28 Junho 2019
Em texto de maio, órgão se contrapõe a pronunciamento do ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, que assegurou, em abril, a permanência das comunidades na região; moradores sentem-se excluídos das discussões sobre acordo comercial com EUA.
A reportagem é de Maria Lígia Pagenotto, publicado por De Olho nos Ruralistas, 27-06-2019.
Um ofício escrito em maio, acerca do Acordo de Salvaguardas Tecnológicas (AST) firmado entre os Estados Unidos e o Brasil para utilização do Centro Espacial de Alcântara (CEA), no Maranhão, e assinado pelo ministro da Defesa, o General Fernando Azevedo e Silva, deixa claro que, se for necessário, a população quilombola que habita a área será removida para outro local. A mudança será feita, diz o texto, “caso a ratificação do AST pelo Congresso promova, como se espera, um incremento nos negócios, e isso leve o Governo Brasileiro a prosseguir com a consolidação do CEA”.
A resposta contradiz o que o ministro da Ciência e Tecnologia, Marcos Pontes, afirmou no dia 15 de abril, durante seminário realizado em São Luís (MA). No evento, organizado pela Secretaria da Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) do Maranhão, com a participação do governador Flávio Dino (PCdoB), foram apresentados às autoridades, cientistas e pesquisadores presentes, os principais pontos do acordo fechado com os Estados Unidos.
“Nós temos uma preocupação total com as pessoas, afinal, isso tudo é para a população”, afirmou Pontes na ocasião. Ele garantiu que a área delimitada para o começo da operação comercial da base seria suficiente para dar início à operação comercial com os Estados Unidos. “E vamos fazer isso respeitando a cultura e a tradição das pessoas, sempre em contato com todo mundo”, explicou. Segundo o ministro, o uso comercial diz respeito, basicamente, à utilização do espaço para lançamento de foguetes e satélites de outros países que usem componentes dos Estados Unidos.
O ofício traz uma série de respostas a questões feitas pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), em 10 de abril, solicitando ao Ministério da Defesa, em um requerimento, detalhes sobre o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas.
Na resposta 12, o texto do ministério diz que o acordo “trata de salvaguardas tecnológicas e não contém dispositivos acerca do tratamento do Centro com as comunidades locais”. Afirma ainda que o acordo não trata de questões fundiárias. A pergunta menciona os Artigos 6 e 15 da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que determinam que “as comunidades quilombolas devem ser consultadas previamente, de modo livre e informado sobre projetos que podem afetar seus territórios e modos de vida”.
A contradição entre o que disse Pontes em abril e o ofício datado de 21 de maio, do Ministério da Defesa, ganha mais relevância diante do cancelamento, em Brasília, pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara, do debate sobre o tema que estava agendado para quarta-feira (26).
Solicitada pelo deputado Camilo Capiberibe (PSB-AP), a audiência tinha o objetivo de discutir as mudanças e o impacto na vida das comunidades quilombolas com a exploração econômica no centro de lançamento. Para essa reunião, estavam confirmadas as presenças de representantes do Ministério da Defesa, Ministério das Relações Exteriores, Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, do governo do Maranhão, da Fundação Cultural Palmares, de quilombolas da região e de outros representantes da sociedade civil. O debate ainda não foi remarcado.
Na Câmara, deputados da oposição apontam que o AST não traz nenhum dado a respeito das consequências que o acordo comercial – “o primeiro de vários que serão firmados com outros países, como o Japão”, segundo o ministro Pontes disse no evento em São Luís – pode acarretar para os quilombolas da região de Alcântara.
Por conta disso, os parlamentares se valeram de recurso para obstruir nesta semana o andamento da pauta do deputado Hildo Rocha (MDB-MA), que apreciou o acordo. Marcos Pontes disse que este assunto entrará em discussão na segunda fase do projeto, após o acordo de salvaguardas ser aprovado.
O adiamento da audiência na Câmara é mais um dado que aponta o desinteresse do governo federal em debater de fato o que o acordo pode trazer como consequência para os quilombolas. Não sem razão, eles se sentem excluídos das discussões. No seminário realizado em abril, em São Luís, nenhum representante das comunidades quilombolas impactadas pelo projeto de expansão da base foi convidado a participar.
O coordenador-geral do Movimento dos Atingidos pela Base Espacial de Alcântara (Mabe), Leonardo dos Anjos, manifestou-se publicamente na ocasião contra a ausência dos quilombolas. Em carta apresentada durante um painel da Secretaria de Direitos Humanos e Participação Popular, no dia 30 de abril, o Mabe afirma que o governo federal não propõe um diálogo justo. De Olho nos Ruralistas esteve na região e relatou a preocupação dos quilombolas em vídeo.
Na pergunta 13, é relatado que, “recentemente, quilombolas de Alcântara denunciaram os novos planos de expansão do governo brasileiro à OIT, dado que, além da ausência de consulta prévia, livre e informada, o novo projeto ocuparia toda a costa de Alcântara, 12.645 hectares, e resultaria na remoção de 792 famílias, e na restrição ao mar daquelas que já foram removidas no passado”. É lembrado ainda que a Justiça Federal determinou que se realize a titulação do território dos quilombolas.
Em resposta, o ministro da Defesa diz apenas que, com a ratificação do acordo, espera-se que o ambiente de negócio prospere “e, assim, seja oportuno concluir a consolidação do Centro Espacial de Alcântara (CEA), com reflexos sociais e econômicos importantes para a região”. Em relação às famílias, afirma que o número exato “será confirmado por meio de um cadastramento social a ser realizado em data futura ainda não estabelecida”.
Há quase 40 anos as comunidades de Alcântara lutam pela garantia de seus territórios, desapropriados, durante o governo do general João Baptista Figueiredo, sob a alegação de segurança, por conta da construção da base, em 1983. Ao longo dos anos, moradores da região foram expulsos de suas terras, sem receber indenização por isso. Agora, temem que a situação se repita.
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Quilombolas podem ser retirados de Alcântara (MA), afirma ministro da Defesa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU