11 Fevereiro 2019
“O cardeal Müller diz ter acolhido o ‘grito’ de dor que se levanta de bispos, sacerdotes e fiéis perdidos pela confusão da doutrina católica dos nossos dias. A minha gente, o meu povo nunca se sentiu ‘perdido’, nem mesmo diante das provas dolorosas da vida: a eles, bastava o Evangelho de Jesus, que tem precedência sobre a teologia dos sábios de ontem e de hoje.”
A reflexão é do padre italiano Enrico Ghezzi, em artigo publicado em Con Altri Occhi, 11-02-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Caro cardeal Müller,
Sou um velho padre, aposentado, como se diz. Ontem de manhã, 10 de fevereiro de 2019, na Santa Missa do Quinto Domingo do Ano C, escutando a Primeira Leitura de Isaías (6, 1-2.3-8), sobre a “vocação” do Profeta que lhe foi imposta com autoridade de Deus, perguntava-me se eu – nos meus longuíssimos anos de sacerdócio no meio do povo – fui “queimado”, nos lábios, pela “brasa ardente” como o Profeta, ou, pelos meus pecados, deixei que se enchesse de “fumaça” o Templo de Deus, a Igreja, onde eu servi por muitos anos. Não terei sido, talvez, um homem de “lábios impuros”?
Terminada a celebração, como todas as manhãs, dirigi-me ao jornaleiro para obter algumas notícias do dia. O que me chamou a atenção? Li, em um jornal, um título inquietante: o “manifesto da fé” do cardeal Müller.
Já ouvira, no passado, falar do seu nome e, desde então, não me parecera particularmente “afetuoso” em relação ao Papa Francisco. Diziam: “Este Müller é discípulo do Papa Ratzinger” – como que sublinhando a existência de duas Igrejas diferentes, mas que não existem. O Papa Bento XVI é um homem de Deus, que deu toda a sua vida ao serviço do Evangelho. O homem de Deus, caro cardeal, nunca divide a Igreja de Cristo!
Logo me chamou a atenção o título do seu escrito: “Manifesto da fé”. Mas – eu me dizia – a nossa fé não é, talvez, aquela que há séculos confessamos em Jesus Cristo? Será que também “nasceu”, nestes meses, uma fé “segundo Müller”? Talvez o Evangelho que eu preguei por muitos anos – o Evangelho de Mateus, Marcos, Lucas e João – são evangelhos “apócrifos”? Será que o Evangelho “verdadeiro” finalmente nos vem desse sábio cardeal alemão?
Com espanto, uma dúvida também me tomou: “Fique atento – eu me disse – será que esse manifesto não é, ao contrário, a ‘fumaça’ que encheu o Templo do Senhor, em vez da ‘brasa ardente’ do amor de Deus que levou o Profeta a aceitar a sua vocação? E continuando na minha reflexão: o cardeal Müller diz ter acolhido o “grito” de dor que se levanta de bispos, sacerdotes e fiéis perdidos pela confusão da doutrina católica dos nossos dias. A minha gente, o meu povo nunca se sentiu “perdido”, nem mesmo diante das provas dolorosas da vida: a eles, bastava o Evangelho de Jesus, que tem precedência sobre a teologia dos sábios de ontem e de hoje.
Além disso, não se ensinou sempre que, à frente da Igreja e, portanto, também de bispos, sacerdotes e fiéis perdidos, o Senhor escolheu Pedro e os seus sucessores? Assim como lemos no Evangelho deste domingo, o Senhor diz a Simão: “Não tenhas medo! De hoje em diante tu serás pescador de homens” (Lc 5, 10).
Caro cardeal, o senhor deve se persuadir: o Senhor “escolheu” Francisco! É ele – com a sua sabedoria e santidade, reconhecidas por todo o povo dos vários continentes – que o Senhor escolheu: é ele o Isaías e o Simão desejado por Jesus hoje para o tempo do nosso caminho.
Caro cardeal, dou-lhe um conselho fraterno e sacerdotal (embora eu saiba com certeza que o senhor nunca lerá este meu texto!): deponha a púrpura e os faustos que a cercam, aceite ir a alguma paróquia do seu país, a Alemanha, para ser padre: tenho certeza de que encontrará um grande benefício espiritual e sacerdotal. Assim, juntos, evitaremos correr o risco de acabar nas chamas do inferno, como o senhor nos lembra no seu “manifesto sobre a fé”.
Não se irrite comigo, são apenas pensamentos espontâneos, que surgiram depois da celebração da Santa Missa.
Desejo-lhe todo o bem.
Pe. Enrico Ghezzi
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''O Senhor escolheu Francisco para liderar a Igreja hoje.'' Reflexão de um velho pároco sobre o ''Manifesto'' do cardeal Müller - Instituto Humanitas Unisinos - IHU