04 Julho 2018
CPT aponta violência em regiões que somam mais de 37 milhões de hectares, mais da metade em terras indígenas; Amazônia concentra 85% do território em conflito.
A reportagem é de Igor Carvalho, publicada por De Olho nos Ruralistas,
Mais de 4% do território brasileiro – 37 milhões de hectares – teve conflitos de terra no ano passado, conforme o relatório da Comissão Pastoral da Terra (CPT) sobre conflitos no campo em 2017. Essa área equivale ao tamanho do Japão, pouco mais que o território da Alemanha.
Em 2016 as terras em conflito somavam 21 milhões de hectares. Em 2008 eram 8 milhões. Os números do ano passado mostram que o tamanho do território em disputa aumentou mais de quatro vezes em dez anos.
A região Norte concentrou 85% das áreas em conflito em 2017, ou 31 milhões de hectares. Em 2016, também de acordo com o relatório anual da CPT, esses estados da Amazônia registraram disputa por terras em 18 milhões de hectares.
Em resumo: o território em conflito no Brasil quase dobrou, entre 2016 e 2017. A mesma proporção registrada nos estados do Norte – mesmo sem contar os demais estados da Amazônia Legal.
Mais da metade – 54% – da área total em conflito no Brasil fica em terras indígenas. A foto principal desta notícia – de maio de 2018 – mostra a explosão de uma pista de pouso na Terra Indígena Yanomami, um dos territórios invadidos em 2017. Foi divulgada pelo Exército.
O ano de 2017 foi marcado também pelo retorno, após 20 anos, dos grandes massacres. Em Pau D’Arco, no Pará, foram dez camponeses mortos, em maio. No mês anterior outros nove camponeses foram assassinados no Massacre de Colniza, em Mato Grosso.
Os estados com a maior quantidade de ocorrências de conflitos agrários em 2017 foram Amazonas (11,5 milhões), Roraima (9,6 milhões), Pará (8,3 milhões), Mato Grosso (3,1 milhões) e Rondônia (1,1 milhão). Confira a lista completa:
Seis estados da Amazônia Legal lideram o ranking dos territórios em conflito. (Foto: CPT/De Olho Nos Ruralistas)
Embora a CPT atribua o crescimento dos conflitos na Amazônia ao projeto Terra Legal, que tem legalizado áreas griladas na região, os dados mostram um papel decisivo dos conflitos em terras indígenas, por causa do avanço de garimpeiros e madeireiros.
Em 2016, o estado de Roraima registrou violência em disputas por terra em apenas 9 mil hectares. No ano passado esse número saltou para 9,6 milhões de hectares, por causa de um flagrante de garimpos ilegais na Terra Indígena (TI) Yanomami, em abril de 2017.
Foi uma operação conjunta da Polícia Federal, Fundação Nacional do Índio (Funai), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Exército. Os agentes destruíram 20 acampamentos ilegais de garimpeiros, quatro balsas, seis motores, cinco geradores e 200 metros de mangueira para garimpo.
A Terra Indígena Yanomami possui 9,6 milhões de hectares, exatamente a área registrada no relatório da CPT.
O problema continua: em maio deste ano foram apreendidos ouro e até mercúrio na TI Yanomami, durante a Operação Curaretinga XI.
Em setembro de 2017, o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) denunciou massacre de indígenas na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas. Os crimes – ainda não confirmados pela Polícia Federal – teriam sido cometidos por garimpeiros que atuam ilegalmente na reserva.
Esse conflito fez o estado do Amazonas saltar de 3,3 milhões de hectares com registros de violência, em 2016, para 11,4 milhões de hectares, no ano passado. A TI Vale do Javari possui 8,5 milhões de hectares.
Ainda no Amazonas, as terras do povo Waimiri Atroari, que somam 2,5 milhões de hectares, estão em disputa judicial com o consórcio Transnorte Energia S.A. (TNE), que quer construir uma linha de transmissão de 750 quilômetros no meio do território indígena.
Somadas, as Terras Indígenas Yanomami, Waimiri Atroari e Vale do Javari possuem 20,6 milhões de hectares. O valor representa 54% do total de áreas em que a CPT registrou conflitos por disputa territorial no Brasil em 2017.
Um dos membros da Coordenação Nacional da CPT, Ruben Figueira, associa o aumento dos conflitos no campo ao golpe de 2016:
– É o golpe. É importante dizer que nos governos petistas já havia um estímulo para o avanço do agronegócio. Com a chegada do governo Temer a prática fica indiscriminada. Houve um afrouxamento na fiscalização da expansão do agronegócio.
Ele diz que Legislativo, Executivo e Judiciário têm facilitado o acesso às terras, principalmente de povos indígenas e quilombolas. “Com a crise financeira, há uma busca de base real para especulação e o agronegócio está buscando ativos no mercado”, completa.
Sobre a participação da Amazônia no total de conflitos, ele observa que na Amazônia Legal – que inclui Mato Grosso e o oeste do Maranhão – encontra-se o arco do desmatamento:
– Ali estão os madeireiros e os pecuaristas. Na região amazônica é onde você tem a precariedade da posse e boa parte são terras públicas. Porém, o governo Lula, por pressão das empresas e do capital financeiro, criou o programa Terra Legal, que facilita o acesso dessas terras pela iniciativa privada e no final acaba servindo para regularizar a grilagem.
O programa Terra Legal tornou-se uma política permanente em junho de 2009, no segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, por meio da MP 759. O projeto localiza terras públicas na região amazônica, regulariza e entrega para os futuros proprietários – em boa parte grileiros.
Subordinado à Subsecretaria da Regularização Fundiária na Amazônia Legal (Serfal), o projeto faz parte das políticas públicas da Secretaria Especial de Agricultura Familiar e Desenvolvimento Agrário, ligada à Casa Civil desde a extinção do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), no início do governo Temer.
De Olho nos Ruralistas mostrou, no início de fevereiro, que naquele mês o governo Temer já tinha ultrapassado a marca de 100 mortes por conflitos agrários no campo.
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Conflitos por terra: áreas em disputa no Brasil superam o tamanho da Alemanha - Instituto Humanitas Unisinos - IHU