30 Julho 2019
Estejam preparados para as manchetes que o papa-que-não-sai-de-férias produzirá nestes “dias de cão” do verão romano.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 26-07-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Antigamente, a Festa de São Pedro e São Paulo, no dia 29 de junho, significava o fim do ano de trabalho e o começo de um tempo de inatividade no Vaticano.
O papa e sua equipe na Cúria Romana começavam a sair da cidade para tirar suas férias de verão. João Paulo II e Bento XVI costumavam passar vários dias nos Alpes no início de julho, antes de se retirarem para a vila papal de Castel Gandolfo durante o resto do verão.
Os escritórios vaticanos ficavam escassamente povoados, e os assuntos e projetos mais importantes ficavam em suspenso. A burocracia central da Igreja era basicamente colocada no piloto automático, e só uma grande emergência poderia despertá-la do seu sono (o que aconteceu de vez em quando).
Mas tudo isso mudou em junho de 2013 com a chegada do Papa Francisco. Sendo um jesuíta da Argentina, onde é inverno durante o verão romano, ele era bem conhecido (e frequentemente criticado) por nunca tirar férias.
“Bem, sim, me disseram isso!”, admitiu Francisco um ano depois, quando jornalistas que o acompanhavam de volta para Roma em uma visita em agosto de 2014 à Coreia do Sul insistiram para saber se era saudável para ele não fazer uma pausa.
"Eu tirei férias, agora, em casa, como costumo fazer, porque... uma vez eu li um livro interessante, o título era: ‘Alegre-se por ser neurótico’!”
A referência era a um livro originalmente publicado em 1936 pelo psiquiatra estadunidense Louis E. Bisch (+1963).
“Eu também tenho algumas neuroses”, brincou o papa. “Mas é preciso tratar bem delas, das neuroses. Servir-lhes o mate todos os dias”, disse ele.
“Uma dessas neuroses é que eu sou um pouco apegado ao habitat. A última vez que eu tirei férias fora de Buenos Aires, com a comunidade jesuíta, foi em 1975”, explicou o papa.
“Eu sempre tiro férias – de verdade! – mas, no habitat: mudo de ritmo. Durmo mais, leio as coisas de que eu gosto, ouço música, rezo mais... E isso me relaxa. Em julho e parte de agosto, eu fiz isso, e foi bom”, disse Francisco.
E, assim, a defesa descansou.
Mas não o Papa Francisco. Nem mesmo nos Dias de Cão do Verão – que tradicionalmente se estendem do início de julho até meados de agosto.
“Viagens de negócios”, em vez de viagens de férias, longe de Roma
Isso ficou claro no primeiro ano do seu pontificado, quando, em vez de partir para os Alpes em julho, como seus antecessores, Francisco decidiu ir para a ilha italiana de Lampedusa, refúgio e porto de entrada europeu para migrantes e requerentes de asilo náufragos.
Essa visita no dia 8 de julho de 2013 foi para destacar a situação de todos os refugiados e imigrantes. E agora, seis anos depois, uma das características mais marcantes do pontificado é que Francisco se tornou uma voz profética e um defensor global dessas “pessoas em movimento”.
O papa, agora com 82 anos, também viajou durante agosto nos últimos anos. Sua visita de 13 a 18 de agosto à Coreia do Sul em 2014 foi a primeira. Dois anos depois, no dia 4 de agosto, ele foi à cidade natal do seu padroeiro, São Francisco, para celebrar o VIII Centenário do Perdão de Assis.
E, no ano passado, o papa passou o último fim de semana de agosto em Dublin, para o Encontro Mundial das Famílias. Essa viagem terminou com uma nota dramática, quando o ex-núncio papal nos Estados Unidos, o arcebispo Carlo Maria Viganò, lançou um violento ataque contra Francisco, acusando-o de conspiração, de mentiras e de outras formas de corrupção. Viganò exigiu até a renúncia do papa.
Francisco não deve fazer nenhuma “viagem de negócios” neste mês de agosto. Ele permanecerá no Vaticano e retomará suas audiências gerais de quarta-feira, as quais – como parte das suas “férias em casa” – foram suspensas durante todo o mês de julho.
Espera-se que ele estude os esboços finais da constituição apostólica – e as sugestões que bispos e teólogos de todo o mundo recentemente fizeram – para uma grande revisão e reforma da Cúria Romana.
Mesmo que esse documento esteja sendo revisado para uma publicação final, que provavelmente não ocorrerá até o fim deste ano, é possível esperar que o papa continuará anunciando reformas e nomeações concretas.
Ele fez isso em quase todos os meses de agosto desde a sua eleição.
No ano passado, Francisco reescreveu a seção 2.267 do Catecismo da Igreja Católica para codificar a imoralidade da pena de morte.
“Por isso a Igreja ensina, à luz do Evangelho, que ‘a pena de morte é inadmissível, porque atenta contra a inviolabilidade e dignidade da pessoa’, e empenha-se com determinação a favor da sua abolição em todo o mundo”, afirma a nova cláusula.
Ele também publicou a sua “Carta ao Povo de Deus” em agosto passado, na qual identifica o clericalismo como um dos principais fatores da crise dos abusos sexuais entre padres.
Em meados de agosto de 2016, o papa fundiu oficialmente vários dicastérios vaticanos e criou o Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, nomeando como seu prefeito um bispo irlandês-americano – agora cardeal –, Kevin Farrel. Além disso, Francisco finalizou a fusão de vários outros escritórios e anunciou a criação do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.
O mês de agosto de 2016 também foi o momento em que o papa formou uma comissão internacional de estudos sobre as mulheres diáconas, que abriu uma discussão mundial sobre uma questão que ainda não foi resolvida.
Antigamente (ou seja, na era pré-Francisco), o Vaticano às vezes esperava até agosto – quando a maioria dos meios de comunicação de férias não prestava muita atenção – para fazer certas ações ou nomeações pessoais que pudessem ser controversas.
Algumas pessoas ainda se lembram do dia 17 de agosto de 2009. Foi quando Bento XVI enviou uma das autoridades mais importantes do Vaticano (o seu vice-“ministro das Relações Exteriores”) para o distante posto diplomático da Venezuela. O movimento provocou uma desordem interna no governo de Bento XVI, e, conforme alguns argumentam, foi quando o pontificado começou a sair dos trilhos.
A autoridade que foi enviada à Venezuela naquela época é agora cardeal e atual secretário de Estado do papa. Seu nome é Pietro Parolin. Francisco o nomeou para o seu cargo atual em 31 de agosto de 2013.
O Papa Francisco fez outra nomeação importante em agosto de 2013, quando escolheu um padre polonês de 49 anos do dicastério das cerimônias litúrgicas papais para ser esmoleiro (chefe) do dicastério da caridade do papa. Esse homem, Konrad Krajewski, tornou-se cardeal cinco anos mais tarde, para a surpresa de quase todos no Vaticano.
Ao longo dos anos, Francisco fez várias outras nomeações importantes – especialmente de bispos em lugares-chave em todo o mundo – durante o mês normalmente calmo de agosto. Ele criou alguns desses homens cardeais.
Nas últimas semanas, o papa fez importantes nomeações para o departamento de comunicação do Vaticano.
Ele escolheu Matteo Bruni, um leigo italiano nascido na Inglaterra, para ser diretor da Sala de Imprensa da Santa Sé no dia 18 de julho. Uma semana depois, ele escolheu Cristiane Murray, uma leiga brasileira que trabalhava na Rádio Vaticano desde 1995, como vice de Bruni.
Mais mudanças estão sendo planejadas para o Dicastério para a Comunicação, incluindo o estabelecimento de uma espécie de “agência de notícias” vaticana. Não está claro quando essa reforma será anunciada, mas ela pode ocorrer já no próximo mês.
O papa também precisa nomear um prefeito para a Secretaria para a Economia, um posto que está vago desde fevereiro passado, quando o cardeal George Pell completou seu mandato de cinco anos no comando. Mas o cargo está vago, de fato, há dois anos, depois que o cardeal retornou para a sua Austrália natal no fim de junho de 2017, para ser julgado (e condenado) por abuso sexual.
Há fortes sugestões de que o Papa Francisco nomeará em breve o sucessor de Pell e vários outras autoridades importantes para o diversificado setor financeiro do Vaticano. Isso também pode ocorrer naquele que parece ser outro mês tórrido de agosto.
Então, como dizem os ingleses, “keep calm and carry on” [mantenha a calma e siga em frente]. Porque é exatamente isso que o papa vai fazer.
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Agosto não será um mês 'vazio' no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU