01 Abril 2019
O Papa Francisco concluiu a sua histórica visita ao Marrocos celebrando uma missa animada por uma mistura de canto gregoriano com a batida de tambores e a dança, música e cantos ritmados de 10.000 fiéis – a maioria deles migrantes de países da África subsaariana – em um ginásio em Rabat, a capital desse país de maioria muçulmana.
A reportagem é de Gerard O’Connell, publicada em America, 31-03-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Foi a maior missa já celebrada nessas terras, onde o cristianismo surgiu entre os séculos II e III, mas onde resta apenas uma pequena presença até hoje.
Papa Francisco cumprimenta o irmão trapista Jean-Pierre Schumacher, 95 anos, o último sobrevivente do massacre de 1996 em Tibhirine, na Argélia, que agora vive no Marrocos. O Ir. Schumacher estava presente entre os padres, religiosos e religiosas, e membros do Conselho Mundial de Igrejas na Catedral de Rabat, no dia 31 de março de 2019 (Foto: Paul Haring/CNS)
Bispos e padres do Marrocos e de outros países concelebraram a missa com o Papa Francisco em um complexo esportivo na periferia da cidade. Entre os participantes da missa, estava o Ir. Jean-Pierre Schumacher, OCSO, o último monge sobrevivente do monastério de Tibhirine, na Argélia, onde sete monges trapistas foram mortos durante a guerra civil argelina em 1996. As orações foram lidas em árabe, francês, espanhol, inglês e italiano.
Comentando a leitura do Evangelho do dia – a parábola do filho pródigo – o Papa Francisco, falando em espanhol, enfatizou que a alegria do pai “seria incompleta sem a presença do outro filho”. Por isso, ele partiu para encontrá-lo e convidá-lo para as festividades. Mas, lembrou, o filho mais velho achava difícil aceitar a alegria do pai enquanto ele abraçava o outro filho, e por isso não estava disposto a participar da celebração. Ao fazer isso, ele “não só não reconhece o seu irmão, mas também não reconhece o seu pai”.
De fato, disse o papa, o filho mais velho “prefere a orfandade à fraternidade, o isolamento ao encontro, a amargura à festa. Não só lhe custa entender e perdoar o seu irmão, ele também não pode aceitar um pai capaz de perdoar, disposto a esperar e velar para que ninguém fique de fora: em definitiva, um pai capaz de sentir compaixão”.
Francisco observou que “no limiar dessa casa, parece se manifestar o mistério da nossa humanidade”, e o que vemos “é a tensão que se vive dentro dos nossos povos e comunidades, e inclusive dentro de nós mesmo. Uma tensão que, desde Caim e Abel, nos habita e que estamos convidados a olhar de frente: quem tem o direito de permanecer entre nós, de ter um lugar às nossas mesas e assembleias, em nossas preocupações e ocupações, em nossas praças e cidades? Essa pergunta fratricida parece continuar ressoando: por acaso eu sou o guarda do meu irmão?”.
No limiar dessa casa, disse Francisco, “aparecem as divisões e enfrentamentos, a agressividade e os conflitos que sempre baterão nas portas dos nossos grandes desejos, das nossas lutas pela fraternidade e para que cada pessoa possa experimentar desde já sua condição e sua dignidade de filho”.
Mas também aí, no mesmo limiar, “brilhará com toda a clareza, sem elucubrações nem desculpas que lhe tirem a força, o desejo do Pai: que todos os seus filhos façam parte da sua alegria; que ninguém viva em condições desumanas, como seu filho mais novo, nem na orfandade, no isolamento ou na amargura, como o filho mais velho. Seu coração quer que todos os homens se salvem e cheguem ao conhecimento da verdade”.
Francisco reconheceu que “são muitas as circunstâncias que podem alimentar a divisão e o confronto; são inegáveis as situações que podem nos levar a nos enfrentar e a nos dividir”, e “sempre nos ameaça a tentação de crer no ódio e na vingança como formas legítimas de fazer justiça de maneira rápida e eficaz”. Mas “a experiência nos diz que o ódio, a divisão e a vingança só conseguem matar a alma de nossos povos, envenenar a esperança de nossos filhos e destruir e levar consigo tudo o que amamos”.
Ele lembrou aos presentes e aos que assistiam pela televisão que “Jesus nos convida a olhar e a contemplar o coração do Pai. Só a partir daí é que podemos nos redescobrir a cada dia como irmãos. Só a partir desse horizonte amplo, capaz de nos ajudar a transcender as nossas míopes lógicas divisórias, é que seremos capazes de alcançar um olhar que não pretenda enclausurar nem claudicar as nossas diferenças, buscando talvez uma unidade forçada ou a marginalização silenciosa”.
Francisco disse que “a maior herança e riqueza do cristão” é ver as coisas com a compaixão e os olhos amorosos do Pai e, desse modo, “em vez de nos medirmos ou nos classificarmos de acordo com uma condição moral, social, étnica ou religiosa, podemos reconhecer que existe outro condição que ninguém poderá apagar nem aniquilar, pois é puro dom: a condição de filhos amados, esperados e celebrados pelo Pai”.
Francisco alertou os fiéis contra “a tentação de reduzir a nossa pertença de filhos a uma questão de leis e proibições, de deveres e cumprimentos” e disse que “a nossa pertença e a nossa missão não nascerão de voluntarismos, legalismos, relativismos ou integrismos, mas sim de pessoas que creem, que implorarão a cada dia, com humildade e constância: ‘Venha a nós o vosso Reino!’”.
Retornando à parábola do Evangelho, Francisco observou que “apresenta um final aberto. Vemos o pai pedir ao filho mais velho que entre para participar da festa da misericórdia. O evangelista não diz nada sobre qual foi a decisão que o filho tomou”. Então, aplicando a parábola à situação em que esses fiéis vivem, o papa – ele mesmo filho de migrantes para a Argentina – disse: “Podemos pensar que esse final aberto está dirigido para que cada comunidade, cada um de nós possa escrevê-lo com a sua vida, com o seu olhar, com a sua atitude para com os demais”. Ele os lembrou que, como cristãos, sabemos que “na casa do Pai há muitas moradas: só ficam de fora aqueles que não querem participar da sua alegria”.
Ele concluiu sua homilia agradecendo aos cristãos marroquinos “pelo modo como vocês dão testemunho do evangelho da misericórdia nestas terras” e pelos “seus esforços realizados para que suas comunidades sejam oásis de misericórdia”. Ele os encorajou a “seguir fazendo crescer a cultura da misericórdia, uma cultura em que ninguém olhe para o outro com indiferença nem desvie o olhar quando veja seu sofrimento”, e a seguir perto “dos pequenos e dos pobres, do que são rejeitados, abandonados e ignorados” e, assim, “sigam sendo sinal do abraço e do coração do Pai”.
Ele também encorajou novamente os cristãos no Marrocos a “perseverar no caminho do diálogo entre cristãos e muçulmanos e a colaborar também para que essa fraternidade se torne visível, se torne universal, pois tem sua fonte em Deus”. Ele rezou para que todos sejam “servidores da esperança que este mundo tanto precisa” e lhes pediu: “Por favor, não se esqueçam de rezar por mim”.
Depois da missa, o Papa Francisco foi de carro para o aeroporto para pegar o avião de volta a Roma e, durante a viagem, deu uma coletiva de imprensa.
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Papa Francisco celebra a maior missa da história do Marrocos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU