15 Fevereiro 2019
Suspeitas de candidaturas laranjas e de desvios de verbas envolvendo o partido do presidente criam nova dor de cabeça para o Planalto. Escândalo pode levar à primeira baixa no alto escalão do governo. Entenda a crise.
A reportagem é de Hyury Potter, publicada por Deutsche Welle, 14-12-2019.
Indícios de candidaturas laranjas e de desvios de verbas de campanha envolvendo o PSL nas eleições de 2018, apontados pelo jornal Folha de S.Paulo nos últimos dias, geraram mais uma crise no governo do presidente Jair Bolsonaro, que já sinaliza a possibilidade de fazer trocas no alto escalão da sua gestão. Entenda como surgiu o escândalo e quem está sob suspeita.
Em 4 de fevereiro, a Folha publicou uma reportagem afirmando que o hoje ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, deputado federal do PSL por Minas Gerais e presidente do partido no estado no ano passado, teria liderado um esquema envolvendo candidatas laranjas. Elas tiveram poucos votos e teriam usado parte da verba de campanha com empresas vinculadas ao ministro.
Responsável por decidir o lançamento de candidaturas do PSL em Minas Gerais por ser presidente da sigla no estado, Marcelo Álvaro Antônio aprovou a candidatura de quatro mulheres – duas para a Assembleia Legislativa mineira e duas para a Câmara Federal –, que receberam 279 mil reais da legenda para a corrida eleitoral.
Segundo a Folha, ao menos 85 mil reais desse total foram para quatro empresas de assessores, parentes ou sócios de assessores do hoje ministro. As quatro candidatas somaram 2.073 votos em 2018, e nenhuma foi eleita.
Em dezembro do ano passado, a Folha já tinha noticiado que outra candidata ao Legislativo estadual mineiro, Cleuzenir Souza, que recebeu 60 mil reais do partido e obteve cerca de 2 mil votos, registrou um boletim de ocorrência contra dois assessores de Marcelo Álvaro Antônio por cobrança de devolução de metade do valor da campanha.
Menos de uma semana depois da publicação sobre o suposto esquema de candidatas laranjas em Minas Gerais, a Folha revelou que um grupo ligado ao atual presidente nacional do partido, Luciano Bivar (PSL-PE), deputado federal que ocupa a vice-presidência da Câmara dos Deputados, teria criado uma candidata laranja em Pernambuco para concorrer a uma vaga na Casa.
Maria de Lourdes Paixão recebeu 400 mil reais do partido e obteve apenas 274 votos. Foi a terceira candidata com maior repasse do PSL no país. Em comparação, a candidatura do presidente Jair Bolsonaro recebeu 269 mil reais do partido.
A candidata afirma que gastou quase toda a verba em uma gráfica para a confecção de santinhos e adesivos. No entanto, a reportagem da Folha visitou os endereços relacionados à gráfica e não encontrou sinais de que a empresa tenha funcionado durante as últimas eleições.
A legislação brasileira prevê que 30% das candidaturas apresentadas pelos partidos aos tribunais eleitorais sejam preenchidas por mulheres. Na última eleição, os partidos também foram obrigados a disponibilizar 30% da cota do fundo partidários para campanhas com mulheres à frente. Muitos partidos usam candidatas como laranjas para o desvio de recursos públicos.
Um dos aspectos analisados pelo TSE para verificar se uma candidatura é laranja ou não é o número de votos. A candidatura que não obtém qualquer voto gera suspeitas. Em 2016, mais de 18 mil candidaturas tiveram votação nula, sendo 86% delas de mulheres.
Em setembro do ano passado, um levantamento do site The Intercept Brasil em conjunto com o portal AzMina verificou que, dos 35 partidos que disputaram as eleições em 2018, 22 tiveram candidatos com votação zerada em pleitos anteriores.
Na quarta-feira (13/02), a Folha publicou outra suspeita de desvio de dinheiro público pelo PSL em Pernambuco. Gustavo Bebianno, ministro da Secretaria-Geral da Presidência e ex-presidente nacional do PSL, liberou 250 mil reais de verba de campanha para a candidatura de uma ex-assessora à Assembleia Legislativa pernambucana.
A maior parte do dinheiro foi para uma gráfica pertencente ao presidente do PSL no município de Amaraji, no interior de Pernambuco. A reportagem identificou pagamentos de sete candidatos do PSL para a gráfica, em valores que somam 1,23 milhão de reais. De acordo com o jornal, 88% desse montante foi aprovado por Bebianno, presidente nacional do partido durante as eleições e coordenador da campanha de Bolsonaro.
À Folha, Luciano Bivar, atual presidente do PSL, negou que a candidata Maria de Lourdes Paixão seja laranja e afirmou que o repasse de 400 mil reais foi autorizado pela direção nacional do partido, presidido então por Bebianno. O ministro, por sua vez, rebateu Bivar e disse que repasses são de responsabilidade dos diretórios estaduais.
Sobre o caso mineiro, o ministro Marcelo Álvaro Antônio respondeu ao jornal que cumpriu "a distribuição do fundo partidário do PSL rigorosamente como determina a lei" e nega qualquer suposição de que tenha ocorrido candidaturas laranjas do partido em Minas Gerais.
Na quarta-feira, antes de receber alta do Hospital Albert Einstein, onde ficou internado por 17 dias após ser submetido a uma cirurgia, o presidente Jair Bolsonaro disse em entrevista ao Jornal da Record que, se Bebianno estiver envolvido em irregularidades, será responsabilizado.
"Lamentavelmente, o destino não pode ser outro a não ser voltar às suas origens", afirmou Bolsonaro. O recado foi entendido por analistas como um aviso de possível demissão do ministro. Caso se confirme, será a primeira baixa no alto escalão do governo.
O vice-presidente da República, José Hamilton Mourão, chamou de "grave" as acusações contra o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio.
Sérgio Moro, ministro da Justiça, afirmou nesta quinta-feira que as suspeitas sobre candidatos laranjas serão investigadas. "O presidente Jair Bolsonaro proferiu uma determinação, e ela está sendo cumprida. Os fatos vão ser apurados e, após as investigações, eventuais responsabilidades vão ser definidas", disse o ministro.
Homem forte da campanha de Bolsonaro à Presidência, Bebianno se desentendeu com integrantes do clã Bolsonaro. Após dizer que conversou com o presidente por telefone e por mensagens de texto e garantir que não havia crise alguma no governo, ele foi desmentido pelo vereador carioca Carlos Bolsonaro, um dos filhos do presidente.
Atuante nas redes sociais, Carlos fez diversas postagens na quarta-feira para negar que o presidente e Bebianno tenham falado sobre a crise. Uma das postagens tem um áudio de Bolsonaro se recusando a falar com o ministro: "Gustavo, não vou falar com ninguém, a não ser o estritamente necessário."
Nesta quinta-feira, Bebianno disse a aliados que não iria se demitir até falar com Bolsonaro.
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Laranjal do PSL gera nova crise no governo Bolsonaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU