08 Março 2019
A pior piada que o José de Abreu poderia fazer é aquela que ele já está fazendo. Desde o início dessa palhaçada eu já li mil e uma críticas a ele enquanto militante, sua defesa cega do neodesenvolvimentismo anti-indígena, ecocida, da repressão policial a qualquer protesto quando o Partido dos Trabalhadores governava o Brasil, sua aversão a toda e qualquer oposição a esses mesmos governos (fato que alguns militantes e quadros do PSOL parecem desconhecer ou ter esquecido), entre muitas outras coisas. Mas nada disso se sobrepõe à própria ridicularização da situação venezuelana, como se não houvesse razões por lá para exercer o direito de resistir à tirania de um governo autoritário que reprime, tortura, assassina e faz desaparecer. Hoje o corpo de Alí Domínguez, jornalista e dissidente do chavismo, foi encontrado, uma semana após seu desaparecimento. Ele havia denunciando ameaças de membros do governo e a Polícia Nacional Bolivariana não aceitou sequer investigar sua morte. Essa é a realidade da política venezuelana sob o madurismo que virou piada dentro da esquerda brasileira.
No último dia útil antes do carnaval (dias antes de difundir pornografia a pretexto de critica-la), a figura constrangedora que responde pela Presidência da República editou a Medida Provisória nº 873, um requinte de perversidade. Entre outras maldades, a MP 873 acaba com o desconto em folha das contribuições sindicais (hoje voluntárias) de trabalhadores dos setores público e privado, permitindo seu pagamento apenas por meio de boleto bancário.
A depredada CLT impunha aos empregadores, desde a primeira metade do século passado, o ônus de realizar o desconto em folha e repassar os valores às instituições sindicais. Os estatutos de servidores, idem. Esse ônus, levíssimo, é/era garantia de uma comodidade importante para o(a) trabalhador(a) e seu sindicato. Pagar boleto é uma daquelas pequenas ocupações que, somadas, vão nos tomando todo o tempo "livre", minguado para trabalhadores em geral. É mais uma chateação, dá trabalho e, para os pequenos, exige enfrentar filas, o mal cotidiano supremo.
Quando a contribuição sindical se tornou facultativa, no desgoverno do clown anterior, dizia-se que era para assegurar a liberdade individual do trabalhador, e prestigiar as entidades legítimas. Agora se quer dificultar o exercício da liberdade do trabalhador que deseja contribuir para a entidade que reconhece como legítima. Daqui a pouco vão querer proibir que o trabalhador contribua.
O que parece apenas uma sacanagenzinha medíocre, mesquinharia típica de mentes ordinárias (e também não deixa de ser), na verdade é uma paulada no financiamento das instituições sindicais laborais. Exatamente no momento em que essas entidades precisam dessa injeção de recursos para custear a mobilização necessária para defender os direitos dos trabalhadores que representam, contribuintes da Previdência Social, no processo de deliberação sobre a "reforma" proposta pelo mesmo "governo".
É um caso típico de "desvio de finalidade", de abuso de poder legislativo. O presidente exercita sua competência normativa, não para tratar de assunto de relevante e urgente interesse público (requisitos constitucionais para edição de MP, ver CF, art. 62), mas sim para enfraquecer materialmente o polo de oposição a uma proposta que apresentou e prioriza. Não há relevância, não há urgência, não há interesse público: é vandalismo puro. O que se quer é sufocar financeiramente o movimento sindical.
00 queira ou não, as entidades sindicais dos trabalhadores são instituições sociais constitucionalmente reconhecidas, com missões constitucionalmente atribuídas, têm direito à existência e à proteção contra sabotagens do Estado e do Capital (v. CF, artigos 1º, inciso IV; 8º, incisos I, III e VIII; 10; 103, IX, entre outros). Pelo que se noticia agora, nem os capangas congressuais do desgoverno aceitam que essa sabotagem subsista, mas convém berrar logo, pois o tempo corre contra as entidades sindicais e os trabalhadores. A MP 873 precisa ser rejeitada liminarmente.
Sem querer bancar leninista chato, há evidentemente uma crise de lideranças na esquerda brasileira, incapaz de capitanear essa crescente onda de insatisfação.
A popularidade do presidente é baixa, a mídia bate nele (inclusive os veículos de direita), o grito do carnaval é mandando Bolsonaro tomar no cu e a Mangueira vence dessa forma linda.
Falta, contudo, uma esquerda capaz de assumir a liderança desse processo sem medo de cumprir seu papel histórico.
O fenômeno mais curioso do carnaval nas redes sociais é a galera que descobre todo ano que, no Brasil, o crime (em suas diversas modalidades) financia diversas atividades. Eles sabem que o crime financia até mesmo a política, mas ficam ultrajados quando o dinheiro garante felicidade a gente pobre. É um fenômeno fascinante, mas tem nome antigo: espírito de porco.
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