11 Abril 2018
O Brasil não se desarticulou vendo Lula na cadeia e tenho certeza de que tampouco o fará quando recuperar sua liberdade.
O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 10-04-2018.
Uma sociedade muda é uma sociedade morta. O poder sempre preferiu o silêncio das ruas ao ruído dos protestos. Existem, no entanto, momentos históricos em que os gritos e as ameaças podem se tornar armas. Dias antes de o juiz Sérgio Moro decretar a prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a atual presidenta do seu partido, o PT, senadora Gleisi Hoffman, ré por corrupção no Supremo Tribunal Federal, lançou uma profecia terrível: “Para prender Lula, vai ter que prender muita gente, mas, mais do que isso, vai ter que matar gente. Aí, vai ter que matar”. Hoje Lula já está na prisão e ninguém teve de morrer para que a decisão do tribunal fosse cumprida. Felizmente, a profecia de Gleisi foi abortada.
Dias atrás cheguei a perguntar, nesta coluna, se o Brasil não estaria sofrendo “um ataque de loucura”, dada a situação política e social que o aflige e na qual parece que todos enlouqueceram de repente, das altas instituições do Estado às forças judiciais, políticas e até militares. Hoje, em vista da capacidade que a sociedade demonstrou para metabolizar o trauma da prisão de Lula sem que as ruas fossem tomadas para evitá-lo, cabe perguntar se não estamos desvalorizando a maturidade de uma sociedade que começa a encarar como normal, por exemplo, que a justiça seja igual para todos. Uma sociedade que deixou de ser muda para gritar seu protesto. Uma sociedade que está, por exemplo, vigiando um Supremo Tribunal Federal que flerta com impedir a prisão dos condenados por um tribunal de segunda instância. Até os menos cultos entenderam que essa decisão permitiria que os condenados importantes, que podem se dar ao luxo de pagar advogados de ouro, adiassem sua prisão recorrendo a instâncias superiores. A sociedade entendeu que, dessa maneira, os pobres continuariam igualmente presos e até mesmo sem serem julgados, como sempre o foram. Viu que o que os magistrados querem, sob o pretexto de defender a presunção de inocência, é parar a Lava Jato e salvar os mais de cem políticos acusados ou já condenados por corrupção.
Uma sociedade capaz de ver Lula, o primeiro ex-presidente deste país preso por corrupção sem que isso tenha sido uma convulsão social, como enfatizou o jornal Folha de S. Paulo, talvez seja uma sociedade mais equilibrada e moderna do que aparece na superfície das águas agitadas pelos ódios dos radicais das duas frentes. Enquanto muitos jornais e televisões de todo o mundo deram a prisão de Lula como uma tragédia nacional, mais de 200 milhões de brasileiros continuaram trabalhando, produzindo, se divertindo e até felizes de que aos três “pês” que, segundo a sabedoria popular, eram os únicos a ir para a cadeia e apodreciam nelas –pobres, putas e pretos– agora tenha sido acrescentado um quarto “p”: o dos políticos.
O Brasil talvez seja maior e mais sólido do que parece, com vontade acima de tudo de melhorar sua vida. Um país consciente do que lhe falta, que exige melhorias sociais e serviços públicos dignos e que quer se parecer mais com as nações desenvolvidas nas quais, às vezes, os cidadãos nem lembram o nome do presidente, do que com as repúblicas de bananas, onde políticos e messiânicos poderosos vivem não para criar uma sociedade melhor e mais justa, mas de costas a ela, preocupados em enriquecer e se perpetuar no poder à sua custa. É possível que a força dos que preferem a paz à guerra, o diálogo à intransigência, a convivência ao ódio, seja maior do que a dos destemperados ruidosos e, felizmente, maus profetas, como a aguerrida senadora Gleisi, que já via a prisão de Lula semeada de cadáveres.
O Brasil não se desarticulou vendo Lula na cadeia e tenho certeza de que tampouco o fará quando recuperar sua liberdade. Aqueles que o endeusam e aqueles que o odeiam são menos do que aqueles que veem com naturalidade que a política é feita por pessoas de carne e osso, e não por divindades, como na Grécia Antiga. A história é feita por homens e mulheres normais, com seu cansaço e sua esperança em um futuro melhor para seus filhos. Somente as Igrejas têm a prerrogativa de proclamar santos. O realismo – não o mágico das sociedades ainda imaturas, mas aquele misturado com a terra – é o melhor condimento para fortalecer uma sociedade capaz de viver em liberdade e ser governada com justiça. Todo o resto é areia ideológica jogada nos olhos das pessoas para evitar que elas vejam uma realidade que sempre estará inevitavelmente misturada com tragédias e esperanças, porque a vida é assim. O ruído dos protestos dos vivos é sempre melhor, no final, do que o silêncio dos mortos.
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A profecia abortada de Gleisi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU