10 Agosto 2019
"A enorme cúpula de calor que quebrou recordes de temperatura em toda a Europa na semana passada se instalou na Groenlândia, elevando as temperaturas em toda a vasta ilha do Ártico para até 30 graus Fahrenheit acima do normal. Escrevendo na revista Rolling Stone em um artigo intitulado “A Groenlândia está derretendo diante de nossos olhos”, o meteorologista Eric Holthaus adverte que o gelo da Groenlândia deve derreter em seu ritmo mais rápido já registrado", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia, em artigo publicado por EcoDebate, 09-08-2019.
Eis o artigo.
O mês de julho de 2019 bateu todos os recordes de degelo nos polos, contribuindo para a elevação do nível dos oceanos e servindo de alerta para bilhões de pessoas que moram nas áreas litorâneas. Depois de cinco sucessivos anos (2014, 2015, 2016, 2017 e 2018) de recordes de temperaturas globais, o ano de 2019 caminha para ser o segundo mais quente já registrado. Os meses de junho e julho de 2019 foram os mais quentes da série histórica que começou em 1880.
Os gráficos abaixo mostram os registros e as tendências do degelo no Ártico e na Antártica nos últimos 40 anos, de 1979 a 2019. Nota-se que o degelo no Ártico é muito mais rápido e apresenta uma redução de 7,3% por década, sendo que no mês de julho de 2019 foram computados 7,6 milhões de km², bem abaixo da média de 9,5 milhões de km² no período 1981-2010. Na Antártica, o mês de julho apresentou 15,3 milhões de km², abaixo da média de 16 milhões de km² do período 1981-2010.
O degelo na Groenlândia também é dramático, como mostra o gráfico abaixo do National Snow and Ice Data Center, dos EUA. Após um inverno relativamente seco e primavera quente, a Groenlândia apresentou um grande episódio de derretimento de superfície no mês de julho, especialmente no dia 31/07/2019, com uma área máxima de fusão em 984.000 quilômetros quadrados. O derretimento foi detectado em toda a costa, exceto na ponta mais distante ao sul da camada de gelo, e se estendeu para o interior das regiões oeste central e centro-leste, quase até o cume. As áreas costeiras do leste e nordeste também se fundiram extensivamente.
O derretimento da Groenlândia até o final da primavera foi significativamente maior do que a média de 1981 a 2010, com várias áreas excedendo 10 dias de derretimento adicional acima da média e algumas regiões com mais de 20 dias. Apenas a ponta mais ao sul da ilha e uma região ao longo do lado sudoeste da camada de gelo estão abaixo da média até o momento, segundo o National Snow and Ice Data Center. A taxa atual de fusão é equivalente ao que o modelo mais pessimista projetava para 2070 (Shankman, 01/08/2019).
A enorme cúpula de calor que quebrou recordes de temperatura em toda a Europa na semana passada se instalou na Groenlândia, elevando as temperaturas em toda a vasta ilha do Ártico para até 30 graus Fahrenheit acima do normal. Escrevendo na revista Rolling Stone em um artigo intitulado “A Groenlândia está derretendo diante de nossos olhos”, o meteorologista Eric Holthaus adverte que o gelo da Groenlândia deve derreter em seu ritmo mais rápido já registrado.
Portanto, a tendência de perda de gelo é clara ao longo dos últimos 40 anos. As curvas do gráfico abaixo tem uma distribuição bimodal, pois o hemisfério Norte tem pico de gelo entre fevereiro e março, quando o hemisfério Sul está no vale (mínimo de gelo). O máximo do gelo global acontece entre outubro e novembro. Seguindo as curvas anuais (todas com este mesmo tipo bimodal de distribuição), nota-se que elas mostram uma tendência de queda em relação à média de 1981-2010, embora haja oscilações anuais de curto prazo, diferentes da tendência de longo prazo.
Todavia, chama a atenção que o padrão de queda na extensão de gelo, desde setembro de 2016, não tem paralelo nos últimos 40 anos, quando se começou as medidas por satélite. A curva de 2016 sofreu uma queda abrupta no último trimestre do ano (outubro a dezembro) e continuou batendo recordes de baixa nos dois primeiros meses de 2017 e 2018. Embora tenha havido variações mensais, a extensão de gelo voltou a bater recordes de baixa nos meses de maio, junho e julho de 2019.
O gráfico abaixo mostra uma clara tendência de redução do volume de gelo marinho ao longo dos últimos 40 anos. De fato, medições diretas revelam que diversas geleiras estão derretendo 10 a 100 vezes mais rápido do que se pensava anteriormente, com implicações para o aumento do nível do mar e as pessoas que vivem em áreas costeiras.
Artigo de Sutherland et. al publicado na revista Science (26/07/2019) relata uma pesquisa com sonares mostrando resultados alarmantes, pois as geleiras estão derretendo mais rápido do que esperávamos. Do Alasca à Antártida, milhares de geleiras escorrem sobre a terra e correm para o oceano. As geleiras de maré estão recuando e derretendo rapidamente, como grande parte do gelo da Terra, aumentando continuamente o aumento do nível do mar.
O estudo de Sutherland et al. descobriu como sondar diretamente os processos de fusão e testou o método em uma geleira no Alasca. O que se descobriu é preocupante: a geleira está derretendo muito mais rápido do que as teorias atuais sugeriram, pois as taxas de fusão medidas foram cerca de 10 a 100 vezes maiores do que a teoria previa.
Pelo princípio da precaução a humanidade deveria se preocupar com a elevação do nível dos oceanos e isto não é para um futuro distante. Em julho de 2019 a cidade do Rio de Janeiro foi impactada pela ressaca. As praias do Rio perderam faixas de areia e houve degradação das estruturas. Na Praia do Pepê, na Barra da Tijuca, com uma faixa de arreia cada vez menor, parte da ciclovia foi derrubada pela água. Em Copacabana, a areia desapareceu, nos postos 5 e 6, deixando à mostra pedras antigas e prejudicando o turismo. Ao longo do litoral brasileiro são inúmeros os casos de erosão e perda de benfeitorias (malfeitorias) e infraestrutura das praias.
O custo do aquecimento global e da subida do nível do mar será cada vez mais elevado e o número de pessoas atingidas será cada vez maior. O que aconteceu em julho de 2019 é apenas uma amostra do que virá no futuro.
Referências
Sutherland, D. A. et. al. Direct observations of submarine melt and subsurface geometry at a tidewater glacier, Science, Vol. 365, Issue 6451, pp. 369-374, 26 Jul 2019
Sabrina Shankman. Greenland’s Melting: Heat Waves Are Changing the Landscape Before Their Eyes, Inside Climate News, 01/08/2019
Leia mais
- 2019 começa com recorde de degelo nos polos
- Subida do nível do mar preocupa cientistas
- Os países mais ameaçados pelo aumento do nível do mar
- O degelo da Antártica e a subida do nível do mar
- Degelo do permafrost coloca a infraestrutura do Ártico em risco
- Com o degelo, a Antártida está se tornando mais parecida com a Groenlândia?
- O drama do degelo da Groenlândia em uma só foto
- Extensão de gelo do Ártico no verão de 2018 é a sexta menor já registrada
- A aceleração do degelo global
- O derretimento de pequenas geleiras poderia adicionar 25 cm ao nível do mar até 2100
- Por que cientistas dizem que próximos 18 meses serão cruciais para salvar o planeta
- Como já defendido pela ONU, 250 cientistas confirmam a origem humana das mudanças climáticas. Não é uma fake news
- Groenlândia, rios de água fluem no permafrost: o gelo derrete em velocidade recorde
- Feedback do albedo é um dos principais impulsionadores no recuo do gelo marinho do Ártico
- O Furacão Harvey e os desastres climáticos no Antropoceno
- Degelo da Groenlândia está deslocando o eixo de rotação da Terra
- Derretimento das geleiras do Himalaia dobrou nos últimos anos, ameaçando o abastecimento de água para milhões de pessoas na Ásia
- Novo estudo indica o aumento do nível do mar após o colapso das plataformas de gelo da Antártida
- Mudanças Climáticas – Estudo revela que 24% do gelo da Antártica Ocidental é agora instável
- Aquecimento do planeta já é o maior evento climático em 2 mil anos, indica pesquisa
- Para onde vai o A68, o maior iceberg do mundo, que se desprendeu da Antártida?
- Pesquisa revela uma chance considerável de um Oceano Ártico sem gelo nos limites do aquecimento global estipulados no Acordo de Paris
- Ondas e ventos oceânicos estão cada vez mais fortes
- Da Islândia à Amazônia. O grito silencioso da Terra - O mais rápido aumento das temperaturas dos últimos dois mil anos
- Incêndios sem precedentes no Ártico liberaram 50 Mt de CO2 na atmosfera somente em junho
- Sem mais demora, precisamos tomar medidas urgentes para combater as mudanças climáticas e seus impactos
- O colapso da Terra está cada vez mais próximo
- ONU: a emergência climática aumentará a fome e as migrações
- O nível do mar poderia subir repentinamente 189 cm até 2100
- Aquecimento Global. Degelo precoce e chegada antecipada da primavera interrompem o mutualismo entre plantas e polinizadores
- As baleias-jubarte têm muito a nos ensinar
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Recorde de degelo nos polos em julho de 2019 - Instituto Humanitas Unisinos - IHU