23 Julho 2019
Gerard Timoner (Daet, Filipinas, 1968), novo mestre-geral dos dominicanos, é filipino, mas não se sente bem com a ideia que o futuro da Igreja está na Ásia e na África. Não lhe assusta o peso de dirigir uma das ordens mais antigas e prestigiadas da Igreja e considera que esse futuro está lá onde “se necessita escutar o Evangelho”, por primeiro de tudo “somos cidadãos do Reino”. Talvez por isso anima a construir a comunhão na Igreja, porque “hoje, sofre divisão e o corpo de Cristo está ferido”.
A entrevista é de José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 22-07-2019. A tradução é de Wagner Fernandes de Azevedo.
O que sentiu, quando proclamou seu nome como novo Mestre-Geral dos Dominicanos?
Eu estou aqui em Bien Hoa como hóspede do Mestre da Ordem. Como qualquer um dos outros Assistentes da Cúria, não participamos na eleição de novo Mestre. Dois dias antes das eleições, os capitulares convidaram alguns irmãos que eles consideravam como possíveis sucessores de São Domingos.
Durante a entrevista que me fizeram, eu disse aos irmãos que uma das minhas grandes deficiências era linguística, posto que eu só fala um dos três idiomas oficiais da Ordem, eu somente falo inglês, e não falo espanhol, nem francês. Tampouco considero ter tantos talentos como meus predecessores, e sou consciente de que há muitos irmãos melhor qualificados que eu, entre os que estão presentes no Capítulo Geral, já que alguns falam as três línguas ou ao menos duas delas. Também me faltam dotes para resolver os problemas da Ordem. Não sou o irmão mais brilhante, nem o mais valente dos que estão no Capítulo.
Posse de Gerard Timoner. Foto: Religión Digital
Como se define como pessoa e como dominicano?
Quando o Secretário-Geral me pediu que me encontrasse com os Capitulares, pensei que seria pouco oportuno dizer “sim” e aceita a eleição. Ainda que não fosse atrevimento o que me fez dizer “sim”, mas sim que melhor foram os irmãos da Cúria que me ajudaram a colocar meus pensamentos em ordem. “Todos nós rezamos com sinceridade ao Espírito Santo para que nos iluminasse, e os irmãos decidiram com uma consciência alinhada... assim, ao menos que tua casa esteja pegando fogo, tu tens que recuperar a calma, encontrar os capitulares e aceitar...” (seguramente não eram essas mesmas palavras, mas ao menos são as que recordo). Houve outro irmão que me abraçou e me disse: “não estás sozinho, conta conosco”. Ato seguido, esses irmãos me acompanharam a rezar na capela, ali reconheci que tinha que aceita a decisão dos irmãos.
Com a eleição de um filipino, como você, a Ordem gira para a Ásia, um continente que alguns chamam de futuro do catolicismo?
Não sou de modo algum um irmão extraordinário. Como qualquer dos irmãos eu amo a Igreja, amo o Corpo de Cristo e a Ordem. E qualquer um que ame, tentará fazer o melhor pelo amado.
Alguns irmãos me disseram que sua decisão de eleger um irmão da Ásia é um sinal de que a Ordem se inclina para a Ásia. É verdade, o crescente número de líderes eclesiásticos da Ásia é sinal do crescimento e da maturidade da Igreja nessa parte do mundo que conta com o maior número de habitantes – dois países, China e Índia, têm mais de 3 bilhões de pessoas. Sim, somos cidadãos de nossos países, mas ao mesmo tempo somos cidadãos do Reino. Portanto, eu não me sinto muito bem com a ideia de que Ásia ou África são o “futuro” da Igreja, como se Europa ou América fossem o passado ou o presente. O “futuro” da Igreja está em qualquer lugar onde se necessite escutar o Evangelho, seja porque é ignorado nas sociedades indiferentes religiosamente, ou porque o Evangelho ainda não foi predicado adequadamente. O futuro da Igreja tem que encontrá-lo também no povo jovem que se mantém fiel a Cristo.
Gerard Timoner. Foto: Religión Digital
Qual é a situação geral da Ordem? Terminou o tempo das reformas estruturais, para adequar a Ordem à perda de vocações? Qual é seu sonho para os dominicanos? A primavera vocacional asiática seguirá florescendo para a Ordem e para toda a Igreja?
Os dois Mestres anteriores da Ordem me disseram: “a Ordem está em boa forma. Muitas instituições e Províncias são mais fortes do que já foram anteriormente... temos 800 irmãos em formação”. Quando escuto os capitulares, me impressiona a profundida de seu conhecimento e amor da Igreja e da Ordem. Se alguém me perguntasse: pensas que a Ordem está em boas mãos depois de ter eleito o novo Mestre? Eu diria imediatamente: “não sei, mas não tenho nenhuma dúvida que o Mestre está nas boas mãos dos irmãos” (e espero que siga assim).
Creio que a Ordem seguirá estando forte se permanece fiel à sua missão. O irmão Bruno [Cadoré] me disse que ser Mestre da Ordem é para mim permanecer sendo quem sou, isso é, “irmão Gerard”, ainda que seu ministério seja ser “Domingos” para a Ordem, nos próximos nove anos. “Ser Domingos” significa conduzir os irmãos a servir a missão da Ordem, isso é, ajudar a construir a comunhão da Igreja, o Corpo de Cristo, tal como fizeram São Francisco e Santo Domingos quando a Igreja precisava urgentemente de uma “nova” evangelização no século XIII.
Como ajudamos a construir a Igreja, o Corpo de Cristo? Em primeiro lugar, é importante se dar conta que nós somos apenas ajudantes ou assistentes. O construtor principal é Deus Trino, modelo e fonte da comunhão. Sabemos que a teologia mais simples e profunda da comunhão é a oração de Jesus pela unidade, a qual revela sua vontade e sua missão: Eu peço... que todos sejam um, como tu, Padre, estás em mim e Eu em ti... para que o mundo creia que tu me enviou (Jo 17).
Gerard Timoner. Foto: Vatican News
Recordamos que nossa Constituição Fundamental diz: “A natureza da Ordem como sociedade religiosa se deriva de sua missão e de sua comunhão fraterna” (LCO VI). Nossa missão e nossa comunhão fraterna constituem conjuntamente nossa natureza, somos frades-pregadores. A visão de Domingos para a Ordem se manifesta claramente quando pediu ao papa Honorio III para fazer uma mudança pequena, mas significativa na Bula de 21 de janeiro de 1217, isso é, mudar a palavra original “pregantes” (pessoas que estão pregando) pelo substantivo “pregadores”. Assim, podemos dizer que nossa missão não é primordialmente o que fazemos, ou seja, pregar, mas quem somos, isto é, pregadores.
Servimos a missão de ajudar a construir a Igreja através do carisma dado a Domingos e a sua ordem. Sendo um pouco mais exato, isso significa que uma paróquia dominicana é aquela na qual a comunhão dos irmãos pastoreia a comunhão da paróquia; uma instituição acadêmica dominicana é aquela na qual a comunhão dos irmãos lidera a comunidade acadêmica no estudo, ensinamento e pesquisa; um centro que busca implementar a doutrina social da Igreja, que busca promover a paz de Cristo através de relações justas, é uma comunhão de irmãos que busca ajudar ao povo a viver conforme sua dignidade de filhos de Deus.
Sendo realista, a diversidade e as diferenças entre os irmãos as vezes podem debilitar a comunhão. Porém isso, também, pode se converter em parte de nosso serviço profético à Igreja e à sociedade: é possível ter diferenças e permanecer como irmão, é possível não estar de acordo sem romper a comunhão.
Espero e rezo para que nos anos vindouros a reestruturação da Ordem que começamos há alguns anos caminhe para um sentido mais intencional e profundo de comunhão. O irmão Bruno [Cadoré] nos disse que temos 800 irmãos em formação – como provemos a esses irmãos a mesma qualidade de formação, porque eles não são simplesmente filhos das Províncias, mas sim são nossos irmãos.
Escutei uma vez um ditado muito bonito, dos lábios de um irmão africano: “necessita-se uma tribo inteira para criar uma criança”. Talvez seja bom perguntar a esse Capítulo e a toda a Ordem, qual é a dimensão dessa “tribo”? Nossas Constituições nos recordam: a Ordem é uma comunhão, não uma federação, de províncias. Como poderemos transformas esse affectus communionis (comunhão afetiva) em uma efectiva communio, uma comunhão efetiva ou concreta?
Os dominicanos seguem cerrando fileira com o primeiro Papa jesuíta da história e contra as "resistências" que está sendo encontrada para reformar a Igreja?
Construir o Corpo de Cristo é construir comunhão. No entanto, nossa Igreja hoje sofre divisão. O Corpo de Cristo está ferido. Parece que alguns membros da Igreja não percebem que, quando machucam e causam dor a outros membros, estão causando danos a si mesmos. "Quando um membro sofre, todos os membros também sofrem", diz São Paulo.
O papa Francisco sabe que as divisões gradualmente destroem a Igreja. Há alguns anos, ele disse em uma homilia: “o diabo tem duas armas muito poderosas para destruir a Igreja: divisões e dinheiro ... as divisões na Igreja não permitem que o Reino de Deus cresça; eles não deixam o Senhor parecer bem, assim como Ele é. Ao contrário, "as divisões fazem essa parte parecer, essa outra parte contra ela, sempre contra, não há óleo de unidade, o bálsamo da unidade". Isso nos leva à importância da missão de São Domingos e São Francisco, para construir a Igreja. Se a Igreja está ameaçada por divisões, temos que construir a comunhão.
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“Nossa Igreja hoje sofre com a divisão. O corpo de Cristo está ferido”. A primeira entrevista do mestre-geral dos dominicanos Gerard Timoner - Instituto Humanitas Unisinos - IHU