até que o bispo chegue à aposentadoria aos 75 anos de idade antes de nomear um sucessor.
Mas, se a mudança for lenta, a direção é clara, e Francisco, como os papas antes dele, está lentamente preenchendo a hierarquia estadunidense com bispos que refletem seus valores e prioridades.
Foi o que aconteceu na semana passada, quando Francisco aceitou a renúncia de Chaput, o guerreiro cultural conservador que completou 75 anos em setembro, e nomeou Nelson Perez para ser o próximo arcebispo da Filadélfia. Desde 2017, Perez era bispo de Cleveland, onde sucedeu um bispo impopular que se manchou com a sua associação com o desafortunado cardeal Bernard Law, de Boston.
Mas não pensem que Perez é um liberal que liderará seu rebanho para as barricadas, pedindo uma mudança no ensino da Igreja sobre a ordenação de mulheres, o casamento gay ou o controle de natalidade. Isso não vai acontecer, assim como Francisco também não mudaria esse ensinamento. Mas nenhum deles vê qualquer sentido em repetir obsessivamente os argumentos quando todos sabem o que a Igreja ensina.
Em vez disso, a mudança mais notável entre Perez e Chaput será de estilo. Chaput se considerava como um intelectual que tinha que se defrontar com a cultura e a política estadunidenses quando pensava que elas não estavam alinhadas com o ensino da Igreja. Se ele não tivesse sido padre, teria sido feliz como acadêmico, comentarista ou apresentador de rádio conservador.
Com a aposentadoria de Chaput, os bispos conservadores dos EUA perderam seu líder intelectual, e a Igreja estadunidense chegou a um ponto de virada. Chaput e o cardeal Francis George, de Chicago, que morreu em 2015, foram as vozes conservadoras mais fortes da hierarquia estadunidense durante uma geração. Com a saída de ambos, veremos uma visão mais pastoral do catolicismo promovida pelos bispos.
Um ponto de virada semelhante ocorreu na direção oposta, quando o cardeal Joseph Bernardin, de Chicago, morreu em 1996. Bernardin havia liderado os bispos estadunidenses na reforma da Igreja após o Concílio Vaticano II (1962-1965). Com a sua morte, o movimento progressista entre os bispos norte-americanos também morreu. São João Paulo II conseguiu refazer a hierarquia estadunidense em uma direção mais conservadora, um esquema no qual Chaput era o bispo ideal.
Agora, o pêndulo está mais uma vez balançando para o outro lado.
Não sendo um guerreiro cultural, Perez é um bispo pastoral que se sente mais à vontade estando com o seu povo. Ele não está à procura de uma briga, mas vê a si mesmo dirigindo o “hospital de campanha para os feridos”, uma das imagens favoritas da Igreja para Francisco. A ênfase de Perez será em cuidar dos pobres e dos marginalizados. Não o veremos negando a Comunhão como uma arma política ou pastoral. A Comunhão é alimento para os feridos, não uma recompensa para os perfeitos.
Francisco tem sido muito claro sobre o tipo de bispo que ele está procurando. Ele disse repetidamente aos bispos e aos padres para não agirem como príncipes que valorizam seu status e autoridade. Em vez disso, eles devem ser “gentis, pacientes e misericordiosos”. Para Francisco, liderança significa serviço. Ele quer bispos que passem tempo com o seu povo, não com os ricos, para que possam “cheirar como ovelhas”.
Assim como o papa, Perez está mais interessado em como as pessoas vivem a sua fé, do que em como elas a explicam. Cuidar dos pobres, refugiados e marginalizados é como a fé é praticada. Ela é vivida mediante o amor, a compaixão e a reconciliação nas famílias, comunidades e no mundo.
Embora o povo de Cleveland o ame e lamente vê-lo partir, Perez é perfeito para a Filadélfia. Ele foi formado em seu seminário e serviu em suas paróquias. Ele conhece a diocese e os seus padres. Ele se sente confortável com o seu povo. Ele está descontraído e tem um senso de humor autodepreciativo.
E a Filadélfia, uma das dioceses mais conservadoras do país, o acolheu. Como disse um comentarista da cidade, “ele fala tanto ‘filadelfês’ quanto ‘francisquês’”.
Perez terá verdadeiros desafios com o clero da Filadélfia, que é muito clerical em suas atitudes. Mas, sem dúvida, ele os ensinará mais pelo exemplo do que pelas palavras que o sacerdócio tem a ver com serviço, e não com status e poder.
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Papa Francisco refaz a hierarquia da Igreja dos EUA, um bispo de cada vez. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU