14 Novembro 2018
Pode ser divertido especular. Mas não é útil, pelo menos não no curto prazo. E poucos negariam que a Igreja dos EUA não pode se dar ao luxo de "ver a longo prazo" quando se trata da segurança das crianças agora.
O comentário é de David Clohessy, ex-diretor nacional e atual diretor voluntário da Survivors Network of those Abused by Priests (SNAP) de St. Louis, publicado por National Catholic Reporter, 13-11-2018. A tradução é de Luisa Rabolini.
Então vamos parar de adivinhar por que as autoridades do Vaticano vetaram que os bispos dos Estados Unidos tomassem medidas quase sem sentido que seriam discutidas esta semana em Baltimore.
Vamos ser práticos e perguntar: o que os bispos dos Estados Unidos devem fazer agora para proteger as crianças, expor os agressores e curar os feridos?
A resposta é simples. Devem usar seus poderes já vastos para ajudar a impedir que aconteçam mais casos de abuso e acobertamento.
Vamos começar com duas ações que já são feitas em muitas dioceses dos Estados Unidos esporadicamente, mas que deveriam ser expandidas, pois não requerem aprovação do Vaticano nem a aprovação de novas políticas para a Igreja dos Estados Unidos:
Todos os bispos devem divulgar de forma permanente e proeminente todos os nomes dos clérigos que comprovadamente e supostamente cometeram abusos nas próximas duas semanas (mortos ou vivos, da diocese ou de ordens religiosas, leigos ou ordenados, incardinados ou não, tendo em conta as faculdades ou não, tendo agredido adultos ou crianças). Cerca de 50 prelados divulgaram essas listas, ainda em 2002. Nenhum deles se arrependeu ou voltou atrás nessa ação geral de segurança. Ninguém em Roma tentou impedir sua divulgação.
Todos os bispos devem examinar os registros de abuso de sua diocese, no caso de algum caso antigo precisar ser reconsiderado ou reavaliado. Novamente, o bispo não precisa da aprovação de nenhuma burocrata do Vaticano nesse processo.
Depois, há etapas sólidas e práticas mas sem precedentes que poderiam ser tomadas. Seguem três:
Todos os bispos devem denunciar publicamente pelo menos os piores casos de acobertamento — divulgar quem ignorou ou esconder relatórios de abuso, quem sabia ou suspeitava mas permaneceu em silêncio ou agiu de forma a enganar. O bispo Richard Malone, de Buffalo, Nova York, vem à mente, mas existem muitos outros.
Todos os bispos devem demitir os envolvidos com casos de acobertamento — ou pelo menos expô-los publicamente — em sua diocese. Há muitos depoimentos e notícias — além do conhecimento pessoal do próprio bispo — que apontam para centenas de pessoas em todo o país. Acredito firmemente que há pelo menos um em cada diocese. E devem ser excluídos. Ou, no mínimo, ser denunciados, rebaixados e punidos.
Todos os bispos deveriam lutar em prol, e não contra, a eliminação dos estatutos de limitações e a criação de janelas civis. Poucos diriam que as crianças estão mais seguras quando quem cometeu e permitiu o abuso pode explorar os aspectos técnicos e escapar da responsabilização legal. Poucos diriam que as vítimas se recuperam melhor quando não podem impedir que aconteçam crimes sexuais com crianças por meio da justiça.
Vamos citar nomes. Aqui estão alguns bispos dos Estados Unidos que tiveram atitudes positivas recentemente.
O bispo Stephen Biegler, de Cheyenne, Wyoming, reabriu publicamente a análise de um de seus antecessores, o bispo Joseph Hart, que enfrenta cerca de 10 acusadores em sua cidade natal, Kansas City, Missouri.
Na semana passada, Shawn McKnight, bispo de Jefferson City, Missouri, insistiu para as ordens religiosas divulgarem os nomes dos sacerdotes acusados. Caso se recusem, McKnight diz que não vai deixar seus clérigos trabalharem na diocese.
Também na semana passada, autoridades da igreja de Washington, D.C., colocaram o pastor franciscano Moises Villalta de licença por não "seguir protocolos apropriados relacionados a denúncias”. Ele é apenas um de vários funcionários da Igreja a sofrer consequências para possivelmente ter violado a Carta de Dallas. (Centenas de antigos e atuais funcionários da Igreja deveriam ter sido no mínimo suspensos por tais violações há muito tempo.)
E esta semana, o cardeal de Chicago Blase Cupich está pressionando para transferir a reunião da Conferência dos Bispos dos EUA de junho para março, para permitir ações mais rápidas. Embora essas reuniões tenham sido em grande parte ineficazes em relação ao abuso no passado, todos os colegas de Cupich deveriam aderir à sugestão.
(Infelizmente, pelo menos um bispo dos EUA está usando o atraso do Vaticano para adiar uma ação simples e comprovada de prevenção tomada por 50 colegas. O bispo Peter Jugis, de Charlotte, Carolina do Norte, diz que vai adiar a decisão de revelar os nomes dos padres acusados, embora ninguém em Roma tenha tentado impedir ou denunciado algum prelado que tivesse dado este passo.)
Não sou advogado canônico. Mas estou envolvido com esta questão há três décadas. Posso dizer com confiança que nada disto requer a aprovação do Vaticano ou qualquer tipo de política nacional.
Concordo plenamente com os que dizem que os bispos dos Estados Unidos deveriam seguir o exemplo do Chile e se demitir em massa perante o Papa. Mas por mais que muitos católicos e cidadãos dos Estados Unidos pudessem se sentir bem com um gesto como esse, também não faria uma diferença significativa.
Não vamos deixar que os bispos dos Estados Unidos escapem por causa da ação do Vaticano. O adiamento de Roma, na verdade, pode ser uma bênção, caso force os prelados dos EUA a olhar para dentro e fazer o que está ao seu alcance — e que deveria ter sido feito há muito tempo — para terminar e deter mais crimes e acobertamentos.
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Esqueçam o Vaticano: os Bispos podem avançar e impedir o acobertamento de abuso - Instituto Humanitas Unisinos - IHU