02 Novembro 2018
Uma reserva já foi embora e dez outras provavelmente também serão extintas nas próximas semanas, quando a legislatura de um dos estados mais anti-ambientais da Amazônia brasileira vota sobre a anulação de um veto do governador do estado.
A reportagem é de Philip Martin Fearnside e Paulo Vilela Cruz, publicada por Amazônia Real, 02-11-2018.
As 11 áreas protegidas totalizam 537 mil hectares (3% do estado), e quatro delas foram criadas pelo programa ARPA (Áreas Protegidas da Amazônia) ao custo de R$ 657 mil (Figura 1). O ARPA é financiado pelo Ministério do Meio Ambiente (MMA), pelo Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (FUNBIO), pela Global Environment Facility (GEF) do Banco Mundial e pelo banco alemão para cooperação internacional (KfW) e agência de cooperação (GTZ), mais o Fundo Mundial para a Natureza (WWF).
As onze áreas protegidas de Rondônia foram criadas pelo governador anterior em 20 de março de 2018 [2]. Uma semana depois, a Assembléia Legislativa, que é dominada por interesses do agronegócio, aprovou por unanimidade uma lei revogando as 11 reservas, mas em julho o judiciário derrubou a lei que extinguiu as reservas [3]. Nesse meio tempo, o governador que criou as reservas deixou o cargo para concorrer ao Senado Federal. De acordo com o chefe da Secretaria do Desenvolvimento Ambiental do governo estadual, os deputados estaduais chegaram a um acordo com o novo governador: eles liberariam os fundos necessários para pagar os funcionários do governo estadual se o governador aprovasse a revogação da maior reserva — a Estação Ecológica Soldados da Borracha, de 178.948 ha [4].
Localizações das 11 áreas protegidas a serem extintas no Estado de Rondônia (Fonte: [1])
Na manhã de 25 de setembro, o governador apresentou um projeto de lei ao legislativo propondo a revogação dessa reserva, mas os legisladores imediatamente acrescentaram uma emenda ao projeto de lei, extinguindo também as outras dez áreas protegidas, e naquela mesma tarde aprovaram a lei que extinguiu todos os 11 reservas sem debate, bem como sem qualquer consulta pública ou estudo técnico [4] (Figura 2). Nos discursos celebrando a votação, um dos líderes da Assembléia Legislativa declarou explicitamente que a Assembléia Legislativa é composta de “deputados ruralistas que têm compromissos com a sociedade de uma maneira geral do Estado de Rondônia, mas principalmente com o agronegócio” [4].
Em 5 de outubro, um grupo de 60 organizações não governamentais solicitou ao governador que vetasse a lei em sua totalidade [5]. Em 16 de outubro, o governador emitiu um veto parcial, aprovando a revogação da Estação Ecológica Soldados da Borracha, mas rejeitando as cláusulas que extinguem as outras dez reservas [6]. A assembléia legislativa agora tem 30 dias úteis para votar a anulação do veto [7]. Dada à unanimidade dos votos anteriores, a aprovação da extinção das reservas remanescentes está praticamente assegurada. Os tribunais podem ser os árbitros finais.
A Rondônia é notória por suas altas taxas de desmatamento (por exemplo, [8]). Este estado tem riqueza de espécies maior do que muitas partes da Amazônia e é uma região chave para a perda de espécies [9]. Também é conhecido como um dos estados da Amazônia brasileira que dá menos atenção ao meio ambiente, por exemplo, em um ranking informal usado pelo Banco Mundial [10]. Poucas florestas permanecem fora das terras indígenas e das unidades de conservação protegidas por órgãos ambientais federais ou estaduais (Figura 3). Quatro das onze áreas protegidas a serem abolidas são “reservas de desenvolvimento sustentável” com comunidades tradicionais que perderiam a garantia dos seus direitos à terra, criando ainda mais conflitos rurais. Conflitos de terras já fazem de Rondônia o estado com o maior índice de assassinatos rurais no Brasil [11]. Com as 11 reservas revogadas, pode-se esperar que demore pouco antes que a floresta nessas áreas sucumba às motosserras.
Amazônia Legal brasileira mostrando Rondônia como um estado altamente desmatado [12] no “arco do desmatamento” ao longo das margens sul e leste da floresta (Fonte: [13])
Notas
[1] Bentes, P. 2018a. Deputados de RO aprovam acabar com reserva florestal de Cujubim. G1, 26 de setembro de 2018.
[2] Bentes, P. 2018b. Embate para criar 11 unidades de conservação completa quatro meses em Rondônia. G1, 24 de julho de 2018.
[3] Bragança, D. 2018. Deputados aprovam proposta do Governo de Rondônia e extinguem Estação Ecológica. OEco, 27 de setembro de 2018.
[4] Bento Filho, W. 2018a. De uma só vez, Rondônia acaba com mais de meio milhão de hectares de áreas protegidas. WWF-Brasil, 26 de setembro de 2018.
[5] WWF-Brasil (Worldwide Fund for Nature-Brazil). 2018. ONGs e coletivos protocolam carta ao governador de RO pedindo o veto à extinção de 11 UCs. WWF-Brasil, 05 de outubro de 2018.
[6] Martins, R. 2018. Governador de RO veta emenda a projeto de lei que extinguia 10 reservas ambientais. Radio Agência Nacional, 18 de outubro de 2018.
[7] Bento Filho, W. 2018b. Deputados de RO decidem sobre meio milhão de ha de floresta. WWF-Brasil, 18 de outubro de 2018.
[8] Fearnside, P.M., C.A. Righi, P.M.L.A. Graça, E.W.H. Keizer, C.C. Cerri, E.M. Nogueira & R.I. Barbosa. 2009. Biomass and greenhouse-gas emissions from land-use change in Brazil’s Amazonian “arc of deforestation”: The states of Mato Grosso and Rondonia. Forest Ecology and Management 258: 1968-1978.
[9] Wearn, O.R., D.C. Reuman & R.M. Ewers. 2012. Extinction debt and windows of conservation opportunity in the Brazilian Amazon. Science 337: 228-232.
[10] Fearnside, P.M. 2016. Environmental policy in Brazilian Amazonia: Lessons from recent history. Novos Cadernos NAEA 19(1): 27-46.
[11] Canudo, A., C.R.S.K. Luz & T.V.P. Andrade. (Eds.). 2017. Conflitos no Campo do Brasil. Comissão Pastoral da Terra, Goiânia, Goiás. 280 p.
[12] INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). 2018. O Monitoramento do desflorestamento bruto. INPE, São José dos Campos, São Paulo.
[13] Fearnside, P.M. 2017. Business as Usual: A Resurgence of Deforestation in the Brazilian Amazon. Yale Environment 360, 18 de abril de 2017.
Philip Martin Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências e também coordena o INCT (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia) dos Serviços Ambientais da Amazônia. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 600 publicações científicas e mais de 400 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
Paulo Vilela Cruz é doutor pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), professor adjunto da Universidade Federal de Rondônia (UNIR) e atualmente é bolsista de pós-doutorado no Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Recebeu um prêmio Pró-Excelência (FAPEAM) por estudos da fauna Neotropical em 2014.
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Massacre de motosserra para áreas protegidas em Rondônia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU