29 Mai 2019
“Nas atuais divisões e tensões intra-ortodoxas, devemos ouvir-nos, encontrar-nos e falar uns com os outros, manifestando o nosso sofrimento, abandonando inimizades e evitando tomadas de posições apodíticas. O percurso é sempre o da desconfiança para a confiança recíproca, purificando e curando as memórias, até delinear juntos o caminho que nos espera, medindo-o no caminho para o Reino, objetivo para o qual todas as Igrejas estão em peregrinação”, escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Vatican News, 28-05-2019. A tradução é de CEPAT.
O mistério da Igreja como o corpo de Cristo Senhor, é revelado e compreendido sobretudo por quem não apenas acredita, mas o vive. O apóstolo Paulo, recorrendo à imagem do corpo humano, escreve: "Como o corpo é um, embora tenha muitos membros, e como todos os membros do corpo, embora sejam muitos, formam um só corpo, assim também acontece com Cristo... para que não haja divisão no corpo, mas, pelo contrário, os membros sejam igualmente solícitos uns pelos outros. Se um membro sofre, todos os membros sofrem com ele; se um membro é honrado, todos os membros se regozijam com ele” (1 Cor 12, 12.25-26).
Precisamente por causa deste grande mistério vivido cotidianamente como exigência absoluta, nós católicos sofremos por causa das tensões, das contradições às vezes experimentadas pelas diferentes Igrejas, incluindo a Católica, e agora sofremos de maneira especial pela interrupção da comunhão eucarística decretada pelo Sínodo do Patriarcado de Moscou em relação ao de Constantinopla, duas Igrejas irmãs com as quais a comunhão que nos une é muito mais forte do que aquilo que nos separa.
Sim, antes de tudo queremos dizer às Igrejas da ortodoxia que fazemos nosso seu sofrimento, porque é a caridade de Cristo que nos leva a essa participação em seus sentimentos. Pedro, o Venerável, abade de Cluny, grande monge e espiritual medieval, escrevia em uma carta: Non vegetatur Spiritu Christi qui não sentit vulnera corporis Christi! Não vivem do Espírito de Cristo quem não sofre as feridas do corpo de Cristo”.
Este sofrimento nos leva antes de tudo à oração, à invocação do Espírito de comunhão sobre todas as Igrejas e sobretudo sobre as Igrejas atualmente em tensão entre elas: como na ladainha que abre a Divina Liturgia de São João Crisóstomo, nós elevamos a nossa súplica: "Pela paz do mundo inteiro, pela prosperidade das santas Igrejas de Deus e a união de todos nós, imploramos ao Senhor: Kyrie eleison!". A oração expressa na partilha do sofrimento e na concordância dos pedidos é o primeiro passo urgente e necessário para que as feridas sejam curadas, as contraposições sejam transcendidas e as divisões passadas e presentes deem lugar à comunhão, que é o dom por excelência do Senhor à sua Igreja.
A Ucrânia é uma terra de encontros, como o próprio nome indica, e a herança que ela preserva a partir dos santos fundadores do Mosteiro das Grutas - Antônio e Teodósio - é um precioso tesouro, um dom para todas as Igrejas. A contraposição ocorrida fere esta herança e enfraquece o anúncio do Evangelho do qual esta terra tem necessidade depois de décadas de perseguição religiosa e de sofrimento de um povo inteiro.
Ninguém esquece os sofrimentos humanos e eclesiais do povo ucraniano e cada Igreja cristã confessa o testemunho dos mártires ortodoxos, católicos de rito oriental ou latino, protestantes, cujo sangue derramado pela fidelidade a Cristo Senhor é semente de fé e ao mesmo tempo verdadeiro ecumenismo vivido na carne, em dar a vida por Deus e pelos irmãos e irmãs. Em torno do Cordeiro, estes mártires e confessores intercedem unanimemente pelas suas Igrejas e pela Igreja una, santa, católica e apostólica, para que reine a santa ‘koinonia’ dada pelo Ressuscitado através do Espírito Santo. São esses mártires que também na Ucrânia nos recordam que as paredes erguidas sobre a terra entre as Igrejas, não se elevam até o céu.
Com esta viva intercessão, resistamos portanto ao Divisor, ao diabo, que sempre busca trazer divisão entre os cristãos para destruir a integridade do corpo de Cristo: não permitamos que o diabo nos separe e não façamos o seu jogo! No outono passado, em Bari, todas as Igrejas Ortodoxas estavam em oração e em diálogo com o Bispo de Roma: evento primaveril de ecumenismo sobre o qual logo precipitou gelo, certamente desejado pelo Divisor.
Mas, além de compartilhar o sofrimento e a oração, o que nós católicos podemos fazer? Em primeiro lugar, não fazer o menor gesto que possa parecer uma intromissão em questões internas da ortodoxia, nem alimentar um desejo, ou menos ainda, uma pretensão de arbítrio entre Igrejas Ortodoxas que vivem divisões, não apenas na Ucrânia, mas também no Oriente Médio.
Nas atuais divisões e tensões intra-ortodoxas, devemos ouvir-nos, encontrar-nos e falar uns com os outros, manifestando o nosso sofrimento, abandonando inimizades e evitando tomadas de posições apodíticas. O percurso é sempre o da desconfiança para a confiança recíproca, purificando e curando as memórias, até delinear juntos o caminho que nos espera, medindo-o no caminho para o Reino, objetivo para o qual todas as Igrejas estão em peregrinação.
Por fim, nesta hora de sofrimento de homens e mulheres por causa da guerra e da pobreza sofridas pelas populações dessas nossas Igrejas irmãs, torna-se necessário colocar-se a serviço do sofredor, dos necessitados, especialmente das crianças, primeiras vítimas inocentes de conflitos e da pobreza. As palavras do apóstolo Paulo também devem nos inspirar sempre: "Fazei-vos servos uns dos outros pela caridade" (Gl 5, 13). Para além das contraposições, que as Igrejas Ortodoxas sejam unidas no viver a caridade concreta para com todos aqueles que sofrem.
Portanto, dizemos aos nossos irmãos ortodoxos: "Temos necessidade de seu testemunho evangélico e a divisão de vocês nos fere a todos!"
O Papa Francisco na celebração das Vésperas na Basílica de São Paulo Fora dos Muros, em 25 de janeiro de 2015, dizia: "A unidade dos cristãos - estamos convencidos disso - não será fruto de refinadas discussões teóricas nas quais cada um tentará convencer o outro do fundamento das próprias opiniões". Virá o Filho do homem e nos encontrará ainda nas discussões.
Devemos reconhecer que, para alcançar a profundidade do mistério de Deus, precisamos uns dos outros, nos encontrarmos e nos confrontarmos sob a direção do Espírito Santo, que harmoniza as diferenças e supera os conflitos, reconcilia a diversidade". É com estes sentimentos que expressamos aos Patriarcas das Igrejas Ortodoxas, aos seus Metropolitas e Bispos, aos irmãos e irmãs ortodoxos, nosso amor, nossa solicitude, nossa fervorosa intercessão!
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A divisão dos ortodoxos faz mal a todos. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU