24 Abril 2019
"Não é a 'inércia' dos governos que é nosso principal inimigo, mas o fato de que eles e nós mesmos continuamos a bombardear o planeta com todas as coisas que estão nos levando à catástrofe. Em vez disso, deveríamos todos nos considerar em guerra: não "contra o clima", mas contra as coisas que fazemos ou sofremos todos os dias. Mas para ir à guerra é necessário reconverter rapidamente tanto a produção como o nosso estilo de vida, equipando-nos imediatamente com as armas necessárias para combatê-la e vencê-la".
O comentário é de Guido Viale, sociólogo e escritor italiano, em artigo publicado por il manifesto, 23-04-2019. A tradução é de Luisa Rabolini.
Na comemoração desta semana do "Dia da Terra" é um passo à frente que o movimento Friday for Future tenha colocado da agenda o tema das mudanças climáticas próxima de uma deriva irreversível e catastrófica. O movimento, que cresceu em torno das aparições midiáticas de Greta Thunberg, junto com a mais recente Extinction Rebellion, colocaram na agenda do público – em grande parte mantido no escuro pela mídia, políticos e a academia sobre a gravidade e a urgência do problema, especialmente na Itália - o tema das mudanças climáticas, agora próximas de uma deriva irreversível e catastrófica para a vida humana em nosso planeta. Uma espécie de "carta roubada" do nosso tempo que, como naquele conto de Poe, não conseguimos ver justamente porque está bem diante de nós: "Não há mais tempo": faltam poucos anos para o ponto de não retorno: doze para os cientistas do IPCC, apenas cinco para James Anderson, que analisa a evolução dos gelos na Terra.
Toda a humanidade, seus governos, seu establishment, seus membros chegam completamente despreparados ao vencimento desse prazo, conhecido há décadas. Não é a "inércia" dos governos que é nosso principal inimigo, mas o fato de que eles e nós mesmos continuamos a bombardear o planeta com todas as coisas que estão nos levando à catástrofe. Em vez disso, deveríamos todos nos considerar em guerra: não "contra o clima", mas contra as coisas que fazemos ou sofremos todos os dias.
Mas para ir à guerra é necessário reconverter rapidamente tanto a produção como o nosso estilo de vida, equipando-nos imediatamente com as armas necessárias para combatê-la e vencê-la. Todos as potências envolvidas na Segunda Guerra Mundial o fizeram em tempos muito curtos. Pode e deve ser feito inclusive agora, com uma mobilização geral. Em meio de tantas coisas certas, Greta comete um erro, repetidamente retomado por seus jovens seguidores: "Os políticos sabem o que precisa ser feito, mas não o fazem".
Não é verdade; os políticos não sabem absolutamente o que fazer, nunca pensaram realmente nisso (pensam em outras coisas, no PIB, no crescimento, nas grandes obras e nos grandes eventos, no seu eleitorado, nos subornos) porque os problemas a serem enfrentados são demasiado grandes para eles; por essa razão preferem enterrar a cabeça na areia. Certamente, (quase) todos os cientistas agora concordam sobre a origem antrópica e a iminência do desastre, e as tecnologias necessárias para descarbonizar o planeta já estão disponíveis.
Mas a transição envolve transtornos radicais de todos os arranjos sociais que nem os políticos nem o mundo das empresas e, menos ainda, os cidadãos em geral sabem como enfrentar. Mas é hora de começar a delinear em grandes linhas os passos a serem realizados; sua definição não pode ser confiada apenas aos técnicos, como aqueles que o economista liberalista Jeffrey Sachs convocou em Milão em 2 e 3 de abril para discutir como descarbonizar o mundo.
Falta em tudo isso a política, aquela verdadeira, que é o envolvimento e o autogoverno dos cidadãos em uma relação dialética entre o alto (os governos) e o baixo (as comunidades locais). Falta um roteiro que precisa ser colocado em discussão sem temores. Aqui vamos tentar indicar pelo menos alguns passos:
1. Declarar, como algumas cidades e universidades já fizeram, o estado de emergência climática. Significa bloquear o mais rapidamente possível todas as atividades que produzem gases que alteram o clima, dando prioridade a todos aqueles que contribuem para a descarbonização;
2. Garantir uma renda certa a todos os trabalhadores que perderão seus empregos - ou não o encontrarão - nas empresas sujeitas a fechamento, no aguardo de sua realocação em empresas e projetos empenhados na transição energética;
3. Transferir todos os investimentos e os incentivos públicos diretos das atividades ligadas aos fósseis para aquelas relacionadas à transição.
Não é pouca coisa: significa, imediatamente, bloquear a produção e importação de carros individuais e barcos de recreio, incluindo cruzeiros, e converter as montadoras para a produção de veículos de transporte coletivo ou compartilhado (o sistema elétrico, por si só, garante baixos benefícios climáticos, mesmo que emita menos poluentes) e usinas de geração de energia movidas a fontes renováveis;
- bloquear todas as centrais termoelétricas e todos os consumos energéticos supérfluos; transformar o mais rapidamente possível revestimentos e alimentação energéticas de todos os edifícios;
- converter agricultura e alimentação para as produção orgânica e de proximidade, reduzindo o consumo de carnes, mas principalmente de água e a exploração sem regeneração dos solos;
- reduzir ao mínimo o transporte aéreo, férias exóticas, importação-exportação de mercadorias supérfluas, tráfego transoceânico;
4. Definir sanções para os países e as corporações que não se adequarem a essas exigências com planos detalhados, submetendo-os a um monitoramento supranacional. Muito mais que acordos de Paris ...
5. Envolver o maior número possível de residentes de cada comunidade na definição, planejamento e implementação a nível local desses objetivos, porque as medidas para fazer frente a eles não podem ser determinadas de modo centralizado pelos Estados.
É a essa atividade, além que a pressionar os governos, que deverão se dedicar imediatamente às diversas expressões que assumirá o movimento pela salvação climática.
A transição que nos espera não é uma opção técnica, mas uma revolução dos consumos, dos estilos de vida, dos sistemas produtivos, das relações de poder cujos elementos determinantes são o conflito e a participação; por isso são inaceitáveis pelo establishment dominante, como Naomi Klein tentou nos explicar em seu livro This Changes Everything: Capitalism vs. the Climate (“Uma revolução nos salvará”, em tradução livre).
Hoje, parecem coisas impossíveis até mesmo de serem concebidas (e Greta é tratada como uma "deficiente": merecedora de pena ou de adulação; sem consequências). Em poucos anos, parecerão ainda completamente insuficientes.
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Terra e futuro, apenas uma revolução nos salvará - Instituto Humanitas Unisinos - IHU