11 Dezembro 2018
Todos os anos, no dia 12 de dezembro, católicos latinos, em particular os de ascendência mexicana, reúnem-se em suas casas e plazas para celebrar o Dia de Nossa Senhora de Guadalupe, Santa Padroeira do México e das Américas. Esta festa popular católica é celebrada durante o Advento e é singular, pois a imagem de Guadalupe é uma das poucas imagens marianas em que Maria não carrega o menino Jesus nos braços, mas aparece como uma mulher com uma criança no ventre. Neste sentido, a celebração de Guadalupe consegue resumir o significado central do Advento, ou seja, a época de preparação dos cristãos para celebrar o Deus que veio ao mundo como humano de uma mulher e se solidarizou com os marginalizados e oprimidos. Assim como o querido discípulo, tradicionalmente identificado como João, aparece ao lado de Maria junta à cruz de Jesus (JO 19: 25-27), Guadalupe é solidária a Juan Diego e todas as criaturas de Deus quando enfrentam a maior ameaça de "crucificação" e de várias formas de "extinção".
A reportagem é de Miguel Diaz, publicada por National Catholic Reporter, 08-12-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
Este ano, a celebração de Guadalupe tem um significado especial pela recente divulgação do relatório da Quarta Avaliação Nacional do Clima e os sinais de alerta que levanta em relação ao nosso planeta, que, segundo o Papa Francisco em Laudato Si', começou a "parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo" (21). A história de Guadalupe apresenta uma orientação cristã para transformar esse depósito de lixo em uma infinidade de lindas rosas vermelhas. Aqui, recontamos a visão de Deus de uma nova criação que afirma a sobrevivência através da interdependência das criaturas e a responsabilidade ética que cada um de nós deve abraçar para ser como Juan Diegos, ou seja, as criaturas que muitas vezes são as primeiras a sofrer as consequências de nossas ações humanas antiéticas (humanas assim como outras criaturas).
Um santuário de Nossa Senhora de Guadalupe na
calçada, na Cidade do México (Foto: Michael A. Cipolla)
O relatório foi elaborado por vários especialistas federais e não federais, como cientistas, funcionários do governo, comunidades indígenas, laboratórios, universidades e várias vozes do setor privado. A seção de principais conclusões apresenta doze pontos que expressam por que devemos agir com urgência para salvar a nossa casa comum e permitir que haja vida para seus futuros habitantes:
1. As mudanças climáticas criam novos riscos e agravam as vulnerabilidades existentes nas comunidades
2. Se não houver uma diminuição global substancial e constante e esforços de adaptação regional, as mudanças climáticas devem causar perdas crescentes em infraestrutura e propriedades
3. As mudanças climáticas afetam os sistemas naturais, construídos e sociais com que contamos individualmente e em suas conexões uns com os outros.
4. Apesar da expansão substancial nos últimos quatro anos, dos esforços de mitigação e adaptação ainda não estão nem próximos da escala considerada necessária para evitar danos consideráveis para a economia, o meio ambiente e a saúde humana nas próximas décadas.
5. A qualidade e a quantidade de água disponível para uso humano e para os ecossistemas nos EUA estão sendo afetadas pelas mudanças climáticas, aumentando os riscos e os custos para a agricultura, a produção de energia, a indústria, o lazer e o meio ambiente.
6. Os impactos das mudanças climáticas em relação a condições meteorológicas extremas e eventos relacionados com o clima, a qualidade do ar e a transmissão de doenças por insetos e pragas, comida e água ameaçam cada vez mais a saúde e o bem-estar do povo americano, particularmente as populações que já são vulneráveis.
7. As mudanças climáticas ameaçam cada vez mais os meios de subsistência das comunidades indígenas, das economias, da saúde e das identidades culturais, pois abalam sistemas sociais, físicos e ecológicos que são interligados.
8. Se não houver reduções significativas e constantes nas emissões de gases de efeito estufa em nível global, vão ocorrer impactos transformadores em alguns ecossistemas; alguns recifes de coral e ecossistemas de bancos de gelo já estão sofrendo tais mudanças.
9. Se não houver reduções significativas e constantes nas emissões de gases de efeito estufa em nível global, vão ocorrer impactos transformadores em alguns ecossistemas; alguns recifes de coral e ecossistemas de bancos de gelo já estão sofrendo tais mudanças.
10. Se não houver uma adaptação, as mudanças climáticas continuarão degradando o desempenho da infraestrutura no restante do século, podendo gerar impactos em cascata que ameaçam a economia dos EUA, a segurança nacional, os serviços essenciais e a saúde e o bem-estar.
11. As comunidades costeiras e os ecossistemas que as sustentam estão cada vez mais ameaçados pelos impactos da mudança climática. Sem uma redução significativa das emissões de gases de efeito estufa em nível global e medidas de adaptação regional, muitas regiões costeiras sofrerão alterações até a última metade do século, com impactos que afetam outras regiões e setores.
12. Lazer ao ar livre, economias com base no turismo e qualidade de vida dependem de benefícios do ambiente natural, que ficará degradado de várias formas devido aos impactos das mudanças climáticas.
A histórica Nican Mopohua conta o encontro entre o ameríndio Juan Diego e Nossa Senhora de Guadalupe, em 1531, no Monte Tepeyac, um lugar sagrado para os habitantes nativos do México. As interações vivificantes entre Juan Diego, que não se considera merecedor deste encontro, e Guadalupe, que a história retrata como a embaixadora de Deus da vida aos oprimidos, são importantíssimas para a história. Assim como a segunda história da criação (Genesis 2:4-3:24), a história de Guadalupe nos convida a pensar sobre a interdependência de todas as formas de vida e as consequências fatais do abuso de poder em relação aos humanos e a toda a criação. A história ocorre no momento da Conquista do Império Asteca, quando as comunidades indígenas, suas paisagens e as tradições culturais e religiosas associadas com seu dia a dia foram apagadas. Trata dos efeitos nocivos da indiferença humana que ameaça a vida criada em nosso planeta, à medida que culturas, criaturas e até mesmo pessoas viram objetos dentro de uma ideologia cultural do "descarte”.
A história de Guadalupe reforça o que o Papa Francisco define na encíclica como uma "ecologia integral" (10). Vincula o destino da vida ameaçada de pessoas (a vida de Juan Diego, de seu tio doente e de todos os outros povos indígenas) às suas terras devastadas. As atitudes humanas pecaminosas que resultam da Conquista do Império Asteca afetam todas as criaturas de Deus. Mas Guadalupe traz a esperança de Deus a respeito das relações entre as criaturas sob forma de pedido: Guadalupe envia Juan Diego ao bispo local em missão para pedir a construção de uma casa comum (igreja) onde todos pudessem receber "amor, compaixão, ajuda e salvação".
Mesmo quem conhece a história muitas vezes pode não entender a ideia de que não se trata tanto da construção de um edifício físico, mas sim de uma nova criação, baseada no relacionamento correto com Deus e com ao próximo — um chamado para construir comunidades inclusivas para abrigar e manter a vida para todas as criaturas criadas por Deus (ekklesia). Como fica claro, Guadalupe aparece gestando a vida de um povo e uma terra ameaçadas de extinção. No processo de comunicação com este povo marginalizado na paisagem sagrada mas derrotada, essas criaturas vivenciam uma "ressurreição". O canto dos pássaros na terra das flores no início da história, que levam Juan Diego ao encontro místico com Nossa Senhora de Guadalupe, antecipam o clímax: Juan Diego, assim como Cristo, cria coragem para falar a verdade ao poder. As rosas de Nossa Senhora de Guadalupe que ele carrega em seu tilma são o sinal (a imagem de Guadalupe) para o ouvir o grito dos pobres, ecoando as palavras do Evangelho: "Este é meu filho amado, em quem me comprazo; escutai-o" (Mateus 17:5). De forma resumida, o encontro entre pessoas e criaturas mediado pela beleza das flores e da canção que a imagem de Guadalupe oferece torna-se a palavra em náuatle em que a Palavra de Deus encarna um povo, interrompe o status quo insustentável e dá lugar a uma forma criativa, vívida e inclusiva de relação entre todas as criaturas de Deus.
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Guadalupe e o futuro da nossa casa comum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU