03 Junho 2019
"Agora, onde o oportunismo está dando lugar ao arrependimento, cada tuitada é uma sentença de algo que antes dava em IPM, e agora gera apenas em mais audiência para uma laia de alucinados seguidores de Olavo ou "sócios" famintos do Chicago Boy do momento. Tempos sombrios, e de muita desinformação".
A advertência é de Bruno Lima Rocha (primeira parte), pós-doutorando em economia política, doutor em ciência política e professor de relações internacionais e jornalismo, em texto escrito com Pedro Guedes (segunda parte), internacionalista e acadêmico de direito. Ambos são membros do Grupo de Pesquisa Capital e Estado, ênfase em economia política & RI.
No artigo, eu e o internacionalista Pedro Guedes trazemos um debate em dois tempos. Na primeira parte, realizo uma bateria de questionamentos. Na segunda, Pedro abre o debate recente na pauta da Defesa, também demonstrando a inépcia do atual governo naquilo que seria um de seus alegados pontos fortes. A urgência dos tempos e a dimensão mentecapta do governo Bolsonaro não nos permite perder tempo. Iniciamos com a série de temas em aberto na forma de bateria de perguntas:
1) Qual a capacidade do general (r) Eduardo Villas Bôas como liderança efetiva dos militares de 4 estrelas na ativa (ao menos no Exército)? Amplio a pergunto e coloco a dúvida: esta condição da aliança e liderança sobre aqueles demais militares ocupando cargos de destaque no co-governo com o clã Bolsonaro, o capital financeiro, a base neopentecostal e a extrema direita olavista? Villas Boas exerce comando - de tipo "semper fidelis" - ou é uma fonte de consulta para decisões já em andamento?
2) Ainda sobre o general (r) Villas Bôas, sempre me perguntei se havia - se ainda há - uma ala profissional nas Forças Armadas (supostamente representada pelo próprio general já citado) e secundado pelo general Fernando Azevedo e Silva (hoje titular da pasta da Defesa no Brasil)? E se há esta ala, haveria outra mais à direita, das que reivindicam o "passado glorioso de 1964", visivelmente representada esta pelo vice-presidente Hamilton Mourão Filho (general da reserva, quatro estrelas), Sérgio Westphalen Etchegoyen (também general de Exército, idem na reserva) e pelo comandante em chefe do EB, general Edson Leal Pujol. Existem estas alas, ou isso é uma classificação pós-fato? Dentro destas supostas posições, como se enquadra o general (r) Augusto Heleno Ribeiro Pereira, atual titular do GSI, logo, dirigente da inteligência brasileira de fato? Não custa observar que o diretor-geral da ABIN, embora civil e matemático de formação, ingressou nos quadros regulares ainda em 1984, ou seja, ainda no antigo SNI. Logo, além do profissionalismo, deve ser bastante leal aos novos (velhos) chefes.
3) Cinco dos quatro generais acima citados são ao menos nascidos no Rio Grande do Sul, sendo o do GSI nascido no Paraná. Logo, fica uma dúvida e outra subjacente. Existe ainda o que Elio Gaspari (o amigão do Golbery, mas que em 2013 botou a cara pela FAG contra os desmandos do "implacável" governador da ex-esquerda do pago, que reprimia sem dó a esquerda na rua) chamou como sendo o "exército do Rio Grande"? Se sobrou algo dessa denominação, onde está o positivismo borgista-castilhista e, ainda mais difícil de perceber, onde estão vestígios, ao menos traços ínfimos de nacionalismo?
4) Recentemente fiz uma postagem jocosa - tenho mais inclinação ao uso do Facebook como local de humor do que de análise, confesso - onde afirmei que está todo mundo "buscando um clone do marechal Lott para chamar de seu". Não critico quem o faça, ainda mais se reforço o paralelismo que vivemos com a década de '50, piorada é certo, com Olavo de Carvalho e sem Guerra Fria para contrabalançar. Bem, outra dúvida. Existem clones do Lott? Estariam sendo formados alguns candidatos neste sentido?
5) Fecho meu caminhão de perguntas iniciais supondo que exista no mínimo um profundo mal estar destes generais, incluindo outros, como o "sorridente" general Santos Cruz tão citado pelos olavistas, à frente da Secretaria de Governo da Presidência. Sem estes generais e mais de 120 outros oficiais generais e oficiais superiores simplesmente o fragilizado clã Bolsonaro e seu partido recém-renascido, o PSL, jamais teriam qualquer condição de governar, ou estariam ao menos muito mais desgovernados. Será que estes militares representam um plano de poder, um projeto de poder eleitoral com generais da reserva à frente? Se for isso, qual o projeto?
É fato. Esta geração de duas, três e quatro estrelas não teve o momento de fertilizar suas doutrinas, ganhar voz e existência e depois rachar nas duas alas do partido militar que governou o país por 21 anos através de uma ditadura que inventou seu próprio regime. Logo, duvida-se que apostem suas fichas todas no governo Bolsonaro, mas, ao mesmo tempo, será que o entreguismo impregnou a tal ponto de não haver mais retorno?
