03 Julho 2019
O ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, é detrator do que chama de “globalismo”, rótulo que ele dá a certos princípios compartilhados em escala planetária como a preservação ambiental e o respeito aos direitos humanos. O epicentro do globalismo seria a Europa, chamada por ele em um texto de 2017 de “espaço culturalmente vazio regido por ‘valores’ abstratos”.
O comentário é de André Barrocal, publicado por CartaCapital, 03-07-2019.
O embaixador não vê, contudo, contradição entra sua visão e o fato de comemorar o recente acordo entre Mercosul e União Europeia. Para ele, o acordo não foi uma vitória do “globalismo”. O triunfo teria sido de uma “aliança liberal conservadora”, expressão que usou em entrevista coletiva nesta terça-feira 2. Tradução: ideologia “globalista” não vale; “liberal conservadora”, vale.
Pelo que o diplomata deu a entender, essa “aliança” seria a síntese do bolsonarismo. Liberal em termos econômicos, vide a tentativa do governo de aprovar a impopular reforma da Previdência, defendida em manifestações de rua em 26 de maio. E conservadora em questões comportamentais, vide os decretos armamentistas baixados pelo presidente.
Araújo tampouco concorda com outra contradição. O bloco sul-americano nunca foi levado a sério por Jair Bolsonaro e sua equipe. Logo após a eleição presidencial, Paulo Guedes, hoje ministro da Economia, declarou: “Mercosul não é prioridade”. O antigo Mercosul não era realmente prioridade, disse Araújo, aquele pós-Bolsonaro é.
Segundo Araújo, União Europeia e Mercosul passaram por uma “desideologização”, e é por isso que ele e o governo festejam o acordo. O foco do entendimento seria só comercial. “Quem critica o globalismo não critica o livre comércio”, afirmou o ministro, para quem o comércio às vezes pode ser usado para destruir a identidade nacional.
Não é inteiramente verdade que o acordo não tem “ideologia globalista”. O Brasil promete não abandonar o acordo de Paris sobre o clima. Mas, segundo disse ao lado de Araújo o secretário de Negociações Bilaterais e Regionais nas Américas do Itamaraty, Pedro Miguel Costa e Silva, o acordo global não será usado como barreira ao comércio Mercosul-União Europeia.
O Brasil de hoje, conforme Araújo, quer fazer comércio com todo mundo, sem ter de assumir certos compromissos políticos. É por isso que há interesse, disse, em negociar um acordo comercial com a Arábia Saudita. Na recente reunião de cúpula do G20, Bolsonaro encontrou-se com o príncipe saudita Mohammad bin Salman.
A Arábia é uma ditadura teocrática. Lá jornalista que contraria o governo morre. Em outubro de 2018, o jornalista Jamal Khashoggi foi assassinado ao entrar no consulado de seu país em Istambul, a capital da Turquia. Ele tinha fugido da Arábia seu país em 2017. A CIA concluiu no fim de 2018 que ele foi assassinado a mando de Mohammad bin Salman.
Além de Bolsonaro, o príncipe reuniu-se durante o G20 com a primeira-ministra britânica, Teresa May, e esta cobrou dele um processo legal e transparente de investigação do assassinato.
Segundo o jornalista brasileiro Jamil Chade, que trabalha na Suíça, as ditaduras árabes querem uma aproximação maior com o Brasil em uma aliança ultraconservadora. Esses países enxergam afinidades Bolsonaro em temas comportamentais, como aqueles referentes à família patriarcal.
É mais uma contradição do Itamaraty de Bolsonaro. A política externa petista é tachada de ideológica por ter se relacionado amistosamente com Venezuela e Cuba, países chamados de “ditadura” pelo bolsonarismo. Fazer acordo com ditadura árabe, não: é interesse comercial.
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“Acordo Mercosul-União Europeia é vitória liberal-conservadora” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU