31 Julho 2019
Sr. presidente: eu mesmo, cidadão brasileiro acima identificado, venho publicamente (e respeitosamente - qualquer dúvida quanto ao significado desta palavra, não se acanhe, peça ajuda), nos termos do art. 5º, incisos XV e XXXIV, alínea "a", da Constituição Federal (tem na internet), apresentar-lhe o requerimento seguinte.
Considerando que volta e meia o sr. se vangloria de possuir informações privilegiadas e inéditas sobre os porões e esgotos do regime militar, talvez o sr. possa obter uma que interessa diretamente às cerca de 20 mil pessoas (e às suas famílias) que poderiam ter sido mortas, mutiladas ou feridas, física e psicologicamente, no frustrado atentado do Riocentro, na noite de 30 de abril de 1981. Entre elas eu mesmo, sr. presidente, então um "garoto" de 20 anos de idade, daí meu direito de requere-la. Trata-se da lista completa dos terroristas responsáveis pela monstruosa tentativa, pois só temos certeza absoluta quanto a dois nomes, e aquilo envolveu muita "gente".
Considerando, igualmente, que o fato ocorreu num período mais recente, não coberto pela lei de anistia, e que muitos dos envolvidos provavelmente foram seus contemporâneos, quando não seus coetâneos na "Força", penso que meu pedido se afeiçoa aos padrões de viabilidade, legitimidade e razoabilidade universalmente aceitos: nas rodas que parece frequentar, talvez o sr. possa obter isso daí por todos nós.
Decidi requerer o requerido porque, a cada vez que o sr. abre a boca para falar daqueles tempos, sou arremessado de volta para aquela noite. E, muito pior, para as longas e terríveis noites em que, aos doze anos de idade, temia por meu saudoso pai, que ("embora" fosse empresário de posses, com valores liberal-conservadores) corria então o risco de ser preso ou desaparecer, simplesmente por não se curvar aos caprichos do regime violento e tacanho de cuja falta o sr. e os seus tanto se ressentem. O que, esclareço, felizmente também não aconteceu, sr. presidente: temos tido alguma sorte.
Nestes termos, peço deferimento. Fale agora ou cale-se para o bem de todos nós. Obrigado por nada.
A primeira referência a Jair Bolsonaro como militar está em "Militares, a política e a democracia", livro de entrevistas de Ernesto Geisel em que o autor, em um determinado momento, diz que havia poucos militares no Congresso. Havia um, diz ele, mas esse não contava, porque "Jair Bolsonaro é um mau militar".
Engana-se quem acha que Bolsonaro é uma espécie de emblema das Forças Armadas. É todo o contrário: reformado por ser um terrorista que tentou plantar uma bomba, falastrão, boquirroto, covarde e mentiroso, Bolsonaro sempre foi visto com desconfiança pela cúpula militar.
Em seu governo, os militares foram sucessivamente desrespeitados. O general da reserva Carlos Alberto dos Santos Cruz foi humilhado por Olavo de Carvalho e Carluxo Bolsonaro e logo depois demitido do cargo de Ministro da Secretaria de Governo. O general da reserva Franklimberg Ribeiro de Freitas foi exonerado da Presidência da Funai e saiu dizendo que Bolsonaro está "mal assessorado" em questões indígenas. Depois, o general Juarez de Paula Cunha foi exonerado da Presidência dos Correios por ter, segundo Bolsonaro, "agido como sindicalista".
Ontem, Bolsonaro submeteu seu porta-voz, o general Otávio Rego Barros, à humilhação de ter que explicar uma declaração que o general sabe ser falsa, a de que Glenn Greenwald teria cometido algum tipo de crime. Também é visível o desrespeito com que Carluxo trata o Vice-Presidente, general Hamilton Mourão.
Não é difícil perceber, ao longo da história de Bolsonaro, o seu ressentimento de reformado com as Forças Armadas. Sua trajetória, de zé-ninguém desprezado no Exército até a Presidência, representa uma espécie de vingança do ressentido.
À luz de toda essa história e dos seis primeiros meses de governo, creio que vale a pena colocar-se a pergunta: não há, nas ações de Bolsonaro, aquele desejo oculto de desmoralizar as Forças Armadas? De vingar-se dos que o expulsaram e ante os quais ele se sente inferior?
Conheço famílias de desaparecidos políticos que mantiveram durante anos o endereço e se reuniam em volta de uma mesa nos aniversários do pai ou da mãe na expectativa da volta do filho.
Isso significou uma tortura permanente.
Desde a Grécia antiga o direito de sepultar os entes queridos era sagrado. Basta ver a peça Antígona, de Sófocles (406 a.C.- 497 a.C.). Como se vê, mais de dois milênios depois a questão continua atual.
Fazer chacota com o desaparecimento de um pai para atingir o filho é uma atitude inqualificável.
Vai além de qualquer declaração política absurda, especialidade do presidente.
Mostra que Bolsonaro é um desclassificado, não tem compostura como ser humano.
Minha integral solidariedade ao Felipe Santa Cruz e a sua família.
No Brasil, o "cidadão de bem" comemora quando uma gangue faz uma rebelião em um presídio e mata rivais.
É o bolsominion que torce pela guerra do tráfico.
Muita gente acha que as imundícies ditas pelo Boca de Esgoto são uma forma de desviar a atenção da esquerda.
Sinceramente, discordo.
Primeiro, eu acho que Boca de Esgoto é autêntico. Ele pensa aquilo mesmo e está empenhado em transformar suas imundícies em um novo normal. De tal forma, que essas coisas passem a ser aceitas mais naturalmente.
Mas, principalmente, Boca de Esgoto se dirige para a sua base fiel, de uns 25%-30% da população. E quanto pior for a economia, cada vez mais Boca de Esgoto se direcionará para esse grupo. A aposta dele é que a ideologização conseguirá suplantar os efeitos da crise econômica.
Boca de Esgoto não tem nenhum plano de alargar sua base de apoio. Ao contrário, a aposta é fidelizar cada vez mais essa fatia que aderiu aos seus valores.
Então, como não há nenhuma perspectiva de melhora da economia, muito pelo contrário, a tendência é Boca de Esgoto radicalizar mais e mais, mantendo em estado de excitação constante a base de bolsominios.
Belo Monte e o massacre no presídio de Altamira
Já contei aqui várias vezes como funciona a dinâmica de ocupação de áreas adjacentes a grandes obras na Amazônia brasileira: uma massa de homens sem rumo atraídos por um punhado de vagas fazem explodir a pressão sobre equipamentos e serviços públicos, levando a invasões de terras públicas, proliferação de criminalidade, prostituição, inflação, especulação imobiliária, por aí vai.
Mais de 50 mil homens migraram para Altamira com a promessa de alguns milhares de empregos precários na construção de Belo Monte. Uma cidade média que aumentou em 50% a sua população em um par de anos - e só com peão de obra pesada.
Tudo isso é, ou deveria ser, previsto, avaliado e mitigado pelo licenciamento ambiental, que basicamente trata de mitigar e/ou compensar os impactos ambientais e sociais negativos.
Mas incontáveis vezes eu também já contei aqui, no The Intercept Brasil e na IHU Online, que o licenciamento de Belo Monte é um grande tratado de como fraudar estudos e procedimentos socioambientais.
Por decisão deliberada do governo Dilma, o licenciamento foi feito na porrada. Impactos foram sumariamente ocultados e subdimensionados. Os que sobraram depois de muito sofrimento foram adulterados, esquecidos, contestados na justiça, empurrados com a barriga. O governo federal foi parte fundamental na fraude enquanto idealizador, financiador, fiscalizador e licenciador.
Como Dilma disse aos microfones algumas vezes, a prioridade em Belo Monte era fazer tudo no menor horizonte temporal possível.
Um dos programas da lista de condicionantes era o fortalecimento da segurança pública na cidade pela construção de presídio e delegacia e pelo fortalecimento da estrutura de segurança pública da cidade que recebeu dezenas de milhares homens com vagas de emprego suficientes para cerca de 20% deles.
Em 2015, um ano antes da concorrida inauguração da usina, Altamira chegou ao óbvio posto de cidade mais violenta do Brasil, com 5X mais homicídios que RJ e 10X o número de SP. A cidade ganhou uma facção própria, a CCA - que, ao que parece, comandou o motim nesta segunda-feira -, para dar conta das oportunidades de crimes. Nada que abalasse o descaso e o ritmo lento com que a Norte Energia tocava todas as condicionantes da obra, de índios a saneamento, respaldada pelo governo.
A licença definitiva foi dada pelo staff de Dilma mesmo sem o cumprimento de inúmeras condicionantes que, como indica a língua portuguesa, deveriam condicionar a operação do empreendimento. Estamos em 2019 e o Complexo Penitenciário de Vitória do Xingu, que deveria desafogar o sistema prisional da região antes do início das obras, no auge das ondas migratórias, não foi finalizado. A Norte Energia segue o protocolo de sempre: notas oficiais dizendo blá blá blá blá.
Com a criminalidade em níveis insuportáveis há 5 anos e ninguém capaz de cobrar condicionantes de um empreendimento com todas as licenças, não é de se estranhar que um Centro de Recuperação Regional muito sobrecarregado tenha virado um barril de pólvora e escrito mais um triste capítulo de massacres no rastro da construção da maldita hidrelétrica do Xingu.
Quando Mujica diz que o governo de Maduro é uma ditadura ele também está fazendo o jogo da CIA?
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