Tais dúvidas, creio que não ocorrem apenas a este analista e devem estar permeando conjecturas sem fim neste desgoverno que definitivamente vai conseguir fazer o que a Abertura não deixou: expor as vísceras da relação dos militares com o poder civil. Este é um dos maiores feitos do capitão reformado que deveria ter sido expulso e não foi. Agora, onde o oportunismo está dando lugar ao arrependimento, cada tuitada é uma sentença de algo que antes dava em IPM, e agora gera apenas em mais audiência para uma laia de alucinados seguidores de Olavo ou "sócios" famintos do Chicago Boy do momento. Tempos sombrios, e de muita desinformação. Por isso é urgente o debate que segue, produzido por Pedro Guedes.
Durante a campanha presidencial, e ao longo de sua carreira política, Jair Messias Bolsonaro defendera como uma de suas principais bandeiras o patriotismo e a defesa das forças de segurança, em especial, os militares do Exército, da Marinha e Aeronáutica. Tanto que seu discurso de posse trouxe referências ao patrono do Exército, Duque de Caxias e palavras de ordem.
Também fizera ao longo da campanha, críticas ao legado dos governos do Partido dos Trabalhadores na área de Defesa, afirmando em entrevista no início de 2019 que o país não sofrera grandes investimentos na área desde o final do Governo Figueiredo (último governante da Ditadura Militar)[1]. Ao fazer isso, o atual presidente mostra desconhecer os projetos de compra e modernização realizados desde a segunda metade da década de 1990. Mesmo com períodos de limitação orçamentária, como nos anos de 1998-2003 (Crise Cambial de 1998 e baixo crescimento econômico), não foi incomum a compra de equipamento que suprisse as necessidades de um país “seguro” nas suas fronteiras e sem Guerras no seu entorno.
Desde o Governo FHC (Fernando Henrique Cardoso), tivemos a compra dos Carros de Combate (CC’s ou MBT na sigla em inglês) de origem alemã Leopard 1a1 [2]. Nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva houve a implementação do projeto FX 2, concluído durante o governo de Dilma Rousseff, que escolheu a empresa de aviação sueca SAAB para providenciar 36 caças de combate multifunção[3]. Durante os governos Lula e Dilma também houve a consolidação dos projetos estratégicos das Forças Armadas, que são a ponta de lança do desenvolvimento econômico e militar do país.
Além da já citada compra dos caças multifunção suecos, temos ainda o projeto KC-390 (Avião Logístico nacional, com objetivo de exportação), o projeto PROSUB, que visa a construção de 4 submarinos convencionais (movidos a baterias e a diesel) e um submarino movido a propulsão nuclear[4]. Também tivemos o avanço no projeto de monitoramento das fronteiras (SISFRON), que desde o governo FHC é desenvolvido, mas que apenas na segunda metade da década de 2000-2010 ganhou grandes investimentos, ainda que esteja incompleto[5].
Todos os projetos acima citados foram reunidos e planejados dentro de uma publicação anual, que é de suma importância para o planejamento e execução das políticas de Defesa Nacional, o Livro Branco de Defesa. Essa publicação, lançada no atual formato desde 2012, codifica de maneira acessível e direta os objetivos e projetos do Governo Federal para a área, em concordância com outras nações que produzem material semelhante, e há mais tempo, como a Alemanha, que desde a década de 30 produz o seu exemplar dessa publicação [6].
A mais recente atualização do Livro Branco, e dos outros documentos relativos à área (Estratégia Nacional de Defesa e Política de Defesa Nacional) é de 2016, mas em 2018, alguns de seus elementos foram atualizados em dezembro de 2018, por via do Decreto Legislativo 179/2018. Este decreto traz nas suas recomendações ao Ministério da Defesa, que se aprimore a cooperação do Brasil com os vizinhos sul-americanos, a partir do reforço do Conselho de Defesa da Unasul, e da própria Unasul (União de Nações Sul Americanas). A princípio, a versão do livro de 2016, teria validade até 2020, mas pela retórica do governo, esperava-se que alguma mudança significativa ocorresse [7,8].
Ironicamente, estes órgãos foram esvaziados e praticamente abandonados no atual governo. Isso ocorre pela visão enviesada das Relações Internacionais que rege o presidente e de seu grupo de governo. Ao demonizarem os dois governos eleitos democraticamente anteriores ao seu, bem como seu legado, Bolsonaro destrói pontes entre o Brasil e seus vizinhos, em diversas áreas para além da de Defesa, perde oportunidades para melhorar as Forças Armadas, o que pode culminar num verdadeiro sucateamento das forças federais (Força Aérea , Exército e Marinha).
O desdém pelas publicações de Defesa é tanto, que em quase seis meses de governo, não saiu nenhuma publicação do tema, nem reformulação ou atualização sobre o mesmo. Ao se preocupar com viagens internacionais mal planejadas ou em insultar cidadãos insatisfeitos (muitos ex-eleitores), o governo mostra-se displicente com uma área que em outros países é vista com grande preocupação e esmero.
Referências:
1- Bolsonaro critica PSDB e PT por falta de investimentos nas Forças Armadas
3- Após mais de dez anos, Dilma escolhe caças suecos para a FAB
4- Programa de Desenvolvimento de Submarinos
5- Projeto estratégico do Exército
6- Decreto 7.438 e German White Book
8- Decreto Legislativo Nº. 179
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As Forças Armadas e o governo Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU