14 Outubro 2019
John Henry Newman, o brilhante e prolífico escritor e padre vitoriano, arriscou tudo para ser recebido na Igreja romana. Ele não poderia habitar um mundo mais diferente do que o da Amazônia hoje.
A reportagem é de Christopher Lamb, publicada por The Tablet, 11-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O cardeal inglês declarado santo pelo Papa Francisco no dia 13 de outubro, no meio de um Sínodo dos Bispos sobre a região pan-amazônica. Desde o início, pareciam eventos desconectados. No entanto, o espírito de Newman está pairando sobre o encontro sinodal, enquanto se procuram novos caminhos para a Igreja do século XXI.
Desde sua morte, os escritos de Newman têm sido uma luz orientadora para os católicos interessados no desenvolvimento do pensamento cristão e no modo como o Igreja pode implementar uma autêntica reforma em diálogo com a sua tradição. Foi o cardeal vitoriano que ofereceu alguns dos elementos teológicos para o Concílio Vaticano II, a reunião entre 1962 e 1965 que estabeleceu um plano para a Igreja contemporânea.
De maneira geral, o papado de Francisco, o Sínodo dos Bispos e Newman são todos lembretes de que ser católico é ser tradicional e também radical. Ambas as palavras extraem seu significado a partir do retorno à raiz.
Durante seu discurso de abertura aos Padres sinodais, na segunda-feira, 7 de outubro, o cardeal brasileiro Claudio Hummes explicou que “esse caminhar torna a Igreja fiel à verdadeira tradição”, em vez de formar círculos fechados que parecem nostálgicos em relação ao passado.
“Viver é mudar”, escreveu Newman, “e ser perfeito é ter mudado frequentemente”.
O argumento de Hummes ecoa o famoso ensaio de Newman sobre o desenvolvimento da doutrina cristã, no qual ele argumentou que o modo como as verdades da fé são expressadas se desenvolve e se torna mais claro ao longo do tempo. Desenvolver uma nova presença profética e evangelizadora para a Igreja na Amazônia – e não apenas na Amazônia, mas também em lugares como a China e o Sudeste Asiático – pode ajudar a elucidar o mandamento de Cristo de “fazer discípulos de todas as nações”.
A ordenação sacerdotal de homens casados para a região amazônica e o reconhecimento do ministério corajoso das mulheres – ambos temas discutidos no Sínodo – também podem ser exemplos do desenvolvimento da missão da Igreja, ao mesmo tempo em que se mantém em continuidade com a tradição.
O Mons. Roderick Strange, especialista em Newman e professor visitante da St Mary’s University, em Twickenham, diz que o santo inglês estava preocupado com a interação entre a Igreja local e a universal, e desconfiava da “forte centralização” em Roma durante a sua vida.
Newman já foi descrito por um monsenhor romano como “o homem mais perigoso da Inglaterra”. Ele se opôs ao movimento ultramontano do século XIX, com sua ênfase exagerada na autoridade papal.
Falando na abertura do Sínodo da Amazônia, o papa alertou contra um “centralismo homogeneizador” na Igreja, que não traz autenticidade. Francisco pediu uma “saudável descentralização” na Igreja e deu maior autoridade aos bispos locais. Dessa maneira, seu papado se concentra na implementação do Concílio Vaticano II e, em particular, na renovação do Sínodo dos Bispos, uma estrutura criada no fim do Vaticano II.
O Mons. Strange explica que Newman era um cardeal da Igreja romana e também uma “figura essencialmente inglesa”. Ele queria a “realidade da Igreja local na sua relação com a Igreja universal”, algo que está acontecendo com as discussões sinodais sobre a Amazônia.
“Newman captura a preocupação central e definidora do Concílio Vaticano II, e é precisamente isso que o Papa Francisco está tentando realizar”, disse o Mons. Strange ao The Tablet, em Roma. “O sinal mais óbvio disso é escolher cardeais de lugares inesperados, para que todos os tipos de áreas da Igreja local tenham voz.”
Dar voz à Igreja local escutando os leigos foi um foco do cardeal inglês, que passou anos de serviço oculto trabalhando com as pessoas esquecidas de Birmingham no século XIX.
Em “Consulting the Faithful in Matters of Doctrine” [Consultar os fiéis em matéria de doutrina, em tradução livre], Newman argumentou sobre o que aconteceu durante a polêmica ariana do século IV: “A tradição divina comprometida com a Igreja infalível foi proclamada e mantida muito mais pelos fiéis do que pelo Episcopado”. Ele acrescentou que o “dos de fiéis é uma das testemunhas do fato da tradição da doutrina revelada”, e que o “consenso” dos leigos ao longo da história é a “voz da Igreja infalível”.
Os Sínodos dos Bispos durante o pontificado de Francisco buscaram ativamente os pontos de vista dos leigos. No período que antecedeu o Sínodo da Amazônia, ocorreu um exercício de escuta sem precedentes, envolvendo 87.000 pessoas da região, em que a cúpula tinha o objetivo de responder às vozes do povo de Deus localmente.
De acordo com o Mons. Strange, Newman acreditava que “os ensinamentos da Igreja sempre serão mais sábios, melhores e mais fortes quando você ouve a voz dos leigos, assim como a voz dos clérigos”.
O novo santo, que é o primeiro inglês que viveu a partir do século XVII a ser canonizado, trouxe a sua experiência como estudioso de Oxford e como ministro da Igreja Anglicana para o rebanho católico romano.
Seus escritos sobre a consciência, descrevendo-a como o “vigário aborígene de Cristo” e insistindo que ele brindaria à consciência antes que ao papa, também ecoam a visão de Francisco de que a Igreja é chamada a formar as consciências em vez de “substituí-las”.
O Mons. Strange salienta que os escritos de Newman sobre o desenvolvimento do pensamento cristão eram ensaios e ideias incompletos. Ele não é alguém que pode ser considerado nem como “conservador” nem como “liberal”. Ele condenou o liberalismo religioso que, segundo ele, estava levando à impiedade e escreveu em um estilo paradoxal e dialético.
Sua maior contribuição para a Igreja é, sem dúvida, o cânone da literatura cristã em poemas, hinos e exploração teológica. Ele acreditava que ser cristão não era um processo de conversão intelectual, mas sim de se apaixonar. Seu lema era “coração falando para coração”.
Em seu ensaio sobre o desenvolvimento da doutrina, o novo santo falou sobre como uma ideia começa como uma nascente de água e, com o passar do tempo e após vários ensaios, ela se transforma em um rio.
Ao longo de sua vida, as ideias de Newman explodiram como fontes, algumas delas ignoradas e outras opostas. Mas, em 2019, muitas das ideias foram aceitas, e os escritos de Newman estão ajudando a canalizar novas águas para a Igreja hoje.
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Por que é oportuno canonizar Newman durante o Sínodo da Amazônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU