23 Outubro 2018
Até agora, não houve grandes batalhas políticas durante o Sínodo dos Bispos deste mês, sobre os jovens, mas, quando outro grupo de cerca de 300 bispos se reunir em Roma no próximo ano para o Sínodo sobre a região amazônica, algumas previsões anunciam tensão em torno de um ponto há muito tempo sensível no debate católico: padres casados.
A falta de padres costuma ser terrivelmente aguda em algumas partes da Amazônia, e alguns bispos da região há muito preferem a ideia de ordenar os viri probati, que significa homens casados provados.
Algumas vozes reavivaram a ideia de um sacerdócio casado como uma resposta à crise dos abusos sexuais clericais, argumentando que o casamento daria aos padres a chance de expressar sua sexualidade de maneiras saudáveis e não-abusivas.
No entanto, o arcebispo Sviatoslav Shevchuk, da Igreja Greco-Católica da Ucrânia, a maior das 22 igrejas católicas orientais em comunhão com Roma, que carrega séculos de experiência com padres casados, tem uma mensagem básica para seus colegas ocidentais: “Não tão rápido!”.
“Se devemos dar conselhos, eu diria que remover o celibato do sacerdócio não resolverá o problema. Minha experiência é que existem padres santos que são casados... essa santidade, essa maturidade, é um grande tesouro, mas não é uma consequência direta do estado de vida”, disse Shevchuk em entrevista ao Crux.
Perguntado sobre que conselho daria, o prelado ucraniano, formalmente chamado de “Sua Beatitude”, foi sucinto: “Para que sejam prudentes!”.
Além disso, disse Shevchuk, os padres casados criam desafios inteiramente novos na formação e na vida sacerdotal, os quais os debates inteiramente focados em uma resposta “sim” ou “não” muitas vezes negligenciam.
“Frequentemente nossos bispos estão preocupados não apenas com o seminarista, mas também com sua namorada, e criamos um programa para essas mulheres também”, disse ele. “Às vezes, depois de dois ou três encontros, elas percebem que não querem ser esposas de um padre. Isso também pode tornar as coisas mais complicadas”.
Em outros assuntos, Shevchuk:
A entrevista com Shevchuk ocorreu no dia 13 de outubro, realizada por John L. Allen Jr., e Ines San Martin, publicada por Crux, 22-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Qual é a sua impressão sobre o sínodo?
Este já é meu quarto sínodo. O primeiro foi sobre a Nova Evangelização, no tempo do Papa Bento XVI. Naquela época, fui nomeado para o conselho ordinário do sínodo, então fui um dos que prepararam o sínodo, tanto os ordinários quanto os extraordinários. E agora participo deste sínodo como chefe da Igreja católica ucraniana ex officio.
Devo dizer que minha impressão é muito positiva. Particularmente o Instrumentum laboris, comparado com os de outros sínodos, é um dos melhores. Obviamente, é um texto destinado a desaparecer, a morrer. Hoje discutimos, criticamos, trabalhamos nos pequenos grupos, mas como um começo foi muito bom.
A outra parte muito interessante é a grande participação de jovens que se sentem protagonistas neste sínodo. No meu pequeno círculo, temos quatro jovens, um da Austrália, um da Nigéria, uma menina da Rússia e uma garota da Holanda. Eles são o núcleo mais vivaz do nosso grupo, o que produz mais ideias e novas soluções. Então, é um fato muito importante para o sucesso do sínodo.
A parte que o Papa reservou como um momento para escutar já ocorreu. Mas agora temos que avançar, porque simplesmente ouvir é muito pouco. Precisamos discernir, tomar algumas decisões concretas e começar a trabalhar.
Minha impressão é que neste sínodo não há grandes tensões, grandes discussões. Essa é sua impressão?
O tema em si, incluindo a subjetividade dos jovens, está despertando um sentimento paternal no coração da Igreja e também entre os padres sinodais. Não se trata de discutir ideias, porque isso cria tensões, porque todo mundo tem ideias diferentes. Mas quando você tem à sua frente uma pessoa que tem necessidades, que precisa ser acompanhada, entendida, cuidada, uma pessoa a quem a Igreja hoje, como uma boa mãe, é chamada a doar seu espírito, esse calor maternal, isso une a todos nós.
Obviamente, nós viemos de diferentes contextos. Aquilo que em um lugar é uma emergência pastoral não o é na Nigéria ou na Ucrânia. Mas o fato é que não há grandes tensões. O Sínodo é unânime, parece um coração e um espírito. Por isso, devo dizer que o espírito de participação na comunhão também é grande. Nós compartilhamos nossas opiniões. E também é interessante que os jovens presentes na sala reajam a cada discurso e tomem uma posição. Você pode sentir se aquilo que dizemos e pensamos corresponde às suas expectativas. Há uma resposta imediata, há feedback. E isso realmente criou um clima muito positivo.
De acordo com você, quais são os grandes tópicos deste sínodo sobre os quais é necessário tomar decisões?
A questão que eu gostaria de colocar ao Sínodo é eclesiológica. Até que ponto a Igreja é uma instituição?
Por quê?
Porque há uma certa desconfiança dos jovens em relação às instituições atualmente. Isso vemos na Ucrânia quando se trata do governo e outras instituições. O que os jovens de hoje precisam é de comunidade. Obviamente, a forma institucional deve ser reinterpretada, porque a instituição é um instrumento para o serviço da comunidade. Muitos jovens se sentem abandonados pela família, pela sociedade, e há essa grande expectativa de que a Igreja não os abandone. A Igreja deve ser uma comunidade onde se possa ter as condições de amadurecer e se desenvolver, com educação e formação tanto cristãs quanto humanas.
É um momento muito interessante. Devo dizer que durante um longo período de minha vida sacerdotal, fui o formador no seminário. A questão do discernimento vocacional é central não apenas para a formação no seminário, mas também para o ministério de jovens.
Essa pessoa que faz o acompanhamento, esse pai espiritual, esse conselheiro espiritual, deve estar presente na vida de todos os jovens. Vários bispos disseram que vemos poucas pessoas capazes de acompanhar. Como promover esse ministério que é uma vocação dentro do ministério da Igreja? De acordo comigo, as escolhas sobre o modo de acompanhar devem ser pastorais.
A Igreja, na minha opinião, tem sempre que aprofundar o conceito da Igreja como uma comunidade que é geradora. Há uma seção do documento que fala sobre a Igreja como geradora, porque a Igreja é uma mãe que gera. Pela graça do Espírito Santo, ela gera filhos de Deus e da Igreja. Mas hoje, por muitas razões, estamos nos tornando mais e mais uma sociedade de órfãos. É fundamental redescobrir a face materna da Igreja que cuida seriamente de seus filhos.
Falando sobre a face materna da Igreja, você sabe muito bem que, em muitas partes do mundo, é difícil para os jovens ver isso por causa dos escândalos, particularmente aqueles de natureza sexual. Isso é um problema para as suas igrejas também?
Acho que é um assunto relevante para todos porque, em relação à questão do abuso, o abuso sexual é apenas uma forma. Há muitos tipos de abuso: abuso de autoridade, de dinheiro, de confiança, não apenas na Igreja, mas na cultura em que vivemos. Não estamos imunes a esses problemas. No momento, em nossa Igreja, em nível global, a questão do abuso sexual não é tão dramática quanto vimos no contexto da Igreja na Irlanda, no Chile ou nos Estados Unidos. De certo modo, fomos protegidos dos abusos do poder e do clericalismo pelo fato de que, na União Soviética, nossa Igreja não tinha autoridade alguma.
A única autoridade que tínhamos, e que continuamos a ter até hoje, é uma autoridade moral. Por quê? Porque fomos perseguidos por causa da nossa fé. Nós fomos perseguidos por aquilo que somos. Nessa perseguição, hoje vemos a autenticidade emergindo. Porque ser cristão em um país ateu não é popular, é ir contra a maré.
Talvez hoje, ser católico na Ucrânia não esteja na moda, mas somos católicos. Estamos realmente convencidos de que temos uma missão, de sermos testemunhas da unidade da Igreja. Se falamos da Ucrânia, no século XX houve tantos abusos de poder e confiança, mesmo dentro da Igreja, enquanto na sociedade ocidental fomos colocados pelo Senhor em uma situação diferente.
Mas devo dizer que nós também somos pecadores perdoados. Não podemos dizer que estaremos eternamente imunes a certos problemas.
Existe o temor de que agora que a situação da Igreja Ucraniana mudou, porque você pode obviamente ser católico na Ucrânia, haverá um “delay” e todos esses problemas que afetaram a Igreja universal nos últimos 100 anos vão agora se tornar um problema também para vocês?
Sim. Acredito que temos muitas coisas para aprender com a Igreja Latina em muitos países do mundo. Estou de acordo que todos esses modos de vida modernos estão começando a chegar à Ucrânia. A Ucrânia é uma sociedade em um período de forte emancipação. Por exemplo, a revolução sexual que o Ocidente teve nos anos 1960 está chegando à Ucrânia apenas agora. Estamos conscientes de que, como cristãos e como Igreja, somos desafiados.
No entanto, acho que podemos aprender com a experiência da Igreja nos países ocidentais. Pode servir de advertência para nós, não apenas para adotarmos certas práticas e disciplinas, mas para estarmos particularmente atentos à proteção de menores e promover uma educação integral da educação moral sexual da Igreja. Devemos ter cuidado para não perdermos nossa autoridade moral, porque é nosso único tesouro.
Mas, se a Igreja perder sua autoridade moral na Ucrânia, então nossa perda será ainda mais dramática.
Pode-se dizer que também na Ucrânia a política da Igreja quando se trata de abuso sexual clerical é a de tolerância zero?
Sim. Também discutimos isso em nosso próprio sínodo, em setembro. Escrevemos uma carta sinodal ao Papa, apoiando o sucessor de Pedro em seu ministério e compartilhando sua dor pela Igreja. Declaramos tolerância zero para esses abusos e nosso compromisso de proteger e trabalhar em favor daqueles que podem ser vítimas de qualquer tipo de abuso: de poder, de confiança, de consciência, abuso sexual, nas mãos de quaisquer representantes de nossa Igreja.
Além disso, em cada parte do mundo, nossos bispos pertencem às conferências dos bispos do Rito Latino, então eles adotam essas medidas de proteção em suas dioceses, de acordo com a disciplina do país.
Para nós, na Ucrânia, juntamente com a conferência de bispos latinos, publicamos uma instrução sobre como proceder se um caso de pedofilia for descoberto. Esse documento foi produzido a pedido explícito da Congregação para a Doutrina da Fé. Gostaria de agradecer a essa Congregação que nos pediu isso, mesmo que no momento não tenhamos percebido uma necessidade prática na Ucrânia. Temos que aprender com a Igreja do Ocidente. Devemos estar preparados, avisados e sensibilizados sobre essa questão.
Em fevereiro, haverá uma reunião em Roma com todos os presidentes das conferências episcopais de todo o mundo sobre abuso sexual. Existem experiências que as igrejas orientais podem compartilhar com a Igreja Latina...
Sim. Participarei desse encontro. Para mim, será uma ótima ocasião para ouvir, para compartilhar com os outros. Participarei porque essa reunião faz parte da política de tolerância zero que o Santo Padre quer aplicar da maneira mais transparente possível. É também algo que queremos adotar, não apenas como política, mas também através de medidas concretas.
Todos os líderes das igrejas orientais participarão?
Espero que sim, porque em todos os organismos da Sé Apostólica, os presidentes das conferências episcopais e os chefes das Igrejas Orientais são iguais. Por essa razão, penso que terei que participar ex officio.
Devo dizer que nossa Igreja também tem algumas experiências para compartilhar, porque a grande maioria dos nossos padres é casada. O fato de ter padres casados não significa que somos imunes a esse mal. Sabemos que, no mundo, a grande maioria dos casos de pedofilia ocorre em famílias. Precisamos criar uma cultura de proteção, de tolerância zero, não um sistema, que esconde esse mal.
Devo dizer que, pelo fato de terem seus próprios filhos, nossos padres têm um relacionamento mais natural com as crianças. Eles são frequentemente educadores de seus filhos e também dos filhos daqueles que frequentam suas paróquias. Essa experiência de ser pai da própria família os ajuda a tratar as crianças de maneira saudável. E a Igreja é chamada para ajudar essas crianças a amadurecer.
Como você disse, a vocação para o sacerdócio na Igreja ucraniana é um pouco diferente porque os padres podem se casar. Você tem alguma recomendação para aqueles que hoje pedem à Igreja Latina para permitir que os padres se casem?
Para que sejam prudentes! Se tivermos que dar conselhos, eu diria que remover o celibato do sacerdócio não resolverá o problema. No processo de discernimento vocacional, esse é outro desafio. Não é fácil acompanhar um seminarista sobre qual estado, ser casado ou celibatário, ele deve escolher quando se aproxima do sacerdócio.
Em que ponto, de acordo com suas regras, os seminaristas tomam essa decisão?
Durante o tempo deles no seminário. Obviamente, existem exceções. Nossos seminários aceitam apenas homens jovens que não são casados. Isso porque é quase impossível garantir um período calmo de discernimento durante a formação [depois do casamento]. Se um homem casado entrasse no seminário, ele basicamente teria que deixar a família por seis anos.
Lembro-me que no início dos anos 1990, quando nossa Igreja emergiu da clandestinidade, aceitamos todos nos seminários, porque havia uma grande necessidade de padres. Toda semana, via com meus próprios olhos o sofrimento dessas famílias que eram privadas de seu pai. Isso foi uma tragédia em uma perspectiva humana, em uma perspectiva espiritual e também econômica.
Quando eu era reitor do seminário, com o consentimento do meu bispo, criei um programa para vocações tardias. Se um pai de crianças quisesse iniciar o caminho da formação para o sacerdócio, tendo uma educação universitária, nós o ajudaríamos a viver uma vida comunitária no seminário sem fazê-lo deixar sua família. Nós o ajudaríamos a estudar e receber formação sem deixar sua profissão, porque ele teria que sustentar sua família. Foi um processo muito individual, algo que poderíamos fazer em nosso seminário. Fomos parcialmente bem-sucedidos, porque esse programa produziu seis padres.
Os seminaristas não podem se casar enquanto estiverem no seminário. No entanto, na segunda metade de seus estudos, eles frequentemente têm uma namorada. Esse também é um período muito delicado. Relacionamentos através de e-mail e skype são tão fortes que às vezes durante a formação é difícil focar a atenção do seminarista na comunidade, porque há alguém de fora puxando-o.
Eles têm que escolher se vão casar ou permanecer celibatários antes da ordenação diaconal. Muitas vezes acontece que um candidato que é chamado para ser casado, pai, tenha que esperar alguns anos para encontrar a pessoa certa. Muitos dos nossos seminaristas não são ordenados porque, depois de concluírem os estudos do seminário, eles vêm a Roma para estudos avançados. Somente depois de concluir esses estudos, eles podem ser ordenados. Você não pode viver como um padre casado numa faculdade romana.
A crise da família toca também as famílias sacerdotais. Frequentemente, nossos bispos estão preocupados não apenas com o seminarista, mas também com sua namorada, e também criamos um programa para essas mulheres. Muitas vezes, depois de dois ou três encontros, elas percebem que não querem ser esposas de um padre. Isso também pode tornar as coisas mais complicadas.
Então, para responder à sua pergunta, estamos abertos a compartilhar nossa experiência, mas a decisão deve ser tomada pela Igreja Latina. Devo dizer que esse não é um tópico deste sínodo, a questão do celibato não está sendo discutida no salão ou nos pequenos grupos.
Nota: Esta é a segunda parte de uma entrevista do Crux com o arcebispo Sviatoslav Shevchuk da Ucrânia. A primeira parte pode ser encontrada em inglês aqui.
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Arcebispo ucraniano pede “prudência” sobre padres casados - Instituto Humanitas Unisinos - IHU