12 Julho 2019
Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, sobre o Evangelho deste 15º Domingo do Tempo Comum, 14 de julho (Lucas 10,25-37). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O trecho do Evangelho deste domingo nos adverte contra o fato de pensar que a misericórdia é só um sentimento, uma comoção profunda que nos envolve nas entranhas e no coração.
Certamente, ela se origina desse sentimento, mas depois deve se traduzir em uma ação, em um comportamento, em um “fazer misericórdia”. A insistência nessa página no verbo “fazer” e, em particular, a resposta final do doutor da Lei (“Aquele que fez misericórdia”), seguida da aprovação de Jesus (“Vai e faze a mesma coisa”), nos iluminam sobre essa prática da caridade para com os nossos irmãos e as nossas irmãs.
Leiamos juntos, portanto, esse trecho muito conhecido, mas que sempre precisa não ser repetido servilmente, mas sim de uma atenção nova e pontual, como se o lêssemos pela primeira vez. Sim, muitas vezes eu o comentei, mas seria uma ofensa à sua qualidade de palavra de Deus se eu o apresentasse a vocês, leitores, através de um “copia e cola” de outros escritos meus. Não, esse evangelho “hoje” ressoa assim em mim, e eu compartilho os seus efeitos hoje, precisamente, não no passado.
Estamos sempre seguindo Jesus na sua subida a Jerusalém, e eis outro encontro: desta vez entre Jesus e um doutor da Lei, um jurista (nomikós). Esse especialista da Torá e da sua tradição em Israel quer pôr Jesus à prova, quer verificar o seu conhecimento escriturístico e a sua fidelidade ou não à tradição. Por isso, ele lhe faz uma pergunta clássica, típica de todas as pessoas e de todos os tempos: “O que fazer?”; pergunta que, no espaço religioso do judaísmo, ressoa com um acréscimo: “O que fazer para receber em herança a vida eterna?”. Jesus lhe responde com uma contra-pergunta: “O que está escrito na Lei? Como lês?”, tentando desse modo levá-lo a se expressar na primeira pessoa.
O especialista, então, cita o grande mandamento atestado no Deuteronômio, que todo judeu sabe de cor e repete três vezes por dia, o Shema’ Jisra’el: “Escuta Israel, o Senhor é o nosso Deus, o Senhor é um. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma, com toda a tua força e com toda a tua inteligência” (Dt 6,4-5). Depois, com inteligência espiritual, acrescenta o mandamento de amor ao próximo, extraindo-o do livro de Levítico (Lv 19,18).
Segundo Lucas, o doutor da Lei faz uma interpretação que tem como fundamento o paralelo entre os dois mandamentos do amor. Jesus não pode fazer nada mais senão aprovar tal interpretação, que alcança o seu ensinamento sobre o amor estendido até aos inimigos, aos perseguidores (cf. Lc 6,27-35), e consequentemente convida esse homem a realizar, a pôr em prática cotidianamente aquilo que ele soube afirmar.
Mas esse especialista que quisera pôr Jesus à prova, querendo justificar a sua pergunta inicial, interroga-o novamente: “E quem é o meu próximo?”. Mais uma vez, Jesus não responde diretamente, porque, se consentisse com a pergunta do seu interlocutor, deveria dar uma definição do próximo e, assim, situar-se dentro da casuística dos escribas e dos fariseus, aos quais o doutor da Lei pertence. Não, o próximo não pode ser encerrado em uma definição, porque, na verdade, é aquele que cada um de nós decide tornar próximo, aproximando-se dele. É por isso que Jesus conta uma parábola, acrescentando-lhe, no fim, outra contra-pergunta.
Um homem anônimo, do qual Jesus não especifica nada – nem a nacionalidade, nem a condição social, nem a pertença religiosa –, enquanto percorre a estrada que desce de Jerusalém a Jericó, é atacado por bandidos que o saqueiam, batem nele e o deixam meio morto à beira da estrada. Nada de extraordinário, mas um fato que é cotidiano nas nossas cidades, principalmente onde os bandidos roubam, agarram, espancam e acabam deixando as pessoas agredidas no chão pelas ruas...
Nessa estrada – diz Jesus – passam duas pessoas, marcadas pela sua função religiosa: um sacerdote e um levita, homens aos quais é confiado o cuidado do templo de Deus em Jerusalém e que, em Israel, mostram-se exemplares para os outros. Pois bem, esses dois homens religiosos, conhecedores da Lei, voltados a honrar a morada de Deus, passando por essa estrada, “veem” aquele homem no chão, ferido e necessitado, mas passam longe, do outro lado. Estão longe e continuam o seu caminho.
Por quê? Talvez sejam insensíveis, malvados? Não. Então por quê? Porque são habitados acima de tudo pelo dever de ficar longe de um possível cadáver, por medo de se tornarem impuros (cf. Nm 19,11-16). Ou talvez porque veem, mas não olham verdadeiramente, não estão acostumados a ver discernindo (“Bem-aventurado aquele que discerne o pobre e o miserável” [Sl 41 (40), 2 LXX]). Eles não fazem mal algum, mas certamente omitem de fazer alguma coisa.
E assim também para nós: a maioria dos nossos pecados, das nossas contradições ao amor fraterno não se origina do ódio ou da maldade, mas se trata de ações falhas por indiferença. Exatamente como o Senhor nos lembrará no dia do juízo: “Vão para longe de mim, malditos, porque não fizeste isto nem aquilo” (cf. Mt 25,41-45)...
O que surpreende na continuação da parábola é que, ao sacerdote e o levita, os típicos religiosos, Jesus opõe um samaritano, o antítipo, isto é, o perfeito contrário dos dois judeus observantes e puros. Os samaritanos, de fato, eram considerados impuros, cismáticos e heréticos, detestados pelos judeus e sempre em luta contra eles. Em suma, um samaritano certamente era a pessoa mais desprezada pelos judeus... mas é justamente ele que Jesus coloca como exemplar: isso é demais! Até o samaritano, passando por aquela estrada, vê, e para ver bem se aproxima, faz-se próximo do homem ferido; então, rosto contra rosto, o samaritano se comove nas entranhas, sente subir das suas profundezas um sentimento de compaixão, de indignação, de piedade. A misericórdia é esse sentimento visceral, materno, que, na realidade, reúne muitos sentimentos e, como uma pulsão, sobe das nossas entranhas, fazendo-nos sentir como que sofrimento, com-sofrimento, com quem tem necessidade.
Do sentimento nasce a ação: o samaritano derrama óleo e vinho sobre as feridas, enfaixa-as, depois carrega aquele homem sobre o seu jumento e o leva a uma pensão, confiando-o ao dono da pensão para os cuidados e a convalescença. Esse samaritano cuida do homem ferido pelos bandidos até o possível resultado positivo: ele faz tudo o que pode.
Eis então que surge a verdade: há pessoas consideradas impuras, não ortodoxas na fé, desprezadas, que sabem “fazer misericórdia”, sabem praticar um amor inteligente para com o próximo. Não têm que apelar nem para a Lei de Deus, nem para a sua fé, nem para a sua tradição, mas simplesmente, como “humanos”, sabem ver e reconhecer o outro na necessidade e, portanto, se colocar a serviço do seu bem, cuidar dele, fazer-lhe o bem necessário. Isso é fazer misericórdia!
Ao contrário, há homens e mulheres fiéis e religiosos, que conhecem bem a Lei e são zelosos em observá-la minuciosamente, que, precisamente por olharem mais para o “está escrito”, para aquilo que foi transmitido, do que para o vivido, para o que lhes ocorre na vida e para aqueles que têm à sua frente, não conseguem observar a intenção de Deus ao dar a Lei: e essa única intenção, a serviço da qual a Lei se coloca, é a caridade para com os outros!
Mas como isso é possível? Como é possível que precisamente as pessoas religiosas, que frequentam diariamente a igreja, rezam e leem a Bíblia, não só se omitem de fazer o bem, mas também não cumprimentam os coirmãos e as coirmãs, coisas que os pagãos fazem? É o mistério da iniquidade operante também na comunidade cristã!
Não devemos nos surpreender, mas apenas nos interrogar, perguntando-nos se, às vezes, não estamos mais do lado do comportamento omissivo justamente desses justos inveterados, desses legalistas e devotos que não veem o próximo, mas acreditam ver Deus, não amam o irmão que veem, mas têm certeza de amar o Deus que não veem (cf. 1Jo 4,20); desses zelosos militantes para os quais a pertença à comunidade ou à Igreja é fonte de garantia, que os torna vendados, cegos, incapazes de ver o outro necessitado.
Então, no fim da parábola, Jesus pergunta ao perito da Lei: “Na tua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?”. O outro responde: “Aquele que fez misericórdia” (Vulgata: “Qui fecit misericordiam”). E Jesus, portanto, conclui: “Vai e faze a mesma coisa”, isto é, “faze misericórdia”, isto é, olhe com cuidado, com discernimento, aproxima-te, faz-te próximo, sente uma compaixão visceral e faz misericórdia cuidando do necessitado.
O próximo não existe: o próximo é aquele que eu decido tornar próximo.
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Fazer misericórdia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU