07 Outubro 2019
"O Sínodo é parte de um processo, não um evento de conclusão - ou mesmo de iniciação."
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 03-10-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Clérigos católicos de todo o mundo estão chegando a Roma nesta semana para o Sínodo dos Bispos para a Região Pan-Amazônica, que começa no dia 6 de outubro. No Sínodo, 185 bispos discutirão a região de três milhões de quilômetros quadrados que é o lar de povos indígenas marginalizados, um território rico em recursos, pesadamente explorado pela sua generosidade e pela localização de florestas tropicais essenciais para a reciclagem do dióxido de carbono que provoca o aquecimento global.
Embora haverá algumas divergências no Sínodo sobre o modo de adaptar o catolicismo às culturas indígenas, os bispos se unirão a Francisco em outros tópicos que ele preza: o ambiente e a justiça para os povos indígenas.
A esmagadora maioria dos bispos convocados ao Sínodo vêm da região amazônica, mas alguns vêm de outras partes do mundo, incluindo três dos Estados Unidos: Dom Robert McElroy, bispo de San Diego, e os cardeais Sean O’Malley, de Boston, e Kevin Farrell, prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, do Vaticano.
O’Malley e Farrell não são nenhuma surpresa. O’Malley tem sido um conselheiro próximo do papa e um membro do Conselho dos Cardeais que o papa reúne periodicamente para lhe dar conselhos. Como chefe de um dicastério vaticano, Farrell era um nomeado previsível para o Sínodo.
McElroy, à primeira vista, parece ser um simples bispo de San Diego, e alguns ficaram curiosos sobre o motivo pelo qual ele foi convocado. Mas McElroy é um dos membros mais inteligentes da hierarquia estadunidense. Ele tem dois doutorados, um da Universidade Gregoriana em Teologia e outro da Universidade de Stanford em Ciências Políticas. Além disso, ele é um forte apoiador do Papa Francisco, e há rumores de que ele está sendo considerado para ser nomeado para Boston, Filadélfia, ou alguma outra grande arquidiocese.
Além dos bispos, outras 80 pessoas, incluindo 53 leigos e religiosas, poderão participar, mas não poderão votar. Não permitir que as religiosas votem tem gerado polêmica, já que os Sínodos recentes contaram com o voto de um irmão religioso.
Os bispos concordam com a importância de proteger as florestas tropicais da Amazônia, mas também perguntam por que os povos amazônicos devem suportar o fardo do aquecimento global, enquanto europeus e norte-americanos continuam poluindo a Terra para preservar seus estilos de vida. A justiça para os povos indígenas significa não apenas libertá-los da exploração e de ataques assassinos, mas também lhes dar os instrumentos para melhorar suas vidas e preservar o ambiente.
Aqui, a oposição virá principalmente de fora do Sínodo, de governos e grupos econômicos que colocam seus interesses financeiros de curto prazo à frente do ambiente e dos povos indígenas. A mineração, a extração de madeira e o agronegócio continuam destruindo grandes áreas da Amazônia, com pouca restrição por parte dos reguladores governamentais. Os presidentes do Brasil e dos Estados Unidos acreditam que a exploração da Amazônia, independentemente dos custos ambientais, é essencial para o crescimento econômico.
Os poucos bispos que apoiam esses interesses argumentam que os bispos devem se concentrar em questões espirituais e deixar a política e a economia para outros. Mas muitos bispos concordam com Francisco que as lutas pela justiça e pela proteção do ambiente fazem parte da mensagem do Evangelho.
Mais polêmicas irão envolver o tema da evangelização: como a mensagem do Evangelho deve ser expressada nas culturas indígenas. Aqui, os bispos terão uma variedade de pontos de vista.
Muitos bispos foram formados para ver a expressão europeia do catolicismo como a ideal. Embora os tempos em que era preciso impor a língua latina para todos os católicos ficaram para trás, os conservadores ainda insistem em impor teologias baseadas na filosofia grega. Eles se opõem a qualquer mudança na liturgia que não seja a mera tradução de textos. As estruturas eclesiais se baseiam nas da Europa medieval. E as religiões indígenas são vistas como superstições que precisam ser suprimidas.
Em suma, a evangelização à moda antiga tem como premissa a europeização dos povos indígenas, em vez de procurar o que é bom nas suas culturas. Hoje, os teólogos reconhecem que o Espírito pode agir fora da Igreja, inspirando as pessoas a fazer o bem. Embora isso não signifique aceitar tudo em uma cultura, exige abordar as culturas com uma mente aberta e um coração atento. Em vez de enfatizar o que está errado, o primeiro foco deveria estar no que é positivo.
João Paulo II escreveu de modo brilhante sobre a necessidade de inculturar o cristianismo em diferentes contextos culturais, mas seus ensinamentos permaneceram abstratos, enquanto a burocracia vaticana suprimia quaisquer tentativas de pô-lo em prática. Parte dessa dificuldade é que a inculturação é uma arte, e não uma ciência. Requer criatividade, experimentação e a disposição a cometer erros. Os burocratas não se sentem à vontade com a experimentação.
Um aspecto-chave da adaptação do catolicismo às culturas amazônicas diz respeito à ordenação de homens casados.
Todos concordam que a Eucaristia é essencial para a vida católica, mas, se você não pode ter a Eucaristia sem padres, como você pode ter uma comunidade católica na Amazônia, onde há muito poucos padres celibatários para servir o povo?
Além disso, em culturas em que as mulheres desempenham um papel importante de liderança, como você pode ter uma comunidade de fé em que todos os líderes são do sexo masculino?
Essas são algumas das difíceis perguntas que os bispos devem enfrentar durante sua reunião de três semanas em Roma. Não devemos esperar respostas definitivas para todas essas perguntas. O que é ótimo no papado de Francisco é que essas questões estão finalmente abertas à discussão. O Sínodo é parte de um processo, não um evento de conclusão - ou mesmo de iniciação.
Muitos bispos acham que a discussão aberta escandalizará os fiéis. Eles ainda veem os leigos como crianças sem instrução que ficam assustadas com as divergências entre os bispos. Em vez disso, a Igreja precisa ser exemplo ao mundo de como questões importantes e controversas podem ser discutidas em um clima de abertura e amizade.
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Polêmicas se misturam a consensos sobre o Sínodo da Amazônia. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU