03 Julho 2018
Péssimo o discurso da vitória de Lopez Obrador, no México.
Manutenção da autonomia do Banco Central, dos contratos de exploração de petróleo e da política econômica de Pena Nieto.
Todo o foco no combate a corrupção, tratada como uma questão moral, sem que se entenda a origem estrutural do problema (ou seja, a captura do Estado por interesses privados).
Vamos ver como a enorme mobilização popular em torno de sua eleição lidará com essa agenda.
Andres Manuel Lopez Obrador, conhecido como AMLO, político de centro-esquerda, é o mais novo presidente do México.
AMLO, como quase todos os políticos mexicanos, começou sua carreira política no PRI.
Em 1989 ajudou a fundar o PRD para dar sustentação à candidatura de centro-esquerda de Cuahtemoc Cárdenas (a quem ele depois viria a suceder como candidato a presidente, prefeito da Cidade do México e presidente do PRD - hoje ambos já não estão mais no PRD). Assim como Cárdenas, AMLO ganhou mas não levou uma eleição presidencial (no seu caso, a de 2006).
Foi eleito agora pelo Morena (Movimento Regeneracion Nacional), criado com o único objetivo de viabilizar sua candidatura a presidente, em coalizão com o PT (de esquerda) e o PES (de centro-direita).
Há expectativas de que a coligação obtenha maioria no Congresso, o que aumentará bastante sua governabilidade. O Morena deve vencer as eleições para prefeito da Cidade do México (o segundo cargo executivo mais importante do país) e para o governo de importantes províncias.
Em segundo lugar nas eleições ficou a insólita coligação entre o direitista PAN e o PRD, mas bem atrás de AMLO.
Os maiores desafios do futuro presidente mexicano vem todos do norte. De um lado, a ALCA e as tensas relações com Donald Trump. De outro lado, o crime organizado dos cartéis de drogas (como Sinaloa e Los Zetas) que tornam o norte do México um dos lugares mais violentos do mundo.
No sul, a relação com o EZLN promete ser tensa, embora muito mais próxima do que a de qualquer outro presidente até hoje.
Claudia Sheinbaum
A futura prefeita da Cidade do México é mulher, física, doutora em engenharia energética, professora da Universidade Autonoma do México (UAM), ex secretária de Meio Ambiente da Cidade do México (na gestão de Lopez Obrador), consultora do PNUD e integrante do grupo de especialistas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU.
Santidade como invasão de Deus
Luiz Felipe Pondé
(FSP - 02/07/2018)
Não há santidade (humana, não divina) sem pecado. O santo é um especialista no mal
Santos não são santinhos. A série de Paolo Sorrentino "The Young Pope" com Jude Law no papel do hipotético papa Pio 13 é uma aula sobre santidade. O tema é meio fora de moda. Ou confundido com gente que parece muito bacana, com ideias bacanas. Do tipo que funda startups pra combater a desigualdade. Ou vota no PSOL.
A série vale a pena ser vista se você está a fim de ver um tratamento da santidade para além do marketing brega do bem que assola até mesmo a Igreja algumas vezes - além, é claro, do tratamento estético maravilhoso, típico de Sorrentino, autor da obra-prima "A Grande Beleza". Mas não vou dar spoiler.
Nos meus anos de dedicação à filosofia da religião na PUC-SP, a santidade foi um dois temas que mais me encantou — o outro foi a mística. Ainda me encantam, nos meus melhores momentos. Santos não são santinhos. A santidade numa pessoa não está enraizada no bem que a habita, mas nas suas mais profundas misérias.
Quem não se reconhece miserável não é capaz de perceber a misericórdia quando ela passa, com a suavidade da graça, pela sua vida. E, por consequência, jamais conhecerá Deus.
Sem pecado, não se enxerga Deus. Só os pecadores (e os neuróticos) verão Deus. Que Deus tenha misericórdia dos sem pecado. Dois escritores que entenderam muito bem a psicologia da santidade foram Fiódor Dostoiévski (1821-1881) e Georges Bernanos (1888-1948).
A santidade está enraizada na mais profunda miséria que constitui a natureza humana. Não há santidade (humana, não divina) sem pecado. O santo é um especialista no mal. A sua maior proximidade de Deus é, na verdade, assentada na sua absoluta consciência da enorme distância que existe entre ele e Deus. Quem se julga perto de Deus é porque está muito longe Dele.
Entre algumas das obras teológicas de mais peso sobre a santidade, uma, em especial, sempre me pareceu bastante consistente e, ao mesmo tempo, acessível. Infelizmente, devo confessar, sem tradução em português.
Publicada na Alemanha em 1970, "Schwestern im Geist: Therese von Lisieux und Elisabeth von Dijon", da editora Joahnnes Verlag, escrita pelo teólogo católico suíço-alemão Hans Urs Von Balthasar. Seguramente há tradução para o inglês, e talvez para o espanhol, francês ou italiano. Numa tradução livre, "Irmãs no Espírito: Thereza de Lisieux e Elisabeth de Dijon". Trata-se de um estudo acerca da santidade de duas santas francesas.
Segundo Von Balthasar, existem dois tipos básicos de santidade. Dito de forma breve, seriam os santos que brotam do chão do mundo e os santos que Deus lança sobre o mundo.
Os que brotam do solo do mundo surgem a partir do esforço pessoal da mulher ou do homem que anseia pela santidade. Através de um doloroso esforço (estamos longe aqui da ideia de que uma pessoa não possa tentar enfrentar o pecado com suas próprias forças), eles acabam por conseguir iluminar o mundo, em alguma medida, com as virtudes de Deus.
Eles acabarão por ser reconhecidos pela comunidade à sua volta, e Deus, diz Von Balthasar, os aceita como reconhecimento do esforço humano para se aproximar Dele e da Sua santidade. Esse "solo do mundo" é a comunidade humana na qual ele vive.
Nas palavras do teólogo, Deus se dobra diante de tal caminhada árdua em direção às virtudes divinas. Deus se comove com o embate que a pessoa leva a cabo em sua vida. O processo mesmo de "instalação" da santidade é conscientemente percebido pela pessoa em questão.
O segundo tipo de santidade, segundo Von Balthasar, é mais radical, mais dramático, mais sofrido e mais violento, de certa forma, porque se trata de uma invasão da vida da pessoa por Deus. Dito de forma direta: nada tem a ver com a escolha da pessoa em questão de buscar a santidade, não há um processo de tomada de consciência da "instalação" da santidade em paralelo ao esforço dela, como no primeiro caso, criando uma experiência mais gradual.
Neste caso, Deus escolhe a pessoa e pronto, não a avisa "previamente". Como consequência, sua vida, sua consciência, seus atos, seu corpo, tudo que lhe pertence, é tomado de assalto por Deus. Aos poucos, às custas de enorme resistência e dor, esse santo será levado a aceitar o fato que sua vida não mais lhe pertence. Esse é o tipo que sente o peso da mão de Deus sobre sua cabeça.
A intimidade com Deus é, muitas vezes, uma experiência devastadora e intrigante, mas sempre fascinante. Esse é o tipo de santidade descrito na série "The Young Pope".
Luiz Felipe Pondé
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